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2006-08-16
O presidente da Agência Estadual de Defesa Sanitária e Vegetal (Iagro) de Mato Grosso do Sul, João Cavalléro, admitiu, na segunda-feira (14/8), que há falhas na vigilância sanitária da região de fronteira com o Paraguai, onde ocorreram 34 surtos de febre aftosa desde outubro do ano passado, mas, segundo ele, não invalidam os esforços feitos para controlar a doença. "Fizemos uma operação brutal lá, abatemos 35 mil animais, vacinamos todo o gado. Se tem falhas, tem, mas hoje o risco é muito menor e não é tudo culpa nossa."

Conforme o Estado mostrou na edição de domingo, os postos de fiscalização não têm energia e fecham à noite por falta de segurança. Havia também gado solto na região interditada, na fronteira entre os dois países. De acordo com Cavalléro, a fiscalização do contrabando de animais é responsabilidade do governo federal. "Quem tem de ver isso é o Ministério da Agricultura e a Polícia Federal. Estamos lá para fiscalizar o trânsito interno e, por delegação, o interestadual."

Ele admitiu que a área ainda é de risco, mas disse que todo o trabalho de desinfecção já foi feito. Jornais paraguaios repercutiram a reportagem do Estado, mostrando as condições precárias das barreiras sanitárias na fronteira com o Brasil. O ABC Color, de Assunção, apontou como responsável pelo ressurgimento da aftosa em Mato Grosso do Sul "a negligência do Estado" na vigilância sanitária.

Cavalléro voltou a atribuir ao Paraguai os problemas que os produtores do Estado enfrentam em decorrência da doença. "A aftosa na América do Sul vem do chaco paraguaio. Todos sabem disso."

Ele afirma que, sempre que o preço da arroba do boi sobe, fala-se em novo surto. "Mato Grosso do Sul produz carne de qualidade, mas se vê obrigado a continuar vacinando o gado, o que o impede de conquistar mercados exigentes, por causa de problemas na fronteira."

Índios
O presidente do Movimento Nacional de Produtores, João Bosco Leal, disse ter informações de que, mesmo após o abate de 34 mil bovinos para conter a aftosa no Estado, o gado da Reserva Porto Lindo, dos índios guaranis-caiovás, não foi vacinado. "Soube por produtores vizinhos que não foi feita, até agora, uma vistoria para verificar se o gado tem a doença."

Segundo ele, os índios, que ocupam 11 mil hectares e levam gado paraguaio para a reserva , não permitem a entrada de agentes sanitários. "Fazer assentamentos indígenas e de sem-terra na fronteira é crime contra a segurança nacional."

Ele afirma que o contrabando de gado paraguaio teria até o envolvimento de políticos. "A saída é erradicar a aftosa de todo o Mercosul, mas para isso, é preciso vontade política." O ruralista defendeu o fim da vacinação como forma de controle da doença. "Não está funcionando e implica, em Mato Grosso do Sul, em um gasto anual de R$ 70 milhões para os produtores."

O presidente da Iagro afirmou que o gado dos índios foi vistoriado e vacinado. Segundo ele, assentamentos recebem a vacinação assistida. "Aplicamos 500 mil doses por etapa, inclusive no gado de periferia."

EUA vêm inspecionar frigoríficos
Ainda sob o impacto das críticas contundentes do Tribunal de Contas da União (TCU), que apontou "falhas graves" no sistema de defesa sanitária do País, o Ministério da Agricultura terá um novo desafio a partir desta semana.

Uma missão do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) reúne-se amanhã, em Brasília, com técnicos do ministério para avaliar os controles sanitários adotados pelos frigoríficos que vendem carne bovina cozida para o país. O desafio dos brasileiros é impedir que esse comércio, que rendeu US$ 167,4 milhões este ano, até julho, e US$ 205,7 milhões em 2005, seja interrompido.

A missão também vai avaliar a situação das indústrias de processamento de carnes e dos laboratórios que fazem o controle dos carregamentos para os EUA. Até 12 de setembro, os técnicos estarão em Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás.

Um técnico da Secretaria de Defesa Agropecuária explicou que a preocupação central da missão é a saúde pública, mas admitiu que os americanos podem fazer questionamentos sobre outros temas. O temor é que a missão cobre explicações sobre as deficiências na defesa sanitária e imponha alguma restrição ao produto brasileiro.

Em 2005, durante uma visita como essa, os americanos apontaram várias deficiências na inspeção e fiscalização de produtos de origem animal. Uma delas era a falta de um programa permanente de capacitação de pessoal de fiscalização e de laboratório.

A falta de infra-estrutura nos laboratórios foi uma das falhas apontadas pelo TCU. Os técnicos do USDA advertiram para a necessidade de compatibilizar os sistemas de análises de resíduos dos dois países.

Enquanto o Brasil fazia a análise de resíduos a partir da urina dos animais, os americanos avaliavam amostras do fígado, o que poderia resultar em diferentes resultados.

Com a lista de reclamações em mãos, o ministério optou por proibir que cinco frigoríficos vendessem carne bovina para os Estados Unidos. Durante a visita, os americanos desabilitaram outros três abatedouros.

Depois de um processo de adaptação, essas empresas receberam autorização para retomar as vendas de carne para os Estados Unidos, mas a imagem do produto brasileiro ficou “arranhada", pois os critérios adotados pelos americanos servem de padrão para outros países, como o Japão.

Deputados
Apesar do chamado recesso branco, deputados da bancada ruralista comentaram ontem a reportagem do Estado, publicada neste fim de semana, que expôs a fragilidade do controle sanitário na fronteira com o Paraguai. Esse país foi classificado de "exportador de aftosa" pelo diretor-presidente do Iagro, a agência estadual de defesa de Mato Grosso do Sul, João Cavalléro.

A reportagem mostra fiscais do Iagro trabalhando à luz de lampiões em um posto destruído à bala. O serviço é interrompido à noite por falta de segurança, exatamente quando os contrabandistas para passar com o gado.

Para o presidente da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, Abelardo Lupion (PFL-PR), a situação mostra que "o governo federal é omisso, irresponsável".

Governo pede a russos que liberem carne de SC
O governo brasileiro pediu à Rússia, que na semana passada levantou o embargo à carne de Mato Grosso, que libere também a carne de Santa Catarina. O pleito foi transmitido ontem à missão russa que esteve reunida com o Ministério da Agricultura, no Rio. Os catarinenses estão com estoque elevado de carne suína e o mercado russo é o principal comprador.

"Eles levarão nossa proposta e deverão responder rapidamente", contou o secretário de Defesa Agropecuária do ministério, Gabriel Maciel, que participou da reunião de ontem com técnicos russos no Centro Pan-Americano de Febre Aftosa, em Duque de Caxias.

Maciel explicou que Santa Catarina é o único estado brasileiro livre da aftosa sem vacinação. A missão russa é técnica e a decisão caberá ao Ministério de Agricultura da Rússia. "É importante abrir Santa Catarina por causa da carne de suíno", disse o secretário. Segundo ele, foram pedidas análises dos casos de outros Estados também.

Além de Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul ainda estão proibidos de exportar bovinos, suínos e subprodutos para a Rússia. Em abril, o Rio Grande do Sul havia sido liberado para o comércio dos produtos com o mercado russo, desde a imposição das restrições, em dezembro do ano passado.

Maciel explicou que os técnicos russos elogiaram a qualidade e controle das vacinas, mas demonstraram preocupação com o controle sanitário na fronteira com o Paraguai em Mato Grosso do Sul. Especialistas do setor vêm apontando para o risco de trânsito de animais, até mesmo contrabando, de um país para o outro ao longo da fronteira seca. O secretário confirmou que os russos indicaram que é uma fronteira extensa e bastante vulnerável.

"Eles viram que é uma área muito extensa, que precisa de controle maior e trabalho contínuo para evitar a aftosa", explicou o secretário. Marciel também informou que o Brasil está disposto a enviar uma missão à Rússia para detalhar as providências que estão sendo tomadas para a liberação do comércio dos estados brasileiros.
(Por José Maria Tomazela, O Estado de S. Paulo, 15/08/2006)
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