Médico da USP questiona conceito de padrão de qualidade do ar
2006-08-15
"O conceito de padrão de qualidade do ar ajuda o legislador, mas não a população". Com esta provocação, o pesquisador da Escola de Saúde Pública da USP, médico Paulo Saldiva, pontuou sua exposição sobre a questão da Qualidade do Ar na última sexta-feira (11/08), no Seminário sobre Grandes Empreendimentos em Áreas Urbanas e Licenciamento Ambiental, ocorrido no Centro Universitário Feevale, em Novo Hamburgo. Saldiva explicou que as diferenças fisiológicas e de condição de saúde, bem como de estados de cada pessoa são fatores que fazem com que pensar em um padrão de qualidade do ar não seja sempre adequado em termos de saúde humana.
O médico citou como exemplo um recente estudo do pesquisador Arnold Pope segundo o qual mesmo variações abaixo do padrão estabelecido como limite de poluição para determinados compostos (materiais particulados) levavam a variações significativas de saúde. Um dos agravantes dessa situação, disse, é a falta de planejamento na área de transportes.
"A frota na Região Metropolitana de São Paulo aumentou 65% nos últimos dez anos, de 1996 a 2005, enquanto que a população cresceu quase12%", comparou. "É um modelo de crescimento que produz poluição do ar", arrematou.
De acordo com Saldiva, as fronteiras da poluição urbana se estendem muito mais rapidamente do que a capacidade dos especialistas em medi-la. "O transporte público é ineficiente. Em 2004, foram vendidas 600 mil motos em São Paulo; no ano passado, 1,1 milhão, e a previsão é de 1,6 milhão de unidades para este ano", informou, acrescentando que esse tipo de escolha de transporte implica um modelo insustentável para a cidade, pois gera perda de tempo no trânsito e estresse, sem falar na deterioração da qualidade de vida pela poluição.
Saldiva mostrou uma foto aérea obtida pelo Google Earth onde aparecia a Faculdade de Saúde Pública da USP, com uma grande parte mapeada com pontos vermelhos. "Esses pontos são as áreas ocupadas por carros, ou seja, estacionamento. Isso mostra que 42% da área da faculdade são destinadas aos carros", observou.
Ao explicar o fenômeno da inversão térmica - elevação do calor causada por excesso de emissão de gases poluentes, entre outros fatores, impedindo que o ar suba e formando os chamados aerossóis primários -, o médico disse que a poluição média de uma grande cidade tem o mesmo efeito, nos indivíduos, do consumo de três cigarros por dia. "Esse risco é aplicado a todos, indistintamente", notou. Quem sofre mais são crianças e pessoas idosas. "Respiramos não só hidrocarbonetos aromáticos, mas metais pesados como níquel, chumbo, manganês, cromo", apontou, mostrando uma foto de um pulmão de uma vítima não fumante, de 42 anos, morta por insuficiência cardiorrespiratória, com várias placas indicando pontos em que os particulados se depositam na superfície do tecido pulmonar.
Estudos realizados na Escola de Saúde Pública da USP indicam as mortes de pessoas acima de 65 anos, por problemas respiratórios, ocorrem principalmente em julho e agosto, devido ao efeito das baixas temperaturas. "Ondas de calor em cidades com temperaturas moderadas ou frias são tão mortais quanto ondas de frio em cidades com temperaturas médias mais altas", comparou o médico.
Segundo Saldiva, São Paulo licencia 2 mil veículos por dia, e uma termelétrica a carvão equivale ao efeito poluente de 60 mil a 80 mil veículos. "Concluímos que o padrão da qualidade do ar é algo abstrato, depende do que se quer para a saúde, que padrão de qualidade de vida se busca", afirmou.
Os estudos sobre os efeitos nocivos da poluição ao aparelho respiratório e conclusões mais incisivas referentes aos mesmos têm como grande obstáculo a questão do tempo. Tais estudos levam décadas para serem realizados, sendo necessário, para a comprovação indubitável dos resultados, que se acompanhem os mesmos indivíduos por 20, 30 anos ou mais. "Os Estudos de Impacto Ambiental não olham para isso, não incluem os humanos", lamentou o médico. Ao concluir, ressaltou que a poluição custa, em termos de saúde humana, nada menos do que US$ 300 milhões por ano aos cofres públicos de São Paulo: "Nove pessoas das 120 que morrem todos os dias na Capital paulistana são vítimas da poluição do ar".
(Por Cláudia Viegas, 15/08/2006)