O risco de um novo racionamento de energia, agravado pelas dificuldades de licenciar novas hidrelétricas, contribui para
fortalecer lobbies até há bem pouco tempo descartados do debate energético nacional. Além do resgate da usina nuclear
Angra 3 como solução para garantir a segurança do sistema elétrico nacional, os produtores de energia a carvão também
começam a reivindicar o espaço perdido nos últimos anos no país.
Em comum aos dois segmentos, um mesmo argumento: a desconfiança com os números da Empresa de Pesquisa
Energética (EPE), a estatal criada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva para planejar o abastecimento de longo prazo do
sistema elétrico nacional. Embora o presidente da estatal, Mauricio Tolmasquim, faça questão de afastar a possibilidade de
uma nova crise de abastecimento, o presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), Edson Kuramoto,
revela uma defasagem entre os números da EPE e as projeções da entidade.
Segundo Kuramoto, ao contar com todo o potencial hidrelétrico inventariado no Plano Decenal 2006-2015, o governo corre o
risco de chegar em 2035 com um déficit de, no mínimo, 120 mil megawatts (MW) de energia. Isso porque os atuais padrões
de exigência ambiental dificultam a construção de usinas nos cursos d’água inventariados.
O executivo justifica que os cálculos levam em consideração uma taxa média de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB)
de 2% e de crescimento da demanda de energia de 4,6%. Logo, justifica, se o crescimento médio do período beirar os 4%
ou 5% – como quer o próprio presidente Lula – esse déficit poderá ser ainda maior.
O conselheiro da Associação Brasileira do Carvão Mineral (ABCM), Luiz Nelson Valcareggi, adverte, por sua vez, que as
atuais necessidades de energia do país demandam uma expansão anual do parque gerador nacional da ordem de 6 mil a 7
mil MW. O executivo argumenta que, como 77% da matriz energética brasileira é hidrelétrica, o governo terá dificuldades para
expandir a capacidade instalada se não houver uma diversificação das fontes.
Valcareggi vai participar, a partir de amanhã, do 11º Congresso Brasileiro de Energia, promovido pela Coppe-UFRJ, até
sexta-feira (18/08), no hotel Glória, no Rio. Do congresso, que ocorre em momento delicado para as discussões mundiais do
setor, também participarão entidades representantivas das áreas nuclear, de gás natural e hidrelétrica. Com petróleo a US$
70 e a crise do gás natural com a Bolívia, o tema tornou-se fundamental para ditar os rumos da economia global.
Com relação aos impactos ambientais, tanto Kuramoto quanto Valcareggi argumentam que o debate não pode ser interditado
pelo que classificam de preconceito. O presidente da Aben lembra que as usinas nucleares não emitem gases causadores
do efeito estufa, como o CO-2 (gás carbônico). Do ponto de vista da segurança, acrescenta, apenas dois acidentes foram
verificados em centrais termonucleares nas últimas seis décadas – Three Miles Island, nos Estados Unidos, e Chernobyl, na
antiga União Soviética. Desde então, acrescenta, os padrões de segurança evoluíram a um nível ótimo.
Já Valcareggi faz questão de lembrar que, do ponto de vista tecnológico, uma termelétrica que opera a carvão emite a
mesma quantidade de CO-2 de qualquer térmica a gás ou mesmo hidrelétricas. "Os lagos das hidrelétricas emitem gases
produzidos pela decomposição da matéria-orgânica submersa", diz o conselheiro da ABCM. "Além disso, já há tecnologia
suficiente para se gerar energia a carvão com menos emissões".
(Por Ricardo Rego Monteiro,
Gazeta Mercantil, 15/08/2006)