A febre do biodiesel toma conta do Brasil
2006-08-15
Depois da cana-de-açúcar, do ouro, do algodão ou ainda do café, o Brasil
vive agora a febre do biodiesel. Uma lei, que foi assinada em 2004 pelo
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tornará obrigatório a partir de 2008 o
acréscimo de 2 % de biocombustível em um litro de diesel. Portanto, até lá,
o país precisa multiplicar por quatro sua produção atual, de 200 milhões de
litros.
O biodiesel é um combustível elaborado com oleaginosas. As mais utilizadas,
nos Estados Unidos e na Europa, são a soja e a colza. Mas os brasileiros
querem tirar proveito das suas plantas tropicais, que são fáceis de cultivar
para os pequenos agricultores.
O presidente Lula, que está pleiteando um segundo mandato, dá uma grande
importância a este projeto. "Eu sempre tive a certeza de que o biodiesel
iria resolver o problema dos pequenos agricultores; estou convencido de que
ele é o petróleo do futuro", afirma. Ele se diz disposto a antecipar a
aplicação da lei, uma vez que a produção de biodiesel já passou a aumentar
de maneira constante. Em todo o país, 600 postos de combustíveis já
comercializam a nova mistura.
Numa região pobre do Brasil, a companhia petroleira Petrobras empreendeu uma
experiência inovadora que vem mobilizando 5.000 famílias de agricultores.
"Nós temos o poço de petróleo que todo mundo sonha ter no seu jardim, e,
além disso, é uma jazida inesgotável!", comemora Livania Frizon, da
"agro-aldeia" de Canudos, uma fazenda de propriedade coletiva situada em
Ceara Mirim, a 100 quilômetros de Natal, a capital do Estado do Rio Grande
do Norte.
Ao lado das lavouras de papaias, de bananeiras e de mandioca, os fazendeiros
plantaram vários hectares de "pinhão-manso" (Jatropha curcas, também
conhecido como pinhão-de-purga), uma árvore originária desta região
semi-árida, cuja fruta contém 38% de um óleo destinado à elaboração do
biodiesel.
Mesmo crescendo no solo arenoso, este vegetal produz três toneladas de grãos
por hectare e oferece duas colheitas anuais. "O sol, considerado aqui como
um castigo para a agricultura, daqui para frente é uma bênção", explica
Livania. A Petrobras havia fornecido à cooperativa as sementes que se
transformaram, em Canudos, em 1.200 pés de "pinhão-manso".
Para as 142 famílias de pequenos agricultores de Palheiros III, uma outra
comunidade rural situada à proximidade de Upanema (a 250 quilômetros de
Natal), a companhia petroleira forneceu sementes de mamona. Assis Gama, o
presidente de Palheiros III, faz visitar com orgulho a plantação de 300
hectares de mamona. "Essa planta não exige muita manutenção, e, em dois anos
de vida útil, um pé dá seis colheitas", explica. "Isso permite valorizar
superfícies que não precisam de muitos cuidados, ao lado das nossas culturas
hortifrutícolas".
A mamona, que crescem em terrenos baldios, garante uma renda complementar
aos pequenos camponeses. Esses últimos são incentivados por Brasília a
valorizar a terra que lhes foi entregue no momento da reforma, por meio dos
créditos destinados à agricultura familiar.
"O nosso desafio é de organizar a produção da matéria-prima, isso porque nós
teremos em breve uma grande usina de biodiesel no Rio Grande do Norte,
assim como haverá seguramente uma em cada Estado do Brasil", estima Ulisses
Soares, um geólogo que atua a serviço da Petrobras há vinte anos.
"Pesquisa intensa"
O local para onde convergem as colheitas dos pequenos agricultores ainda não
passou do estágio experimental. Ele ocupa alguns hectares apenas na imensa
refinaria de Guamaré. O processo de industrialização, totalmente inovador,
exigiu um investimento de oito milhões de euros (R$ 22 milhões) por parte da
Petrobras.
"Ninguém nunca conseguiu elaborar o biodiesel a partir da semente de
mamona, ou de outras plantes equivalentes, e sim somente a partir do óleo",
explica Mauro Silva, o engenheiro responsável dos testes. Iniciados em
julho, eles deverão prosseguir ao longo de 18 meses. Um teste com 100
toneladas de oleaginosas diferentes será realizado todo mês, uma vez que o
objetivo, em Guamaré, é de produzir um biodiesel de baixo custo e
confiável.
"Estamos desenvolvendo uma pesquisa intensa, com a mamona e o pinhão-manso,
adaptados para o clima da região do equador, mas também com o óleo de palma,
ou ainda o sebo bovino, além do etanol produzido com a cana-de-açúcar",
sublinha o agrônomo Paulo Morelli, encarregado de supervisionar os programas
de biodiesel no ministério da agricultura, em Brasília. Sem nutrir a
ambição de se tornar um "emirado do biodiesel", o Brasil quer compartilhar
os resultados das suas pesquisas com outros países tropicais que poderiam,
por sua vez, beneficiar do biodiesel, tais como Angola, a Tailândia ou a
Índia.
Preso por circular com um carro movido a óleo vegetal puro
Olivier Lainé, um agricultor francês e porta-voz da Confederação Camponesa
da Seine-Maritime (oeste), foi preso, na quarta-feira, 2 de agosto, pelos
serviços alfandegários. O objeto do crime é o veículo profissional que ele
estava dirigindo enquanto ele efetuava suas entregas, o qual era movido a
óleo vegetal puro.
A administração alfandegária precisa que a substância utilizada "não faz
parte da lista dos biocombustíveis autorizados". Além disso, "o seu usuário
não paga a taxa sobre os combustíveis".
Olivier Lainé rechaça esses argumentos que, segundo ele, são "contrários a
uma diretriz européia, já aplicada na Alemanha". Num comunicado, a
Confederação Camponesa denunciou, por sua vez, "a duplicidade do Estado
[francês]".
(Por Annie Gasnier, Tradução: Jean-Yves de Neufville, Le Monde, 15/08/2006)
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2006/08/15/ult580u2101.jhtm
http://www.lemonde.fr/