Os bilhões do carbono começam a chegar às empresas brasileiras
2006-08-15
O pequeno criador de porcos Valdecir Heemann, fornecedor da Sadia em Santa Catarina, nunca imaginou que pudesse contribuir para reduzir o aquecimento global do planeta e, de quebra, receber dinheiro por isso. Ele cuida de cerca de 750 suínos na granja do sogro, em Ipumirim, cidade com menos de sete mil habitantes encravada no Meio-Oeste catarinense, a 550 km de Florianópolis. Até março passado, Valdecir e sua família, como de costume, suportavam o cheiro ruim da criação e os insetos típicos dos chiqueiros. Mas a instalação de um biodigestor – tipo de tanque coberto que recebe os dejetos dos suínos e captura o gás metano gerado por sua fermentação – mudou muito as coisas por lá. “O odor e as moscas diminuíram”, comemora.
A propriedade rural é uma das 280 granjas independentes que criam animais para a Sadia e receberam a instalação de biodigestores nos últimos meses. Elas aderiram voluntariamente ao programa de suinocultura sustentável da empresa, que pretende instalar mais mil biodigestores até o final do ano e, no futuro, atingir todos os 3.500 produtores. O ganho ambiental é notável: o gás metano, ao ser capturado e queimado, transforma-se em gás carbônico, que é 21 vezes menos poluente. Com isso, a Sadia melhora a qualidade do ar e gera créditos de carbono, uma espécie de moeda ambiental internacional, criada em 1997 com o Procotolo de Kyoto. Parece estranho, mas é isso mesmo: a poluição “seqüestrada” pode virar dinheiro vivo.
Diversas empresas brasileiras estão aproveitando a atual onda verde para levantar recursos e recuperar investimentos em projetos ambientais. A Klabin, gigante florestal e industrial, percebeu o potencial do mercado de carbono e investe na substituição de combustíveis em suas unidades industriais. “Estamos reduzindo o consumo do óleo em nossa matriz energética”, diz José Oscival dos Santos, diretor da Klabin.
Os projetos da companhia poderão gerar o equivalente a um milhão de toneladas de carbono. No mais adiantado deles, a troca de óleo pesado por gás natural na Klabin Embalagens, em Piracicaba (SP), irá gerar 150 mil toneladas. Outra frente é o uso de resíduos florestais e industriais para produzir biomassa e usá-la como fonte de energia. As florestas de eucalipto da empresa também contribuem com o “seqüestro” do carbono e rendem créditos para negociação na Chicago Climate Exchange. São mais 700 mil toneladas de carbono, que irão render dólares um dia.
Pelo Protocolo de Kyoto, países desenvolvidos comprometeram-se a reduzir as emissões de gases geradores do efeito estufa, como o carbono e o metano. Esses gases são calculados e convertidos em toneladas equivalentes de carbono. Durante a primeira fase do acordo, de 2008 a 2012, quem não cumprir com suas metas de redução pode comprar o direito de poluir. Como? Adquirindo créditos gerados por projetos ambientais de empresas de países em desenvolvimento. Cada tonelada equivalente de carbono rende um crédito, que pode ser negociado. Hoje, na Europa, obtém-se de 10 a 20 euros por tonelada. Nos Estados Unidos, que não aderiram ao acordo, elas têm sido negociadas por até US$ 4,50.
Estima-se que o mercado de créditos de carbono irá movimentar pelo menos 30 bilhões de euros (cerca de R$ 90 bilhões) até 2007. Parte desse dinheiro já começa a chegar ao Brasil graças aos projetos ambientais de empresas como Sadia, Klabin, Camil e NovaGerar. Somente a Sadia irá receber até R$ 90 milhões pela venda de 2,7 milhões de toneladas equivalentes de carbono ao European Carbon Fund. O contrato foi fechado em maio passado. Os recursos excedentes aos custos do projeto, que contou com financiamento de R$ 60 milhões do BNDES, serão repassados aos produtores rurais. “O projeto reforça nossa política de desenvolvimento sustentável”, diz Meire Ferreira, coordenadora de sustentabilidade.
O país tem um potencial para captar cerca de 20% do mercado de poluição, estima o consultor Antonio Carlos Porto Araújo, da Trevisan Consult. “É possível trabalhar o conceito ambiental dentro da lógica empresarial de geração de grandes negócios”, afirma. Os euros do carbono estão chegando para projetos em várias regiões do País. O projeto NovaGerar, de tratamento de lixo em Nova Iguaçu (RJ), obteve em julho a primeira parcela dos 13,3 milhões de euros provenientes da venda de créditos de carbono ao governo da Holanda. “A venda do carbono dá um bom retorno, mas não deve ser vista como uma mina de ouro”, pondera a coordenadora do projeto, Adriana Felipeto. “É necessário que o projeto seja auto-sustentável.” No Rio Grande do Sul, a Camil recebeu, em julho, 1,5 milhão de euros. Em troca, vendeu à holandesa BioHeat International créditos de carbono obtidos com a instalação de uma usina termelétrica que utiliza casca de arroz para produzir energia.
Enquanto os negócios florescem ao redor do Protocolo de Kyoto, já se começa a discutir o que será da questão ambiental no mundo após 2012. Em vez de aceitar a redução obrigatória das emissões, alguns países não-signatários, como os Estados Unidos e o Japão, têm preferido estimular a geração de energia limpa. O governo Bush estimular as montadoras a adotarem novas tecnologias, como o álcool e o hidrogênio.
“O Brasil precisa ficar atento, pois foi o primeiro no mundo a usar o etanol e hoje corre o risco de ser suplantado nesse mercado pelos produtores americanos”, alerta Mário Garnero, presidente do Grupo Brasilinvest. Na década de 70, quando presidiu a Anfavea, Garnero foi um dos incentivadores da busca de combustíveis alternativos para o Brasil. Segundo ele, o País precisa aprofundar os estudos sobre a exploração sustentável da Amazônia. “Não podemos ignorar essa questão”, afirma. Para estimular a discussão, Garnero irá promover, em abril de 2007, em Nova York, o evento “Beyond 2012”. Já estão confirmadas a presença dos ex-presidentes George Bush e Bill Clinton. O debate deve pegar fogo – até porque os dois são aguerridos adversários quando o assunto é meio ambiente.
(Por Milton Gamez, Revista Istoé, 14/08/2006)
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