Bichos selvagens são cada vez mais vistos nas metrópoles
2006-08-15
Tradicionalmente, quem mora nas grandes metrópoles imagina que a selva
de pedra é o último ambiente do mundo para animais selvagens. A
maioria dos biólogos concordaria com isso. No entanto, há boas
evidências de que algumas espécies tipicamente encontradas nas
florestas também estão proliferando no meio do asfalto. Com a
diminuição do tamanho das florestas, alguns desses bichos passaram a
morar em parques ou praças. Não são apenas aves como os falcões, ou
espécies que passam por cima das ruas, pelas árvores, como
macacos-prego. Bichos de porte maior - capivaras e cachorros-do-mato,
por exemplo - estão vindo para a cidade. Em geral, eles não incomodam
os humanos que vivem nas cidades. Ao contrário, os encantam.
Os encontros com animais selvagens têm se tornado comuns,
principalmente nas proximidades de grandes áreas verdes urbanas. Os
registros do Projeto Pomar, da Secretaria Estadual de Meio Ambiente,
em São Paulo, comprovam o fenômeno. Nos últimos cinco anos, foram
plantadas árvores, inclusive frutíferas, ao longo das margens do Rio
Pinheiros, que corta a metrópole. A idéia inicial era recuperar a
paisagem ao longo dos 22 quilômetros do rio. Mas o efeito colateral
foi criar um corredor biológico para os animais que vêm de fora da
cidade. "No início do replantio havia 25 espécies de pássaros no rio.
Hoje, já são mais de 60", disse o biólogo do Projeto Pomar, Alexandre
Soares. Bandos de capivaras passaram a ser vistos com freqüência.
Algumas delas com filhotes, o que mostra que não são apenas animais
adultos em trânsito, mas famílias procriando no meio da metrópole.
O Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro também tem evidências da invasão
dos sem-floresta. Registra um aumento no número de chamadas para
resgatar animais selvagens nas residências dos cariocas. Só em junho,
foram 194 "salvamentos" de bichos, e apenas 94 de humanos. As
aparições de animais selvagens são mais comuns nas vizinhanças de
grandes áreas verdes urbanas. No mês passado, um tamanduá-mirim foi
encontrado por um morador no quintal de casa. Sua rua fica perto do
Parque Nacional da Floresta da Tijuca, um encrave verde que inclui o
Corcovado e fica no meio da cidade do Rio de Janeiro. O tamanduá fujão
foi encaminhado ao Zoológico de Niterói, que recebe com freqüência
animais feridos encontrados na região.
Os habitantes das cidades começam a colecionar flagrantes de vida
selvagem perto de casa. No ano passado, a jornalista Cora Rónai estava
no apartamento de um amigo, em Ipanema, quando de repente olhou pela
janela e viu um gavião pousado numa antena de transmissão. A foto foi
parar nas páginas do jornal O Globo. Em 2004, o geógrafo Daniel
Toffoli, do Ibama, se surpreendeu com um tucano numa árvore, a 4
metros da janela de seu apartamento, próximo à Lagoa Rodrigo de
Freitas. Com uma máquina fotográfica, registrou a presença da ave.
Uma das explicações oferecidas pelos biólogos para a chegada dos
sem-floresta é que não são exatamente os animais que invadem o espaço
urbano, mas o contrário. As periferias das cidades crescem rapidamente
por cima dos remanescentes florestais que cercam as metrópoles.
"A expansão desordenada causa um processo drástico de fragmentação de
áreas naturais. Algumas espécies desaparecem e outras se adaptam",
afirma Ugo Eichler Vercillo, o coordenador de Manejo de Fauna na
Natureza do Ibama, em Brasília.
A presença crescente dos bichos também pode ter relação com o uso de
agrotóxicos e fertilizantes na agricultura. O que antes era o hábitat
dos animais virou um local perigoso para sua saúde. "O grande despejo
de substâncias tóxicas não acontece na cidade, mas lá fora, no campo",
diz Jhon Hadidian, chefe do Programa de Vida Selvagem Urbana na
Sociedade Humana em Washington, nos Estados Unidos. Estima-se que a
química usada na agricultura cause mais de 80% das mortes não naturais
das espécies. Já a poluição das cidades e das indústrias responderia
por apenas 15% dos casos. Se o campo se tornou hostil, as cidades
podem até ter ficado mais hospitaleiras. Nas regiões urbanas, os
animais também conseguem encontrar comida fácil e farta, além de
contar com um número reduzido de predadores naturais. Para os biólogos,
o fenômeno acontece porque as cidades estão ficando mais limpas e os
subúrbios mais verdes.
A nova fauna urbana é uma tendência global. "Você pode pegar qualquer
grande cidade e achar mais espécies e mais habitats diversificados que
em alguns parques nacionais ou áreas de conservação", afirma o
ornitólogo Josef Reichholf, da Universidade Técnica de Munique. O caso
mais bem estudado é o de Berlim, na Alemanha, que abriga dois terços
das 280 espécies de pássaros existentes no país, incluindo os falcões
peregrinos, que desapareceram de algumas paragens rurais. Árvores de
bairros afastados, por exemplo, atraem dez vezes mais borboletas que
uma fazenda.
Em Londres, os coiotes se especializaram em revirar latas de lixo à
procura de comida, disputando espaço com os cachorros e gatos. Nos
Estados Unidos, os guaxinins se adaptaram tanto com a região que eles
são maiores e mais gordos que os exemplares selvagens. Na cidade de
Churchill, no Canadá, as crianças não podem sair de casa sozinhas no
outono, para evitar o encontro com ursos-polares, que reviram
depósitos de lixo. Eles saem à procura de comida por causa da escassez
de sua principal presa, a foca. Nesse ritmo, a próxima área
prioritária para conservação da natureza pode estar em seu quintal.
(Por Paula Protazio, Época, 14/08/2006)
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG75047-6014-430,00.html