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2006-08-14
Um curtume localizado em Monte Aprazível - a 475 km a noroeste da capital paulista - está sob investigação do Ministério Público por descartar resíduos sólidos em local inapropriado. Ex-funcionários denunciaram que a empresa enterra produtos tóxicos, que sobram da lavagem do couro, em uma plantação de eucalipto dentro do terreno. O correto seria destinar o resíduo para aterros industriais.

No dia 31 de julho, eles mostraram aos técnicos da Cetesb e ao promotor de Meio Ambiente André Luiz Nogueira da Cunha a localização exata dos aterros clandestinos. “Ainda não podemos afirmar que material é este, se é tóxico ou não. Parece uma espécie de lodo, com raspas de couro. Existe a possibilidade de existir o metal cromo, utilizado no processo de curtimento”, diz Luiz Roberto Neme, gerente da Agência Ambiental da Cetesb de São José do Rio Preto.

Confirmado, o caso do curtume Monte Aprazível será mais um na relação de áreas contaminadas do Estado de São Paulo, que teve atualização divulgada em 8 de agosto pela Cetesb. Até maio deste ano, a companhia identificou 1.664 áreas poluídas, contra 1.596 no ano passado. Somente na capital são 500. “É a região mais industrializada”, explica Alfredo Carlos Cardoso Rocca, gerente da Divisão de Áreas Contaminadas da Cetesb. Outros locais com grande concentração de áreas afetadas são a região metropolitana de São Paulo, Baixada Santista, Campinas, Sorocaba e Vale do Paraíba.

Poluidor conhecido

De acordo com a Associação Mineira de Defesa do Ambiente, o setor de curtumes produz grande quantidade de resíduos sólidos, como serragem de rebaixadeira, pó de lixadeira, lodo seco das estações de tratamento de efluentes líquidos, aparas de couro, sal do batimento das peles e carniça originada no descarne. Em contato com o solo, o metal cromo (utilizado para curtir o couro) pode ser absorvido por plantas, que posteriormente servirão de alimento ao homem ou aos animais. Segundo estudos da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a inalação de compostos de cromo pode danificar e irritar o nariz, garganta, pulmões, estômago e intestino. A exposição ao metal pode provocar mal-estar estomacal, úlceras, convulsões e danos aos rins e fígado. Na forma de poeira, o elemento químico pode ainda ter efeitos adversos sobre o sistema respiratório e imunológico, além de causar câncer. Os ex-funcionários responsáveis pela denúncia moveram uma ação trabalhista contra o curtume por exposição a materiais tóxicos, já que eram responsáveis por aterrar os resíduos.

O histórico de degradação ambiental do curtume Monte Aprazível é antigo. Há cerca de seis anos, os moradores da cidade solicitaram ao Ministério Público providências em relação ao mau-cheiro supostamente provocado pela empresa. Foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta, mas como o acordo não foi cumprido, em 2001 a promotoria ajuizou uma Ação Civil Pública para interditar o local. A então juíza optou por não fechar a empresa e deu um prazo de seis meses para que fossem realizadas as adequações necessárias. Um acordo judicial foi firmado entre Ministério Público, Cetesb e curtume.

No ano passado, a empresa sofreu mais uma denúncia. Desta vez, por contaminação das águas superficiais. O lançamento de efluentes líquidos não tratados no rio Água Limpa provocou baixa de oxigênio e causou a morte de peixes. A empresa foi multada. O proprietário do curtume, Alfeu Mozaquatro, foi procurado pela reportagem de O Eco, mas não atendeu nenhuma das quatro ligações feitas para o seu celular.

Monitoramento

A Cetesb começou a monitorar áreas contaminadas no Estado em 2002, quando contabilizou 255 casos. Segundo o gerente Alfredo Rocca, o aumento constante do número de áreas se deve à ação rotineira de fiscalização. Os casos também chegam à companhia por meio de avisos dos próprios poluidores. “É menos freqüente, mas também acontece.” Identificar as áreas, diz Rocca, não é um processo barato, já que a contaminação ocorre no subsolo. “Não é tão fácil como observar uma chaminé”, compara.

Depois de localizadas, as áreas devem passar por um processo de remediação, que fica sob a responsabilidade do poluidor. “Antes, porém, trabalhamos para resguardar a vida da população que está ao redor. Se a contaminação for de água, impedimos que as pessoas a bebam. Se houver poluição por gases, fazemos ventilação do local, monitoramento do ar e sucção do poluente”, conta. De acordo com dados do programa Vigisolo , realizado pelo Ministério da Saúde e que tem como objetivo mapear as áreas cujas populações estão expostas a solos contaminados, existem hoje em São Paulo 470.950 pessoas em locais de risco.

Quem paga a conta?

Não existe legislação específica para a contaminação de solos e águas subterrâneas. Para penalizar os poluidores, a Cetesb se baseia na lei 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Segundo ela, “o poluidor é obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.” O texto diz ainda que “o Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.”

Ainda no âmbito nacional, está sendo estudada uma resolução do Conama para tratar somente desse assunto. Um projeto de lei estadual (PL 368/2005) que visa estabelecer diretrizes em relação à contaminação de áreas também tramita na Assembléia Legislativa de São Paulo. “Com os poucos instrumentos que temos hoje, é muito fácil que o poluidor questione suas responsabilidades, o que atrasa o processo de remediação. A aprovação do PL vai contribuir bastante”, destaca Rocca.

Segundo o levantamento da Cetesb, das 1.664 áreas contaminadas no Estado, apenas 32 (o equivalente a 2%) foram completamente remediadas. Restam ainda 622 áreas (37%) em processo de remediação, 151 identificadas já com propostas de recuperação e 859 sem nenhuma promessa de reabilitação. A Câmara de Vereadores de São Paulo instaurou em março deste ano uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os casos de contaminação que ocorrem no Estado.

“Inicialmente, a CPI foi aberta para descobrir por que São Paulo é a décima cidade mais barulhenta do mundo. Agora, estamos apurando também casos de poluição de solos e águas”, explica José Ignácio de Almeida, assessor-técnico da CPI da Poluição.

Ranking

Segundo o levantamento da Cetesb, os principais responsáveis por poluir solos e águas subterrâneas no estado são os postos de combustíveis. O setor lidera o ranking com folga, sendo responsável por 1.221 áreas contaminadas (o equivalente a 73% do total). O setor industrial está em segundo lugar com 259 locais identificados (16%), seguido do comercial, com 100 áreas (6%). O restante se divide entre instalações para destinação de resíduos (4%) e casos de acidentes e fonte de contaminação de origem desconhecida (1%).

De acordo com o Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Estado de São Paulo (Sincopetro), a liderança do setor se deve à resolução Conama 273/2000, que estabelece o licenciamento e a adequação dos postos de combustível até 2007. “Se os outros setores potencialmente poluidores tivessem de cumprir essa agenda, provavelmente o ranking teria dimensões diferentes”, defende Sandra Huertas, consultora de Meio Ambiente que presta serviços para o Sincopetro.

Na tentativa de diminuir os impactos ambientais, ela assegura que os estabelecimentos estão se ajustando às normas determinadas pela resolução. Uma das exigências, por exemplo, é a troca dos tanques antigos por outros de paredes duplas, que dificultam o vazamento de combustíveis em caso de corrosão. “Os investimentos na regulamentação contribuem para o ganho ambiental, até mesmo de maneira preventiva.” A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) foi procurada para falar sobre eventuais medidas que seus associados tenham tomado para evitar a contaminação dos solos e águas, mas não retornou a ligação. Já a Associação Comercial de São Paulo disse, por meio da assessoria de imprensa, que não tem nenhum projeto neste sentido e que cada associado fica responsável por suas ações.
(Por Aline Ribeiro, O Eco, 12/08/2006)

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