Na décima operação da Polícia Federal em conjunto com o Ministério do Meio
Ambiente (MMA) nestes últimos três anos, a história não foi diferente:
Autorizações de Transporte de Produtos Florestais (ATPFs) falsificadas foram
o instrumento do crime. Os autores também se repetem, servidores públicos,
em sua maioria quadros do Ibama. Na última quarta-feira, 14 funcionários do
órgão, dois ex-empregados terceirizados e um procurador federal que prestou
serviços para o Ibama foram presos.A novidade da operação deflagrada foi a
ramificação da máfia, que a partir do estado do Amapá fornecia guias falsas
para o transporte de madeiras retiradas ilegalmente de florestas em Santa
Catarina e no Pará.
Também chamou atenção o prejuízo que os criminosos causaram ao patrimônio
público: 905 mil metros cúbicos de madeira foram “lavados”, o suficiente
para encher a carreta de 60 mil caminhões. Tanto que a operação foi batizada
de Isaías, em referência à passagem bíblica em que o profeta afirma que
“restarão tão poucas árvores que um menino poderá contá-las.
(Isaías:10:19)”.
As investigações para desbaratar a quadrilha começaram quando o gerente do
Ibama do Amapá comunicou à sede em Brasília, em outubro do ano passado, o
roubo de um lote de 200 ATPFs . O órgão federal abriu sindicâncias internas
e a conclusão do relatório em maio deste ano apontou para um esquema grande
o suficiente para que a ajuda da Polícia Federal fosse solicitada.
Servidores do Ibama do Amapá, com a cobertura do Procurador Geral da
República, Joaquim Gomes de Oliveira, forneciam ATPFs falsificadas para
esquentar madeiras no Pará e Santa Catarina. Diferentemente da operação Ouro
Verde, em que cópias falsas da autorização eram impressas com perfeição, na
Isaías os criminosos trabalhavam principalmente com documentos roubados ou
adulterados. Neste último caso, o Ibama do Amapá emitia ATPFs para planos de
manejo inexistentes e depois modificava a guia para enviá-las aos outros
estados. Ao todo foram descobertas 25 madereiras fantasma.
Esta capilaridade da organização criminosa no Amapá levou à prisão não
apenas de 9% do efetivo do Ibama no estado, como também de dois policiais
civis, um policial militar, seis representantes de madereiras e 23
comerciantes do setor. O impacto da operação não foi tão grande na ponta, ou
seja, nos locais onde as toras eram extraídas ou interceptadas. Em Santa
Catarina, Pará e São Paulo, apenas cinco comerciantes foram presos. As
investigações, informou o presidente substituto do Ibama, Valmir Ortega,
continuam na tentativa de encontrar outros comerciantes ou madereiras que
faziam o escambo de ATPFs com o Amapá.
Como os criminosos negociavam documentos verdadeiros roubados ou
adulterados, o valor pago pelos madereiros ilegais atingiu preços entre mil
a 5 mil reais, extremamente altos para o mercado paralelo. Isso quer dizer
que o lucro gordo advinha não só da madeira, mas também do próprio comércio
dos documentos florestais. Calcula-se que o esquema tenha movimentado mais
de 5 milhões de reais só com a venda de ATPFs e 53 milhões de reais com a
venda da madeira ilegal por empresas fantasmas ou desativadas. “É uma
organização com todas as características de máfia, com envolvimento de
vários níveis da sociedade em torno de um lucro bastante alto”, pondera o
delegado da Divisão de Combate a Crimes ao Meio Ambiente da Polícia Federal,
Jorge Pontes.
O velório das ATPF´s
Para a ministra Marina Silva, o valor alcançado pelas ATPFs neste esquema
criminoso seria a prova de que as 10 operações realizadas com a Polícia
Federal estariam fechando o cerco sobre as fraudes. “O problema existe há
muitas décadas, mas nós estamos acabando com a matéria-prima do crime”,
disse ela. A Operação Isaías pode ser vista como a prova mais concreta da
falência total das ATPFs. Desde janeiro o governo federal promete a
substituição do modelo pelo Documento de Origem Florestal (DOF). A
implementação já foi sete vezes postergada, mas o diretor de Florestas do
Ibama, Antônio Carlos Hummel, e a própria ministra, garantiram que do dia 1
de setembro não passa. Segundo ele, a instrução normativa que institui o DOF
será publicada na próxima semana. Até o início do funcionamento, o Amapá não
terá mais nenhuma emissão de ATPF liberada e todos os planos de manejo no
estado estão sendo revisados.
A principal brecha da ATPF que permitiu o crime detectado nesta operação é a
impossibilidade da fiscalização em comprovar imediatamente os dados que são
apresentados pelo transportador da madeira ilegal. A checagem dos dados só
ocorre três meses depois, quando a via apresentada à fiscalização retorna ao
Ibama que emitiu a ATPF. Mas como nesse caso, o orgão emissor era a gerência
do Amapá, a fraude passava em branco. Nas 10 operações realizadas nestes
últimos anos, 271 pessoas foram presas, sendo 78 servidores públicos.
Ortega, do Ibama, orgulha-se em dizer que em nenhum destes casos novos
servidores concursados foram pegos participando do esquema de corrupção. A
faxina efetiva e duradoura do órgão, no entanto dependerá, da implementação
do DOF o mais rápido possível. Que não passe do 1º de setembro.
(Por Gustavo Faleiros,
OEco , 09/08/2006)