Dias de guerra geram anos de contaminação no Líbano, segundo cientistas
2006-08-11
Cientistas asseguram que a enorme quantidade de lixo tóxico liberado pelo bombardeio israelense sobre o Líbano continuarão afetando a vida humana e o meio ambiente muito depois do fim dos combates. “A destruição é tão grande que a recuperação pode demorar uma década”, disse à IPS Zia Mian, pesquisador do Programa de Ciência e Segurança Global da Universidade de Princeton. Os projéteis continuam destruindo casas, parques, estradas, pontes, florestas, hospitais e centrais elétricas. “As conseqüências da destruição ambiental serão sentidas durante muito tempo, especialmente o problema dos explosivos e munições não detonadas”, acrescentou Mian.
Nos últimos dias, funcionários da Organização das Nações Unidas e organizações ambientalistas do Líbano fizeram observações semelhantes, entre chamados para uma avaliação do prejuízo causado pelo bombardeio e suas conseqüências sobre a saúde humana e os meios de vida. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) expressou sua séria preocupação pelo derramamento de petróleo que contaminou 140 quilômetros da linha costeira libanesa e que agora se estendeu ao norte, para águas sírias, sem possibilidade de uma operação de limpeza à vista.
Embora consciente da “complexidade e das implicações políticas”, o diretor-executivo do Pnuma, Achim Steiner, advertiu que o pior cenário – se o petróleo chegar ao Mar Mediterrâneo – o vazamento libanês poderá muito bem “rivalizar” com o desastre protagonizado pelo navio Exxon Valdez no Alasca em 1989. Nesse incidente, um petroleiro bateu no arrecife Bligh, em Prince William Sound, no Estado norte-americano do Alasca, derramando entre 41 milhões e 113 milhões de galões de óleo. O acidente custou a vida de dezenas de milhares de aves, peixes e mamíferos marinhos.
Há cerca de três semanas, quando aviões de guerra israelenses atacaram a central elétrica da localidade costeira de El Jiye, 30 quilômetros ao sul de Beirute, houve um grave vazamento de petróleo. Desde então, o governo libanês fez vários apelos a operações de limpeza, mas os contínuos bombardeios de Israel tornaram impossível a intervenção do Pnuma. “Muitos estão consternados porque, com mais de três semanas desde o começo desta crise, não foi feita uma avaliação no lugar para apoiar o governo libanês. Tampouco foram tomadas medidas de limpeza, e foram poucas as implementadas para conter a propagação” do vazamento, disse Steiner.
“Estamos tratando com um incidente muito sério”, disse o representante do Pnuma, acrescentando que é praticamente impossível tomar qualquer medida enquanto continuarem os combates. Steiner pediu aumento da cooperação entre os atores internacionais e os governos da bacia do Mediterrâneo, em conjunto com o Pnuma, a Organização Marítima Internacional e a Comissão Européia nas tarefas de limpeza. Na segunda-feira, o Pnuma enviou um biólogo marinho à Síria para avaliar o dano causado pelo vazamento de petróleo. Muitos temem que isso tenha afetado espécies marinhas tais como a tartaruga marinha e o atum de nadadeira azul.
Os cientistas dizem que essa área é um celeiro destas espécies no Mediterrâneo oriental. Após sua temporada de reprodução, entre maio e julho, nesta época do ano as ovas e os alevinos (peixes recém-nascidos) de atum flutuam na superfície, e já podem ter sofrido as conseqüências do vazamento. Segundo Ezio Amato, assessor do Pnuma, o vazamento “representa, em definitivo, uma ameaça à biodiversidade”. O próprio Amato viajou à Síria a pedido de seu governo, onde é grande a preocupação pelas conseqüências do vazamento e por seu impacto nos meios de vida das comunidades costeiras e das espécies marinhas.
O esforço de avaliação tem apoio da Convenção de Barcelona, tratado regional aprovado em 1976 para impedir e eliminar a contaminação do Mar Mediterrâneo e potenciar o entorno costeiro e marinho da região para um desenvolvimento sustentável. Com parte de esforços globais para promover o desenvolvimento sustentável, tanto Israel quanto o Líbano assinaram um tratado internacional que requer dos governos medidas urgentes para reduzir a ameaça de uma perda maior de biodiversidade na Terra até 2010.
Em várias ocasiões, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e outros funcionários, enfatizaram a necessidade de um tratado internacional proibindo a degradação ambiental como arma de guerra, mas até agora não foram atendidos. Alguns especialistas estimam que o vazamento causado pelo bombardeio israelense contra a central elétrica libanesa pode estar em torno das 45 mil toneladas. No caso do Exxon Valdez foi pouco menos de 40 mil toneladas. Sem um final iminente do bombardeio à vista, ativistas ambientais no Líbano dizem temer uma destruição maior do habitat e dos recursos naturais de seu país, que é conhecido por seus exuberantes e verdes vales e por sua rica biodiversidade.
“A escalada de ataques israelenses não matou apenas civis e destruiu sua infra-estrutura”, disse Nina Jamal, presidente da Green Line, uma organização com sede no Líbano. “Também está aniquilando seu meio ambiente. As belas e brancas areias das praias libanesas estão cobertas por uma camada negra, e o cheiro do combustível pode ser sentido a grande distância”, acrescentou. Desde que começou a guerra, há um mês, cerca de mil pessoas morreram, três ficaram feridas e 900 mil tiveram de abandonar suas casas.
(Por Haider Rizvi, Envolverde, 10/08/2006)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=20953&edt=1