Em se tratando de mudanças climáticas, processo que os estudos científicos não colocam mais em dúvida, o descompasso entre os interesses do planeta e os individuais, de cada uma das nações, é gigantesco. Prova disso é o fato de os Estados Unidos e a Austrália, por exemplo, ainda nem terem aderido ao Protocolo de Kyoto.
Além do desafio político existente no cenário internacional, as prioridades de cada um dos países, seja ele desenvolvido ou não, também são bastante díspares. A conseqüência mais imediata dessas relações conflituosas é a dificuldade de que metas genéricas, iguais para todos, sejam cumpridas. O texto de Kyoto prevê, por exemplo, que os países ricos reduzam suas emissões, até 2012, para 5% menos do que era emitido pelas partes em 1990.
"É por isso que precisamos de medidas flexíveis. Adequada às particularidades de cada um", conclui Farhana Yamin, pesquisadora do Institute for Development Studies (IDS), localizado na Inglaterra, e diretora do Projeto Basic. Essa ação, financiada pela União Européia, visa a fortalecer a capacitação institucional de Brasil, África do Sul, China e Índia para a produção de análises que determinem quais ações sobre as mudanças do clima são mais adequadas aos interesses dos quatro países.
Segundo Farhana, que esteve em São Paulo para a realização do Workshop Brasileiro da Primeira Fase do Projeto Basic, esses quatro países foram escolhidos pelos dirigentes do programa europeu por causa das capacidades intelectuais que reúnem. Pelo Brasil, participaram das discussões Luiz Gylvan Meira Filho, do Instituto de Estudos Avançados, José Goldemberg, secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, e Jacques Marcovitch, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo.
O resultado prático da reunião foi a redação do documento A proposta de São Paulo para um acordo sobre a política climática internacional futura. O texto, que será apresentado de maneira formal na próxima Conferência das Partes sobre o Clima, em novembro, na cidade de Nairóbi, Quênia, defende novas metas para os países desenvolvidos dentro do Protocolo de Kyoto. Essas normas seriam válidas para o período de 2013 a 2018.
Segundo os pesquisadores e tomadores de decisão reunidos na USP, cada parte do chamado Anexo I (países ricos que aderiram ao Protocolo) deveria assumir compromissos anuais, a partir de uma combinação de três critérios: limites absolutos de emissões, limite de intensidade (toneladas de carbono lançadas na atmosfera por unidade do PIB) e financiamentos novos e adicionais destinados para a inovação tecnológica e adaptação aos novos cenários.
"Uma das novas medidas, por exemplo, seria a criação de um fundo para o desenvolvimento e a implantação de tecnologia limpa. Os recursos nesse caso seriam arrecadados dos países ricos, por meio dos mecanismos já previstos em Kyoto", explica Farhana. A pesquisadora também defende a criação de multas para os países que não cumprirem essas novas metas futuras. Ou seja, no ano seguinte, a meta preestabelecida seria aumentada de forma compulsória.
Cultura pouco consolidada
Apesar de o evento paulistano ter se voltado para o futuro - e de os países que não estão no Anexo I, como é o caso do Brasil, mostrarem ações positivas, a favor de uma atmosfera menos carregada, mas sem se comprometer com metas efetivas -, os desafios do presente ainda são quase intransponíveis.
"A cultura de que as mudanças climáticas são realmente um problema está crescendo de forma paulatina", disse a diretora do Projeto Basic. "A questão, em muitos lugares, ainda está muito técnica. É preciso que a percepção sobre as mudanças climáticas, e suas conseqüências globais, se espalhe para a sociedade como um todo e, principalmente, para os tomadores de decisão", afirma Farhana.
Na Inglaterra, segundo a pesquisadora, por causa da ação da mídia, que tem feito campanhas importantes para alertar sobre os riscos das mudanças climáticas globais, a situação pode ser considerada melhor. "É tudo um balanço entre diversos atores. Mas, muitas vezes, mesmo as empresas acabam usando a mídia a favor deles", explica.
(Por Eduardo Geraque,
Agência Fapesp, 10/08/2006)