Todo fim de mês, os 23 funcionários da filial brasileira da Interface - uma das maiores fabricantes de carpetes do mundo - anotam minuciosamente os quilômetros rodados de carro e as viagens de avião que fizeram a negócios nos últimos 30 dias. Com base nesses dados, a empresa calcula o equivalente de dióxido de carbônico (CO2) que joga na atmosfera e o converte em plantio de árvores, compensando a poluição que ela mesma gera. Resultado: a Interface salda a sua dívida com a natureza.
Simples? Mas é esse o raciocínio por trás do movimento que tem atraído centenas de empresas e celebridades internacionais - ainda que sob críticas - e que agora chega ao Brasil. A nova bandeira ambientalista atende pelo nome de "neutralização". E os ganhos se traduzem em marketing e vantagem competitiva, em um mundo em que o consumidor está mais atento aos problemas ambientais.
Ao andar de carro, tomar um avião ou consumir energia, por exemplo, empresas e indivíduos produzem o CO2, um dos seis gases que provocam o efeito estufa. Ser "neutro em carbono", portanto, significa compensar a participação humana no aquecimento do planeta por meio do plantio de árvores (que absorvem o CO2 na fotossíntese) ou, em menor escala, em projetos de energia limpa. Grosso modo, cada tonelada de carbono equivale a cinco árvores.
No Brasil, a Interface foi uma das primeiras a colocar em prática a idéia, seguindo a orientação da matriz americana. Desde 2002, quando iniciou o projeto "Trees for Travel", que obriga os funcionários a medir as viagens que fazem, a empresa já plantou 6,5 mil árvores às margens do rio Tietê, na região de Piracicaba (SP). O programa, desenvolvido com a SOS Mata Atlântica e auditado pela PricewaterhouseCoopers, prevê o plantio de até 25 mil mudas na região.
Além disso, a filial brasileira desenvolveu em 2004 um projeto independente da matriz, o "Carpet Free", que reverte a compra de cada 25 m² de carpetes em uma árvore, plantadas em áreas de manancial.
O gasto anual de R$ 200 mil para aplicar os dois projetos não chega a pesar para um faturamento de R$ 20 milhões previsto para 2006. "Não vemos isso como gastar dinheiro, mas como investimentos no meio ambiente", afirma o gerente de marketing Luciano Bonini, repetindo o mantra já comum nos círculos empresariais. "Esse projeto faz parte da filosofia da empresa".
Na área de eventos, a novidade foi trazida pela banda carioca Rappa, que em junho neutralizou um show para seis mil pessoas em São Paulo. O trabalho foi desenvolvido pela CarbonoNeutro®, divisão da consultoria MaxAmbiental, que fez o cálculo da emissão de CO2 a partir de dados como a viagem aérea para São Paulo dos 17 integrantes do grupo, o transporte utilizado pelo público em um raio de 30 quilômetros e o consumo de energia e de lixo gerados pelo evento. Isso tudo representou 7,63 toneladas de carbono equivalente e correspondeu ao plantio de 38 árvores, na região de Resende (RJ).
"É mais uma atitude que uma solução para o meio ambiente. Só que mostra o quanto as pequenas ações contribuem para o todo", diz Eduardo Petit, da MaxAmbiental.
Mas os projetos avançam a um ritmo rápido, na esteira dos debates sobre aquecimento global que tomam as discussões públicas e acadêmicas. Como é um mercado voluntário - reduz o CO2quem quer, sem qualquer obrigatoriedade governamental -, o número de empresas envolvidas é incerto. Fontes do próprio setor, porém, acreditam que não passam de dez os executores dos projetos hoje no país. Mas o número de interessados cresceu significativamente.
A Natura, de cosméticos, e o escritório Pinheiro Neto Advogados são dois exemplos. Uma grande gráfica paulista, que preferiu ainda não ter seu nome divulgado, também está concluindo o projeto para sua linha total de produção.
A iniciativa tem atraído adeptos devido à praticidade do negócio - zerar a conta de emissões de CO2 dispensa mudanças drásticas na cultura organizacional ou na infra-estrutura. Mais que isso: os executivos começaram a enxergar que a neutralização pode ser uma importante ferramenta de marketing empresarial, o que, por sua vez, agrega valor à marca e ao produto.
"Incluir no balanço da empresa a baixa intensidade de emissões de CO2 atribuirá pontos adicionais, por exemplo na hora de disputar licitação pública", diz Giovanni Barontini, sócio da Fábrica Ethica, que presta consultoria à Natura. "É um investimento institucional que não tem preço", concorda Werner Grau Neto, sócio do Pinheiro Neto.
O tempo de elaboração e os custos variam de projeto para projeto, dependendo de quanto se quer neutralizar e por quanto tempo. O primeiro passo é a elaboração de um inventário, isto é, o mapeamento da rotina da empresa sobretudo em termos de uso de combustível e energia. O cliente decide se quer neutralizar apenas as emissões diretas (feitas pela empresa) ou incluir as indiretas (terceirizados). A partir daí, a consultoria usa metodologias diferenciadas para calcular as emissões e suas compensações: a prática mais difundida aqui é a do plantio de árvores, mas é possível também investir em programas de energia limpa. Os projetos são auditados por uma consultoria independente.
"Na Europa esse mercado já funciona bem. Eles conseguiram montar uma estrutura de alívio de culpa", diz Francisco Maciel, sócio da empresa The Green Initiative e responsável pelo desenvolvimento do projeto de neutralização do Pinheiro Neto. "Aqui, há muitas áreas onde a demanda é reprimida, mas isso deve mudar". O Pinheiro Neto será a primeira empresa de prestação de serviços no Brasil a adotar a prática. O projeto terá duração inicial de cinco anos e deverá envolver cerca de 40 hectares para o plantio de mudas em áreas ciliares.
Em 2005, o escritório investiu cerca de R$ 400 mil em programas socioambientais. Segundo Grau Neto, o investimento neste caso não está definido porque depende da definição de algumas variáveis, como o montante de CO2 a ser convertido e o tipo de muda usada.
Já a Natura finaliza a primeira parte de um ambicioso projeto, que prevê neutralizar não apenas a sua produção, mas a cadeia completa de negócios. "Queremos ser neutro em carbono ainda este ano", afirma Marcos Egídio Martins, diretor de sustentabilidade.
(Por Bettina Barros,
Valor Econômico, 09/08/2006)