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2006-08-09
É provável que nenhum outro órgão subordinado ao governo federal tenha nascido com tanta vocação para a polêmica e a discórdia como a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Criada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 1995, no auge da onda neoliberal, a Comissão foi em seus primeiros anos um reduto dos setores industriais e científicos entusiasmados com as novidades surgidas no campo da manipulação genética e da biotecnologia. Marcada por sua posição favorável à liberação dos transgênicos, a CTNBio teve seus trabalhos interrompidos durante alguns anos para ressurgir no final de 2005, remodelada pela Lei de Biossegurança, no governo Lula.

Com sua composição ampliada de 18 para 27 membros, a nova CTNBio surgiu sob o signo do embate entre setores favoráveis e contrários à liberação facilitada dos transgênicos. A lentidão dos trabalhos da Comissão, no entanto, transformou o que seria uma disputa política legítima num grande impasse. Nas quatro reuniões realizadas até hoje, os conselheiros vêm encontrando alguma dificuldade em limpar uma pauta carregada por 536 itens (vindos, na maioria, da antiga CTNBio) à espera de sua análise. O motivo da demora em analisar alguns processos importantes - como, por exemplo, a liberação comercial do milho transgênico -, foi a metodologia de trabalho até aqui adotada pela Comissão. Ainda assim, alguns setores da sociedade favoráveis aos transgênicos começaram a atribuir a lentidão na aprovação dos processos a um trabalho de sabotagem levado a cabo pelos setores contrários à liberação facilitada.

Tanto ruído acabou chegando aos ouvidos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele então determinou aos onze ministros que compõem o Conselho Nacional de Biossegurança que se reunissem para encontrar formas de agilizar o andamento dos trabalhos na CTNBio. O anúncio da reunião deu margem a diversas especulações e notícias plantadas em alguns respeitáveis jornais. Falou-se em alteração da exigência do quorum mínimo de dois terços para aprovar as questões polêmicas, falou-se em transferir a CTNBio da alçada do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) para o gabinete da Presidência da República e falou-se até mesmo em afastamento sumário dos representantes dos ministérios do Meio Ambiente (MMA) e do Desenvolvimento Agrário (MDA), menos simpáticos aos transgênicos.

Quando, no dia 3 de agosto, a reunião ministerial finalmente aconteceu, a “caça às bruxas” contra os setores contrários aos transgênicos não se confirmou na prática.

A discussão, coordenada pelo ministro Sérgio Rezende (MCT), apontou a metodologia de trabalho e as deficiências estruturais da CTNBio como principais responsáveis pela lentidão na análise dos processos: “Várias interpretações erradas [sobre os motivos da demora em limpar a pauta da CTNBio] vieram abaixo. A partir do informe inicial dado pelo ministro Rezende, ficou claro que a nova CTNBio não está parada, pois já analisou e encaminhou 180 processos. Ainda assim, ficou claro também que alguns processos importantes, notadamente sobre liberação comercial, não foram analisados. Procuramos, então, ver quais eram as limitações que, agora identificadas, poderão ser corrigidas”, conta o secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, João Paulo Capobianco, que participou da reunião.

Uma lista com sugestões para dinamizar o funcionamento da nova CTNBio foi elaborada pelos ministros e encaminhada a Lula. Entre as mudanças propostas está a criação de uma estrutura de suporte ao trabalho dos membros da Comissão, que não são remunerados nem possuem assessores para auxiliá-los na análise dos processos. Para Capobianco, a “estrutura em torno da CTNBio” precisa ser melhorada: “Todos os conselheiros são doutores, e a maioria não trabalha para o governo. Todos têm vida profissional intensa e atribulada, e a capacidade de analisar os processos acaba ficando limitada, pois não existe uma equipe para apoiar. O trabalho desses conselheiros, na verdade, é serviço prestado à sociedade”, diz.

Caberá ao MCT definir quais elementos irão compor esse suporte aos membros da CTNBio, mas é provável que os conselheiros venham a ter direito a auxílio técnico, bolsa em dinheiro e contratação de assessores.

Outra importante sugestão de mudança diz respeito à metodologia de trabalho utilizada na CTNBio que, segundo a análise feita pelos ministros, contribui para que importantes processos aguardem tanto tempo na fila. Capobianco explica: “O modelo que foi adotado nas quatro reuniões da nova CTNBio é bem diferente daquele utilizado em outros órgãos semelhantes, como o Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente), por exemplo. Nesses órgãos, os processos são divididos em blocos, e cada reunião, de acordo com a necessidade, analisa itens de cada um dos blocos, não deixando nenhum deles para trás. Na CTNBio, decidiram esgotar todo um bloco primeiro para só então se debruçar sobre outro. Isso fez com que, até agora, a grande maioria dos processos analisados diga respeito a aprimoramentos normativos e nenhum deles seja sobre liberação comercial”.

Os ministros sugerem que a CTNBio passe a utilizar a mesma metodologia do Conama. Para isso, foi sugerido que os processos se dividam em três blocos: a) aprimoramentos normativos e questões legais; b) liberação de pesquisas e autorização de uso no meio ambiente; c) liberação comercial. Capobianco defende a mudança: “Essa proposta é importante porque permite que você trate os processos procurando respeitar ao máximo a ordem de entrada. Isso, aparentemente, é óbvio, mas não vinha sendo tratado dessa forma na CTNBio”, diz.

Previsão falhou
O fato de nenhum membro da CTNBio ter sido afastado a mando do presidente Lula pode ter frustrado setores da sociedade que defendem mudanças mais radicais para que a Comissão possa tratar mais facilmente os pedidos de liberação comercial dos transgênicos. Nos dias que antecederam a reunião ministerial, notas publicadas nos sites de algumas empresas ou associações ligadas à biotecnologia e até mesmo alguns grandes jornais davam como certo que cabeças iriam rolar. Os boatos aumentaram devido aos desligamentos voluntários de alguns cientistas dos setor pró-transgênicos que ocorreram nas últimas semanas. Pediram afastamento o geneticista Horácio Schneider, o botânico José Antonio Peters, a médica Ada Ávila Assunção e o promotor Vidal Serrano Nunes Junior. No setor contrário aos transgênicos, o agrônomo Francisco Caporal, representante do MDA na Comissão, também anunciou afastamento.

Em editorial, o jornal O Estado de SP foi claro: “Com enorme atraso, sacudido por numerosos alertas, o Planalto parece ter enfim despertado para os efeitos da bem-sucedida guerrilha administrativa movida pelos intratáveis opositores dos transgênicos e do agronegócio em geral, com assento na CTNBio. (...) O trabalho de sapa dos partidários menos ou mais ostensivos do medieval movimento Por um Brasil Livre de Transgênicos _ em especial os representantes dos Ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário, e ainda do Ministério Público Federal _ consiste essencialmente em multiplicar os empecilhos e manobras protelatórias para travar as deliberações da Comissão”.

Depois de afirmar que Lula mandara dar “um puxão de orelhas” nos “responsáveis pela sabotagem ininterrupta” da CTNBio, “a começar pela ministra Marina Silva, do Meio Ambiente”, o editorial de O Estado de SP apostou numa outra mudança que não aconteceu: “Há quem considere necessário rever o próprio modelo institucional da CTNBio e a regulamentação que permite tolher as suas decisões, como o quorum de dois terços para a liberação comercial de transgênicos”, diz o texto.

Apesar de todo o lobby pró-transgênicos, esses pontos, segundo João Paulo Capobianco, sequer foram abordados na reunião dos ministros: “Afastamentos jamais foram cogitados, quem falou isso não sabia de nada e fez um juízo próprio. A questão do quorum não foi analisada simplesmente porque a CTNBio até hoje jamais precisou se valer do quorum qualificado de dois terços para tomar qualquer decisão”, conta.

Outra possibilidade veiculada pelos jornais e ignorada na reunião ministerial foi a proposta de um ex-presidente da CTNBio, Ésper Cavalheiro, que sugeriu que a Comissão, em vez de permanecer subordinada ao MCT, passasse a ser um órgão de assessoria direta da Presidência da República: “Nunca surgiu essa proposta na reunião”, resume Capobianco.
(Por Maurício Thuswohl, Agência Carta Maior, 08/08/2006)

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