Dona Hercília Francisca da Silva, 67 anos, vive assustada com pneus que rolam de um barranco de mais de 30 metros de
altura e param em um valo de esgoto pluvial nos fundos de seu terreno. Ela cobra uma solução para o que chama de
depósito irregular de lixo, no bairro Planalto/Rio Branco, onde mora há 38 anos.
- Tenho medo que um desses pneus invada meu terreno e pegue eu ou o meu marido quando estamos na horta - explica.
O que ela não sabe é que nos fundos de sua casa, e na de pelo menos outros 15 vizinhos, está sendo construído um aterro
para a recuperação de uma área particular ociosa. Esse tipo de procedimento vem sendo feito na cidade por empresas de
recolhimento de entulho contratadas por particulares ou órgãos públicos para recuperar terrenos acidentados. Apesar disso, a
legislação ambiental prevê restrições.
Eventualmente, outros detritos como pneus e lixo orgânico vêm misturados nas caçambas. O que não serve para aterro é
separado e enviado para reciclagem. Já os resíduos orgânicos são recolhidos do local semanalmente pela Companhia de
Desenvolvimento de Caxias do Sul (Codeca).
- Nós proibimos nossos clientes de colocar esses materiais na caçamba, mas eventualmente alguns escondem pneus em
meio à carga. Não temos como conferir isso - argumenta Vilson Berti, proprietário da Detritus, uma das empresas de coleta
que atuam no aterro do Planalto/Rio Branco.
As empresas também se dispõem a canalizar o esgoto pluvial que corre próximo das casas e a construir um muro de
contenção. O projeto está em fase de finalização e será submetido à Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma) para
licenciamento.
- Sabemos que a construção de um aterro traz inconvenientes. Ninguém gosta de obras perto de casa. Depois de tudo
pronto, com grama e árvores, eles vão gostar - pondera Berti.
Escola será beneficiada
Outro exemplo do uso de aterro para melhorar terrenos envolve a Escola Estadual Dario Granja Sant Anna, no bairro
Sanvitto, em Caxias. Em três anos, os entulhos deverão preencher um valo de 5,8 mil metros quadrados e cerca de 15
metros de altura do pátio da instituição.
O terreno acidentado foi doado pela prefeitura para a construção da escola, em 1990. Na época, um aterro foi feito na área
destinada ao prédio, mas até hoje os 490 alunos não têm pátio para recreação. As aulas de educação física estão limitadas
a uma quadra de concreto construída provisoriamente no fundo do valo.
- São 55 degraus até lá. Esses dias, um aluno se machucou e tive de subir com ele no colo. Além disso, em dias úmidos,
não podemos usar o local pois os alunos podem cair nos barrancos - conta a diretora da escola, Maria Ivone de Silvestre.
Com a melhoria do terreno, serão construídas duas quadras de vôlei e basquete, uma quadra multiuso (para vários esportes)
e um campo de futebol. Tudo isso em meio a um bosque com árvores nativas e frutíferas. O início do aterramento depende
de licença da Secretaria do Meio Ambiente.
Alternativas para a reciclagem
A busca por um destino adequado ao entulho resultante da construção civil e demolições é o desafio de pesquisadores da
Universidade de Caxias do Sul (UCS). Há dois anos, um grupo de estudantes e professores do Instituto de Saneamento
Ambiental da instituição trabalha para mapear depósitos irregulares, qualificar o entulho e desenvolver técnicas de reciclagem.
- Propusemos esses desafios aos acadêmicos da graduação em Engenharia Química e Engenharia Ambiental e para os
alunos da pós-graduação em Gestão Ambiental - conta a professora Vania Schneider, coordenadora dos projetos.
Até agora, o grupo busca soluções tecnológicas para a reciclagem e a produção de materiais alternativos para a construção
civil a partir dos resíduos. Segundo a professora, etapas futuras como a industrialização desses materiais e a oferta no
mercado consumidor deverão reduzir os custos e tornar viável a reutilização.
- A dificuldade maior está na organização das pessoas. Uma separação adequada dos materiais nas obras e demolições
é fundamental para a reciclagem com baixo custo - pondera.
(Por João Henrique Machado,
Pioneiro, 08/08/2006)