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2006-08-08
Um rico empresário chinês respeitado no seu país declara aos quatro ventos ter comprado dos índios brasileiros uma parte da floresta amazônica e acaba alvo de um inquérito no Brasil. Pode parecer ficção, mas não é. Nos círculos empresariais chineses, o executivo Lu Weiguang, 39, - dono da produtora de pisos de madeira e importadora Shanghai Anxin -, é respeitado como "o líder do setor de madeira" e está entre os 400 homens mais ricos do país, segundo a revista americana Forbes.

Ele é o tipo do empreendedor chinês que deu certo, festejado pelo governo, com o qual mantém boas relações. A mídia estatal chinesa, no entanto, gosta de chamar este empresário de "o primeiro chinês a ser dono de parte da floresta amazônica". Improvável? É o que garante a Funai.

Mas Lu Weiguang, em entrevista por fax, afirma que comprou em 2004 mil quilômetros quadrados de floresta amazônica nativa de uma reserva indígena na região pertencente a uma tribo, que ele se recusa a identificar por temer "problemas para a população indígena", da qual ele se diz amigo. Lu não gosta de falar sobre o assunto nem se deixa fotografar.

"O Brasil é um país muito violento, onde mais de 50 pessoas morrem por dia só em São Paulo. Não gostaria de aparecer num jornal." Ele só concordou em responder perguntas por escrito quando confrontado com o fato de que a região de floresta amazônica nativa que ele adquiriu é grande demais para ser ignorada.

Mato Grosso - A área a qual o empresário atribui como sua compra fica em Mato Grosso (cuja localização exata Lu não revela). "Tenho muito orgulho desse empreendimento porque a Amazônia não é apenas um tesouro dos brasileiros, mas um tesouro do mundo inteiro", afirma Lu.

Tesouro que pertence aos brasileiros, pelo menos segundo as leis do Brasil. Mas Lu teria conseguido contornar possíveis impedimentos legais com uma estratégia no mínimo controversa. "Ele e a mulher, Chen Jie, tiveram um filho no Brasil. O filho tem cidadania brasileira e as terras foram compradas em nome dele," diz a vice-presidente da Anxin, Chen Hong.

Negócio em etapas
Em 2004, o empresário chinês Lu Weiguang teria negociado seu latifúndio (parte da Amazônia) em duas etapas. Primeiro, teria comprado dos índios uma área de 150 quilômetros quadrados e, posteriormente, outra de 850. O valor pago, ele não revela. Diz apenas que o dinheiro foi depositado num fundo administrado por uma instituição financeira do Brasil em nome dos índios.

Lu diz que tomou conhecimento da qualidade da madeira brasileira em 1996, ao conversar com empresas de Taiwan e Hong Kong que negociavam madeira entre Brasil e China. Naquele ano, uma decisão do governo chinês foi fundamental para a idéia do empresário de comprar terras no Brasil: "Em 1996, o Conselho de Estado da China proibiu a exploração comercial das florestas nativas, por isso decidi comprar pedaço da floresta brasileira. Quando estive no Brasil, em 1997, me apaixonei pela Amazônia e pela cultura indígena, pela qual tenho muito respeito", conta. Segundo Lu, não foi fácil convencer os índios brasileiros. Em 1997, quando ele começou a abordagem, os índios se recusaram a negociar.

Mas a barreira foi vencida, conta, quando a tribo passou a acreditar que ele tinha as melhores intenções para a floresta: "Para ganhar a confiança dos índios, forneci remédios, construí escolas e até investi em infra-estrutura na região. Para monitorar e ajudar os índios, aluguei um satélite americano do sistema GPS. Eles perceberam que minha intenção era boa."

Saiba mais
- 1. 000 km² é o tamanho da área da Amazônia que o empresário chinês diz ter comprado

- 100 milhões de dólares é o faturamento de Lu Weiguang, que importa madeira do Brasil

- A área representa o tamanho de 100 mil campos de futebol, É maior que Cingapura, um país de 693 km².

- É equivalente a todo o território de Hong Kong (1.092 km²)

- Representa mais de duas vezes a ilha de Florianópolis (cerca de 450 quilômetros quadrados).

Asiáticos interessados
O interesse de asiáticos pela Amazônia não é novo. Acusadas por ambientalistas de devastarem enormes florestas em seu país, madeireiras da Malásia começaram a operar na região no fim da década de 90. Pelo menos três grupos daquele país atuaram na área florestal nos últimos anos, causando polêmica: a Samling, com o controle da Amcol, no Pará; a Rimbunan Hijau, com a holding Verde Vivo, para administrar as madeireiras Selvaplac e Maginco, também no Pará; e a WTK, por meio da Amaplac, no Amazonas.

Na maioria dos casos, os grupos adquiriram a baixo preço serrarias quase falidas para entrar no país. Depois, a idéia era comprar terras para extrair madeira. Reportagem de O Globo de março de 1998 mostrou que o Ibama, surpreendido num primeiro momento, começou a agir quando ONGs ambientais denunciaram a questão.

Filho de empresário é brasileiro
A trajetória de Lu Weiguang como empresário começou em 1994, ao deixar um cargo público no Escritório de Administração de Pesca de Wenzhou, na província de Zhejiang. Com um empréstimo de 300 mil yuans (US$ 37,5 mil) do pai, fundou a Anxin, que começou vendendo pisos de madeira e é hoje a maior importadora de madeira bruta da China.

No Brasil, Lu mantém um apartamento em bairro nobre de Curitiba, para onde trouxe a mulher, Chen Jie, quando estava grávida de três meses. Com o nascimento do filho brasileiro, Victor, em 2003, o empresário chinês garantiu visto permanente no Brasil.

"Eles têm apartamento aqui, mas devem estar na China ou nos EUA", informa o porteiro do endereço residencial da família. O braço-direito do empresário chinês no Brasil, Luiz Renato Durski Junior, conta que, com o filho brasileiro, Lu obteve benefícios do governo chinês e empréstimos em bancos.

Durski mantém em Curitiba a empresa Marine Box - uma trading que negocia madeiras, fundada em 1999 -, que ostenta no escritório a logomarca da Anxin Flooring Co. A parede da sala de reuniões é enfeitada por duas molduras com a figura de Lu ao lado do presidente Lula e de Rubens Ricupero. "A Anxin é o principal cliente na China há seis anos, mas ele (Lu) não é sócio no Brasil," garante o dono da Marine Box.

Uma das empresas coligadas da Marine Box em Várzea Grande, no Mato Grosso, usa a sigla AXN, mas o empresário diz que é coincidência qualquer semelhança com a Anxin. "Como trabalhamos muito com os chineses, o "A" quer dizer seriedade, o "X", eficiência e o "N", honestidade no ideograma chinês," afirma.

A Marine destina hoje ao mercado chinês 60% da produção de madeira produzida no Brasil, o que representou 1.200 contêineres em 2005. Além de Curitiba, a empresa mantém escritórios de apoio pelo Brasil. O empresário paranaense conta que viaja para a China de cinco a seis vezes por ano e negocia com Lu Weiguang há seis anos.

"Ele esteve aqui na semana passada e o plano dele agora é montar uma agência de viagens e um hotel no Rio de Janeiro, uma pousada no Pantanal e outra em Manaus para trazer chineses."

Funai quer que PF abra inquérito
A notícia de que o chinês Lu Weiguang teria comprado mil km² de terras indígenas no Brasil e de que se apresentaria como defensor do meio ambiente em eventos internacionais causou perplexidade ao governo brasileiro. Preocupada, a Fundação Nacional do Índio (Funai) pediu à Polícia Federal a instauração de um inquérito para apurar o caso, uma vez que o próprio chinês confirma a compra.

"As terras indígenas são inalienáveis e a Constituição proíbe sua exploração. Isso é crime. Além da PF, estamos acionando as Funais nos Estados para tentar conseguir mais informações e, se for o caso, tomar as providências cabíveis," diz o procurador-geral da Funai, Luiz Fernando Villares e Silva. Segundo ele, é provável que Lu esteja só contando vantagem.

Villares comenta que há casos semelhantes que envolvem estrangeiros que afirmaram ter comprado terras públicas ocupadas por índios brasileiros. "Há também estrangeiros que são enganados, compram terras de grileiros ou de fazendeiros que invadiram reservas indígenas e, mais tarde, descobrem que foram enganados. Mas não creio que este seja o caso do chinês," afirma.

Ele explica que a proibição de venda e exploração comercial de terras indígenas está na Constituição e no Estatuto do Índio, de 1973. "Ele (o chinês) pode estar usando estratégia de marketing. Mas vamos averiguar. Se for verdade, é um crime", disse Villares. O assunto também preocupa o Serviço Florestal Brasileiro (SFB). "Ninguém conhece esse empresário. O ideal é sabermos a localização da operação", diz o presidente do SFB, Tasso Azevedo.

Uso responsável
A idéia de Lu Weiguang de utilização da parte que diz ter comprado da Amazônia é exportar a madeira do Brasil para a China, onde seria transformada em pisos e até móveis para os mercados chinês, europeu e americano, afirma a vice-presidente da Anxin, Chen Hong. Parte viraria piso de madeira na fábrica que tem em Curitiba.

Lu garante que o projeto não vai danificar a flora amazônica. A área no Brasil, diz ele, está sendo dividida em 25 pedaços e cada um será explorado durante um ano e, depois, reflorestado. Assim, em 25 anos, a primeira área explorada já estará pronta para novos cortes. A preocupação com a auto-suficiência da produção de madeira parece ser mesmo uma constante na empresa de Lu.

A Anxin é, de fato, uma das empresas chinesas com mais certificação de organismos internacionais por manejo responsável das florestas chinesas - quando ela ainda podia fazê-lo na China, claro. Mark Hurley, da Global Forest & Trade Network (braço da ONG WWF, que cuida do manejo responsável de recursos naturais), confirma que a Anxin faz parte do grupo de empresas monitoradas pela instituição.

"Eles fazem um trabalho muito responsável na China", diz Hurley. "A empresa busca usar produtos certificados e evita processar madeiras de árvores derrubadas ilegalmente. Todos os anos, auditamos a empresa com relação às práticas de exploração da madeira."

Nada menos que 50% da madeira importada pela Anxin hoje vem do Brasil, onde ela trabalha com mais de 100 madeireiras. Lu garante que nenhuma opera ilegalmente. A empresa tem 1.370 empregados no Brasil e na China, e produz anualmente três milhões de m² de piso de madeira e 36 mil m³ de madeira bruta nos dois países. Seu faturamento anual ultrapassa US$ 100 milhões.

A Shanghai Anxin é membro do Conselho Empresarial Brasil-China, pelo lado chinês, e o site da empresa traz uma prosaica imagem de uma índia brasileira encostada em uma tora de madeira. Ano passado, o empresário diz que trouxe "índios brasileiros para realizar show pela China".
(Por Gilberto Scofield Jr., Diário da Manhã-GO, 07/08/2006)
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