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2006-08-08
Antigo problema ambiental do Rio de Janeiro, que vem se agravando perigosamente nos últimos anos, a coleta e o armazenamento do lixo produzido nas maiores cidades do estado continua rendendo muita briga entre as autoridades. Próximo da saturação, o principal aterro sanitário fluminense _ localizado no distrito de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias _ voltou a ser nos últimos dias motivo de disputa judicial entre as prefeituras da capital e do município da Baixada Fluminense. Além disso, o projeto de construção de um novo aterro sanitário no bairro de Paciência (Zona Oeste do Rio), que vinha recebendo inúmeras críticas das organizações ambientalistas, foi julgado ilegal pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Tribunal de Contas do Município (TCM), fato que fez o prefeito Cesar Maia (PFL) admitir a realização de um novo processo de licitação.

A situação crítica dos lixões ou aterros sanitários no estado voltou a chamar a atenção da população também por causa de um engavetamento em série de veículos, ocorrido na BR-116 (Rio- Teresópolis), que foi provocado pela fumaça oriunda da queima irregular de resíduos no lixão de Magé, cidade cortada pela rodovia. O acidente fez com que o governo federal, por intermédio do Ibama, decidisse intervir na “guerra do lixo” fluminense. Além da multa aplicada à Prefeitura de Magé pelas irregularidades no lixão, que funciona sem licença ambiental há doze anos, o órgão de fiscalização federal decidiu estabelecer uma parceria com a Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Rio para realizar uma grande vistoria nos aterros sanitários do estado.

Gerente-executivo do Ibama no Rio de Janeiro, Rogério Rocco explica que a vistoria deve começar nos lixões e aterros sanitários localizados nos municípios que margeiam a Baía de Guanabara: “O Ibama estabeleceu o compromisso de realizar um levantamento detalhado sobre o convênio que foi feito entre o órgão e as prefeituras dessas cidades a partir da verba oriunda da multa aplicada à Petrobras após o grande derramamento de óleo na baía em 2000”. Esse levantamento, segundo Rocco, será concluído na semana que vem: “Então poderemos começar as vistorias”, diz. A fiscalização, no entanto, pode se estender para todo o Rio de Janeiro. De acordo com a Comissão de Meio Ambiente da Alerj, dos 92 municípios do estado, pelo menos 73 mantém seus lixões funcionando sem licenciamento ambiental e completamente à margem da lei, recebendo inclusive dejetos hospitalares sem tratamento.

A disposição do governo federal de agir severamente contra os municípios infratores ficou clara na forma como o Ibama aplicou as duas multas contra o lixão de Magé. As multas (uma por funcionar sem licença e outra por causar danos ao meio ambiente) foram multiplicadas até atingir a salgada marca de R$ 450 mil. Rogério Rocco explica o procedimento: “Descobrimos que o aterro já havia sido autuado em 1994, o que caracterizou reincidência. Reza a lei que, quando a reincidência for genérica, a multa deva ser dobrada e, quando for específica, a multa deva ser triplicada. Foi assim que fizemos. A multa por funcionar sem licença, específica, passou dos R$ 50 mil originais para R$ 150 mil e a multa por danos ambientais, originalmente de R$ 150 mil, por ser genérica passou a R$ 300 mil”.

O lixão de Magé foi autuado dias após o engavetamento de veículos na BR-116. A vistoria do Ibama aconteceu depois que a Polícia Rodoviária Federal e o Corpo de Bombeiros apontaram a fumaça provocada pela queima de lixo como a provável causadora do acidente. Segundo Rocco, o laudo do Ibama demonstra que o lixão não possui qualquer infra-estrutura, como um sistema de impermeabilização do solo ou de drenagem e tratamento do chorume (líquido resultante da decomposição do lixo). A falta de impermeabilização, segundo o gerente do Ibama no Rio, está provocando a contaminação do lençol freático cujas águas vêm da Região Serrana e vão até a Baía de Guanabara: “Isso sem falar na proliferação de ratos e outros vetores de doenças causada pelo lixão”.

Jardim Gramacho saturado
A briga entre as prefeituras do Rio e de Duque de Caxias acerca da utilização do aterro sanitário de Jardim Gramacho é a parte mais encardida da “guerra do lixo” no estado. O aterro, que é considerado saturado pelos ambientalistas e pela própria Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (Comlurb), funciona há 25 anos e recebe boa parte das nove mil toneladas de lixo produzidas pela capital. Além de atender às duas cidades, Gramacho recebe também os resíduos sólidos de São João de Meriti, Nilópolis, Mesquita e Belford Roxo, totalizando mais de dez mil toneladas diárias de lixo.

Inaugurado em 1978, o aterro sanitário na verdade era um lixão sem qualquer espécie de controle até 1995, quando passou a ser gerido com algumas preocupações sanitárias e ambientais. Atualmente, cerca de 30% da área do aterro está interditada, sob o risco de desabamento iminente. A maior preocupação dos ambientalistas é com a incrível produção de chorume e o risco de contaminação da Baía de Guanabara, já que o aterro de Gramacho inexplicavelmente foi construído numa área de manguezal às margens da baía.

Usando como justificativa todo esse passivo, o prefeito de Duque de Caxias, Washington Reis (PMDB), sancionou há dois anos uma lei municipal criando a Taxa de Compensação Ambiental. No valor de R$ 50 por cada caminhão de lixo, a taxa passaria a ser cobrada das prefeituras de outras cidades que utilizam o aterro sanitário de Jardim Gramacho. A decisão de Reis desagradou à Prefeitura do Rio e à Comlurb, que são donas do terreno do aterro por concessão federal, e iniciou-se então uma batalha de liminares na Justiça.

No início de julho, o desembargador Nametala Machado Jorge, da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, decidiu cassar o mandado de segurança que há meses impedia a Prefeitura de Duque de Caxias de cobrar a Taxa de Compensação Ambiental. Logo após a decisão, Washington Reis chegou a determinar que 28 caminhões da Comlurb fossem impedidos de entrar no aterro, mas sua alegria durou pouco, já que o mesmo desembargador voltou atrás de sua decisão no dia seguinte: “A Justiça não entendeu que as cobranças são legais. A Comlurb deveria pagar cerca de R$ 500 mil por mês à Duque de Caxias”, lamenta o prefeito.

Paciência descartada
Enquanto continua a briga por Gramacho, a alternativa ao aterro em que apostava Cesar Maia parece ter sido definitivamente descartada pela prefeitura. O Tribunal de Contas do Município considerou ilegal o contrato de R$ 1 bilhão firmado entre a Comlurb e a empresa Júlio Simões Transportes para a construção, no bairro de Paciência, do Centro de Tratamento de Resíduos Sólidos (CTR), o novo aterro sanitário da capital. O laudo do TCM determinou que a empresa não cumpria as especificações técnicas para poder participar do processo de licitação pública. Além disso, o Tribunal confirmou parecer emitido anteriormente pela Justiça afirmando que a Fazenda Santa Rosa do Furado, onde seria construído o CTR, faz parte da Zona Rural da cidade, região onde, de acordo com o zoneamento urbano municipal, não podem ser construídos aterros sanitários.

A decisão do TCM veio se somar a uma outra, emitida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que cancelou o processo de licenciamento ambiental do aterro sanitário de Paciência por considerar o terreno muito próximo da Área de Segurança Aeroportuária da cidade. Tantas derrotas parecem ter sepultado de vez o projeto: “Se não houver jeito, escolheremos outro lugar e abriremos outra licitação”, já admite Cesar Maia. Os ambientalistas, por sua vez, comemoram o abandono do projeto: “Foram dois nocautes certeiros em apenas um mês. Com essas decisões coerentes e legais do STF e do TCM, nossa Cidade Maravilhosa se livrou finalmente da construção de mais um cemitério do lixo que iria prejudicar enormemente a vida de milhares de trabalhadores na Zona Oeste”, afirma Sérgio Ricardo de Lima, do Fórum de Meio Ambiente e Qualidade de Vida da Zona Oeste e Baía de Sepetiba.

O próximo passo das ONGs será a discussão e efetivação do Plano Gradual para Desativação/Fechamento do Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho, que já foi apresentado ao presidente do TCM, Thiers Montebello. O plano prevê coleta seletiva de lixo de porta em porta, programas de educação ambiental e de reciclagem, apoio às cooperativas de catadores (aquisição de equipamentos, veículos, etc) e aproveitamento energético do lixo orgânico para gerar combustível para automóveis e energia (biogás), entre outras medidas para reduzir o volume de lixo jogado no aterro de Gramacho.
(Por Maurício Thuswohl da, Carta Maior, 08/08/2006)

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