Antigo problema ambiental do Rio de Janeiro, que vem se agravando
perigosamente nos últimos anos, a coleta e o armazenamento do lixo produzido
nas maiores cidades do estado continua rendendo muita briga entre as
autoridades. Próximo da saturação, o principal aterro sanitário fluminense _
localizado no distrito de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias _ voltou a ser
nos últimos dias motivo de disputa judicial entre as prefeituras da capital
e do município da Baixada Fluminense. Além disso, o projeto de construção de
um novo aterro sanitário no bairro de Paciência (Zona Oeste do Rio), que
vinha recebendo inúmeras críticas das organizações ambientalistas, foi
julgado ilegal pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Tribunal de Contas
do Município (TCM), fato que fez o prefeito Cesar Maia (PFL) admitir a
realização de um novo processo de licitação.
A situação crítica dos lixões ou aterros sanitários no estado voltou a
chamar a atenção da população também por causa de um engavetamento em série
de veículos, ocorrido na BR-116 (Rio- Teresópolis), que foi provocado pela
fumaça oriunda da queima irregular de resíduos no lixão de Magé, cidade
cortada pela rodovia. O acidente fez com que o governo federal, por
intermédio do Ibama, decidisse intervir na “guerra do lixo” fluminense. Além
da multa aplicada à Prefeitura de Magé pelas irregularidades no lixão, que
funciona sem licença ambiental há doze anos, o órgão de fiscalização federal
decidiu estabelecer uma parceria com a Comissão de Meio Ambiente da
Assembléia Legislativa do Rio para realizar uma grande vistoria nos aterros
sanitários do estado.
Gerente-executivo do Ibama no Rio de Janeiro, Rogério Rocco explica que a
vistoria deve começar nos lixões e aterros sanitários localizados nos
municípios que margeiam a Baía de Guanabara: “O Ibama estabeleceu o
compromisso de realizar um levantamento detalhado sobre o convênio que foi
feito entre o órgão e as prefeituras dessas cidades a partir da verba
oriunda da multa aplicada à Petrobras após o grande derramamento de óleo na
baía em 2000”. Esse levantamento, segundo Rocco, será concluído na semana
que vem: “Então poderemos começar as vistorias”, diz. A fiscalização, no
entanto, pode se estender para todo o Rio de Janeiro. De acordo com a
Comissão de Meio Ambiente da Alerj, dos 92 municípios do estado, pelo menos
73 mantém seus lixões funcionando sem licenciamento ambiental e
completamente à margem da lei, recebendo inclusive dejetos hospitalares sem
tratamento.
A disposição do governo federal de agir severamente contra os municípios
infratores ficou clara na forma como o Ibama aplicou as duas multas contra o
lixão de Magé. As multas (uma por funcionar sem licença e outra por causar
danos ao meio ambiente) foram multiplicadas até atingir a salgada marca de
R$ 450 mil. Rogério Rocco explica o procedimento: “Descobrimos que o aterro
já havia sido autuado em 1994, o que caracterizou reincidência. Reza a lei
que, quando a reincidência for genérica, a multa deva ser dobrada e, quando
for específica, a multa deva ser triplicada. Foi assim que fizemos. A multa
por funcionar sem licença, específica, passou dos R$ 50 mil originais para
R$ 150 mil e a multa por danos ambientais, originalmente de R$ 150 mil, por
ser genérica passou a R$ 300 mil”.
O lixão de Magé foi autuado dias após o engavetamento de veículos na BR-116.
A vistoria do Ibama aconteceu depois que a Polícia Rodoviária Federal e o
Corpo de Bombeiros apontaram a fumaça provocada pela queima de lixo como a
provável causadora do acidente. Segundo Rocco, o laudo do Ibama demonstra
que o lixão não possui qualquer infra-estrutura, como um sistema de
impermeabilização do solo ou de drenagem e tratamento do chorume (líquido
resultante da decomposição do lixo). A falta de impermeabilização, segundo o
gerente do Ibama no Rio, está provocando a contaminação do lençol freático
cujas águas vêm da Região Serrana e vão até a Baía de Guanabara: “Isso sem
falar na proliferação de ratos e outros vetores de doenças causada pelo
lixão”.
Jardim Gramacho saturado
A briga entre as prefeituras do Rio e de Duque de Caxias acerca da
utilização do aterro sanitário de Jardim Gramacho é a parte mais encardida
da “guerra do lixo” no estado. O aterro, que é considerado saturado pelos
ambientalistas e pela própria Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio
de Janeiro (Comlurb), funciona há 25 anos e recebe boa parte das nove mil
toneladas de lixo produzidas pela capital. Além de atender às duas cidades,
Gramacho recebe também os resíduos sólidos de São João de Meriti, Nilópolis,
Mesquita e Belford Roxo, totalizando mais de dez mil toneladas diárias de
lixo.
Inaugurado em 1978, o aterro sanitário na verdade era um lixão sem qualquer
espécie de controle até 1995, quando passou a ser gerido com algumas
preocupações sanitárias e ambientais. Atualmente, cerca de 30% da área do
aterro está interditada, sob o risco de desabamento iminente. A maior
preocupação dos ambientalistas é com a incrível produção de chorume e o
risco de contaminação da Baía de Guanabara, já que o aterro de Gramacho
inexplicavelmente foi construído numa área de manguezal às margens da baía.
Usando como justificativa todo esse passivo, o prefeito de Duque de Caxias,
Washington Reis (PMDB), sancionou há dois anos uma lei municipal criando a
Taxa de Compensação Ambiental. No valor de R$ 50 por cada caminhão de lixo,
a taxa passaria a ser cobrada das prefeituras de outras cidades que utilizam
o aterro sanitário de Jardim Gramacho. A decisão de Reis desagradou à
Prefeitura do Rio e à Comlurb, que são donas do terreno do aterro por
concessão federal, e iniciou-se então uma batalha de liminares na Justiça.
No início de julho, o desembargador Nametala Machado Jorge, da 13ª Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, decidiu cassar o mandado de
segurança que há meses impedia a Prefeitura de Duque de Caxias de cobrar a
Taxa de Compensação Ambiental. Logo após a decisão, Washington Reis chegou a
determinar que 28 caminhões da Comlurb fossem impedidos de entrar no aterro,
mas sua alegria durou pouco, já que o mesmo desembargador voltou atrás de
sua decisão no dia seguinte: “A Justiça não entendeu que as cobranças são
legais. A Comlurb deveria pagar cerca de R$ 500 mil por mês à Duque de
Caxias”, lamenta o prefeito.
Paciência descartada
Enquanto continua a briga por Gramacho, a alternativa ao aterro em que
apostava Cesar Maia parece ter sido definitivamente descartada pela
prefeitura. O Tribunal de Contas do Município considerou ilegal o contrato
de R$ 1 bilhão firmado entre a Comlurb e a empresa Júlio Simões Transportes
para a construção, no bairro de Paciência, do Centro de Tratamento de
Resíduos Sólidos (CTR), o novo aterro sanitário da capital. O laudo do TCM
determinou que a empresa não cumpria as especificações técnicas para poder
participar do processo de licitação pública. Além disso, o Tribunal
confirmou parecer emitido anteriormente pela Justiça afirmando que a Fazenda
Santa Rosa do Furado, onde seria construído o CTR, faz parte da Zona Rural
da cidade, região onde, de acordo com o zoneamento urbano municipal, não
podem ser construídos aterros sanitários.
A decisão do TCM veio se somar a uma outra, emitida pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) que cancelou o processo de licenciamento ambiental do aterro
sanitário de Paciência por considerar o terreno muito próximo da Área de
Segurança Aeroportuária da cidade. Tantas derrotas parecem ter sepultado de
vez o projeto: “Se não houver jeito, escolheremos outro lugar e abriremos
outra licitação”, já admite Cesar Maia. Os ambientalistas, por sua vez,
comemoram o abandono do projeto: “Foram dois nocautes certeiros em apenas um
mês. Com essas decisões coerentes e legais do STF e do TCM, nossa Cidade
Maravilhosa se livrou finalmente da construção de mais um cemitério do lixo
que iria prejudicar enormemente a vida de milhares de trabalhadores na Zona
Oeste”, afirma Sérgio Ricardo de Lima, do Fórum de Meio Ambiente e Qualidade
de Vida da Zona Oeste e Baía de Sepetiba.
O próximo passo das ONGs será a discussão e efetivação do Plano Gradual para
Desativação/Fechamento do Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho, que já
foi apresentado ao presidente do TCM, Thiers Montebello. O plano prevê
coleta seletiva de lixo de porta em porta, programas de educação ambiental e
de reciclagem, apoio às cooperativas de catadores (aquisição de
equipamentos, veículos, etc) e aproveitamento energético do lixo orgânico
para gerar combustível para automóveis e energia (biogás), entre outras
medidas para reduzir o volume de lixo jogado no aterro de Gramacho.
(Por Maurício Thuswohl da,
Carta Maior, 08/08/2006)