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2006-08-08
* Por Rogério Almeida

A moratória das grandes empresas que integram a outra ponta da cadeia produtiva de grãos, em particular a monocultura da soja, por um instante lançou luz sobre um dos eixos de um mosaico de grande projetos que contribui para o processo de devastação na Amazônia. O papo não é novo. Há pelo menos duas décadas, numerosas interrogações povoam o ambiente: é a condição periférica a nossa sina? Desenvolvimento para quem? Que projeto de desenvolvimento desejam os que habitam a Amazônia? No presente instante é a dimensão física, a quantidade de floresta submetida ao plantio exótico, o que mais chama a atenção. E quanto as possibilidade de pesquisa, as populações, a paisagem, a biodiversidade, o lazer, as referências de vida e morte dos antepassados, quem poderá aferir?

Exclamam os especialistas que é necessário mensurar economicamente a floresta para que a gula do capital não a subjugue. É possível uma outra globalização? Em dias idos, o geógrafo Milton Santos alertou para o aumento da sanha dos grandes conglomerados sobre as terras e os recursos naturais renováveis ou não, nas periferias do mundo.

A lição vivida desde os dias de regime de exceção, quando se descortina a integração da Amazônia ao resto do país, pela via de grandes projetos, tem sido a internalização de passivo sociais e ambientais nas currutelas da região. O comprometimento dos recursos hídricos, a derrubada do cerrado na zona de transição entre o Maranhão (Cerrado) e o Pará (Amazônia), para a cultura da soja, as meninas violadas logo ao germinar da juventude, a indiferença aos extrativistas, pescadores, indígenas, quebradeiras de coco babaçu, é o que se registra no Bico do Papagaio, norte do Tocantins, oeste do Maranhão e sul do Pará. Uma passagem no município de Estreito, cortado pela BR 010, ali pertinho do pólo de grãos de Balsas, Maranhão, exclama tal quadro.

Uma vez mais uma a ação externa mobiliza o que chamam de opinião pública. No entanto, não é de hoje que as vozes e gritos nas quebradas da Amazônia questionam o modelo de desenvolvimento desenhado e empurrado garganta abaixo para a região. Por que não ecoam no oco dos grandes centros tais questionamentos? Há coleções de cartas, mapas, panfletos, manifestos, cartilhas, construídos por variadas entidades e fóruns de verniz popular. Aonde soa a voz da periferia?

Entre os exemplos temos: a cartilha contra a construção de barragens na bacia do Araguaia-Tocantins, a maior em potencial de geração de energia, cartilha contra o processo de presença da soja no município de Sampaio no Tocantins, inúmeros documentos sobre a presença da soja no município de Balsas, sul do Maranhão, origem de parte do carvão vegetal ilegal que alimenta as empresas de gusa da Ferrovia de Carajás. Experiência que tem como matriz o Vale do Rio Doce, em Minas Gerais.

A região é foco constante de libertação de trabalhadores em condições análogas à escravidão, execuções de dirigentes pró reforma agrária. Eis alguns passivos gerados pelos projetos que iriam, segundo os executivos de multinacionais e burocratas, levar a luz e o desenvolvimento aos rincões do país. O lero continua o mesmo, como registrado nas audiências públicas sobre hidrelétricas, projetos de mineração, que mais se assemelham a um espetáculo circense, onde a maioria, cooptada pelas empresas, manifesta-se favorável aos projetos. Isso é apenas uma dimensão da pressão, que passa por lobbys na jugular do IBAMA e outras esferas.

Nada é tão ruim que não possa ficar pior. Um exame no Plano Plurianual (PPA), política que norteia as ações do governo federal, pipocam mais iniciativas que nos condenam a condição de almoxarifado do mundo, revigoram a trilha do saque, incentivam a troca de miçangas e espelhos por riquezas, como dantes. No item sobre a infra-estrutura, desde muito tempo, há croquis de construção de uma malha multi-modal de transporte (rodovias, ferrovias, hidrovias), que viabilize a redução do custo do escoamento da produção de grãos do Centro Oeste do país.

No setor de geração de energia, uma pororoca de hidrelétricas de grande porte, onde o setor com maior interesse é a indústria de eletrointesivo, em particular as empresas de produção de alumínio, anseiam pelos leilões. A energia é o insumo mais caro na produção de alumínio. Pode-se assim dizer que estamos exportando energia em lingotes. Entre os polêmicos empreendimentos tem-se: o complexo do Xingu, o complexo do Madeira, a hidrelétrica de Estreito. A experiência de mineração na região já soma mais duas décadas. E a tendência é a expansão, como nos planos da ALCOA, dona da planta da ALUMAR, em São Luís, Maranhão, que visa duplicar a produção, via a exploração da mina de bauxita (matéria prima para a produção do alumínio) no Juruti, no oeste Pará.

O mesmo se registra nas plantas da Companhia Vale do Rio do Doce (CVRD), no município de Barcarena, no Pará. No aspecto humano, o não reassentamento de famílias atingidas pelos grandes empreendimentos é o passivo mais visível. No máximo dão algumas aspirinas, que muitos chamam de responsabilidade social. Tais projetos são apenas algumas pernas do desenho de disputa por terra e recursos naturais na Amazônia. E, então, como questionaria o rapper: qual é Amazônia? Qual é neguinha?

* Rogério Almeida é Mestrando do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA) e membro do setor de comunicação do MST/PA.
(Adital, 07/08/2006)
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=23862

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