Em plena campanha pela legalização da produção irregular de uma variedade de algodão transgênico resistente a insetos proibido no país, alguns produtores da pluma ignoraram as instruções da fiscalização do Ministério da Agricultura. Os fiscais identificaram casos de "flagrante desrespeito" à proibição de colheita, beneficiamento e transporte dos produtos interditados por meio de autos de infração emitidos desde maio.
Segundo relatório de fiscalização do ministério, o caso mais grave foi identificado em Paracatu (MG), na Fazenda Ouro Branco, onde o produtor Cornélio Sanders plantou 2,9 mil hectares com sementes transgênicas ilegais. Com 27 amostras positivas para a semente Roundup Ready nos testes de campo, Sanders ignorou o embargo da produção. "Ele estava colhendo sem comunicar nada ao ministério. Fomos lá e lacramos um galpão. Os outros produtores identificados poderão ser interditados também", diz José Neumar Francelino, coordenador de Sementes e Mudas do ministério. "Vamos ter problemas com produtores e associações? Vamos. Mas temos apoio para cumprir a lei. Eles apostaram alto e terão que responder por isso".
O caso de Sanders é considerado grave porque ele ocupa o cargo de 1º Tesoureiro na diretoria da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa). Por isso, o ministério teme que o exemplo de Sanders seja seguido por produtores de outras regiões. "Isso é crime. Quem fizer, responderá na Justiça. Se desobedecer, agravará o crime e estará sujeito até mesmo a prisão", diz Neumar. No Brasil, foram identificados 18 mil hectares de lavouras de algodão ilegal, o equivalente a 11% do total fiscalizado até agora. O Ministério da Agricultura estima ter havido plantio ilegal em 100 mil hectares das principais regiões produtoras.
Em sua defesa, Sanders, que é reincidente no uso de algodão transgênico ilegal, admite ter ignorado a determinação do ministério para evitar um "prejuízo maior". "Eles me proibiram de tirar a mercadoria de dentro da fazenda. Mas fui lá e tirei porque depois não justificaria nem mesmo a colheita". Segundo ele, a idéia era apenas beneficiar o algodão e deixar armazenado na fazenda. "Não tenho um barracão. E ia apodrecer na chuva". Sanders acusa a lentidão do ministério. "Eles não dão resposta. Em 2005, demoraram oito meses para dizer o que iam fazer. Entre perder e apostar que vai liberar, optei por não perder no campo". Ele diz que "tem gente plantando no Brasil inteiro" e que admite ter comprado semente "contaminada" em 2003. "Reproduzi no campo e eles detectaram em 2005. Tem algodão em cima de algodão. A semente cai no chão, renasce e contamina de novo", explica o produtor. "Vou ter que parar por dois anos para erradicar essa semente plantando soja".
O presidente da Abrapa, João Carlos Jacobsen, diz que tem trabalhado no governo por uma "solução" para liberar a venda da pluma e do caroço à indústria. "Não deveria ter plantado, mas plantou. Quero evitar um desespero maior". Segundo ele, a produção dos 18 mil hectares embargados pela fiscalização somam R$ 90 milhões. E admite "desconforto" com o caso de Sanders, mas afirma que a Abrapa defende a "legalidade" na produção. "É absolutamente desconfortável para mim. Mas recomendo que se cumpra o determinado. Se quer colher, entre na Justiça e peça uma liminar. Não vamos recomendar nada ilegal".
O diretor da associação de Mato Grosso (Ampa), João Luiz Pessa, arrisca uma explicação. "Tem muito algodão comprometido com CPRs que já tinha sido vendido bem antes do plantio. Se o produtor não honrar a entrega, pode vir um arresto da produção", diz Pessa. E dá uma dica: "Quem plantou e não foi fiscalizado deve estar procurando colher para escapar de uma punição", afirma ele.
(Por Mauro Zanatta,
Valor Econômico, 07/08/2006)