Por terra ou pelo mar, os observadores só têm olhos para elas. Vibram quando
– entre um “esguicho” e outro – esses animais de corpo grande, negro e
arredondado emergem das águas, como numa acrobacia. Pelo menos até novembro,
as baleias francas serão a principal atração para os turistas que passam
pela região litorânea do centro-sul de Santa Catarina. E, mais do que nunca,
para quem mora por lá.
Nos últimos dez anos, a avistagem e o estudo desses cetáceos
transformaram-se em grandes propulsores da economia – principalmente nos
municípios de Garopaba, Imbituba e Laguna. Diante do sério trabalho de
conservação da espécie, as cidades da região decidiram reforçar a
infra-estrutura e estimular cada vez mais essa modalidade ecoturística.
Para Maria Elisabeth da Rocha, chefe da Área de Proteção Ambiental (APA) da
Baleia Franca, um mapeamento do impacto socioeconômico das baleias na região
é uma das primeiras metas a cumprir. Ela ressalta a importância dessa medida
junto às atividades do Projeto Baleia Franca na APA, que abrange as áreas
costeiras de nove municípios catarinenses e tem sido aproveitada para
garantir condições de reprodução e sobrevivência desses cetáceos. “Sabemos
que houve um aumento do número de pousadas, que a procura por esses
municípios também cresceu, mas não há um estudo que comprove e explique
essas proposições. Como investir sem melhorias, desta forma?”, questiona.
Felizmente, mesmo sem um planejamento mais preciso, Maria Elisabeth consegue
enxergar iniciativas de algumas populações da região mesclando atividades de
preservação da espécie a ganhos econômicos. Ela cita o exemplo da comunidade
de pescadores do Cabo de Santa Marta, que ao longo dos últimos cinco anos
conseguiu firmar novos critérios na rede de hospedagem com intuito de conter
a crescente especulação imobiliária. Depois de uma intensa mobilização, o
grupo vetou a construção de pousadas e hotéis. Agora, as próprias famílias
dos pescadores abrem portas de casa e recebem os turistas – o que acabou se
transformando em uma fonte de renda complementar.
O casal Lédio e Maria Marcelino decidiu investir nesse nicho há seis anos.
Motivados pelo lucro a cada nova estação, ampliaram os negócios. Hoje, têm
quatro pequenas cabanas com capacidade para receber até 10 pessoas. O custo
para o viajante, aliás, compensa e muito se comparado ao pacote das demais
pousadas. Neste inverno, a diária com café da manhã sai a 15 reais por
pessoa. Mas para os que querem conforto com economia, também existem opções
bastante razoáveis. Há operadoras que fazem promoções especialmente para
casais – o pacote mínimo de quatro dias e três noites em quarto standard,
com todas as refeições, traslados e taxas incluídas, sai por 1.686 reais num
dos hotéis mais tradicionais de Imbituba. Se o viajante preferir alugar uma
casa por conta própria, pode descolar hospedagem perto da praia por cerca de
50 reais a diária, sendo que precisará desembolsar, ainda, 90 reais se
quiser passar uma manhã numa embarcação confiável e ver as baleias bem de
perto.
“É emocionante observar as baleias no mar, quando se chega muito perto dos
animais sem ferir o meio ambiente”, ressalta Maria Elisabeth. As embarcações
dispõem de ferramentas específicas para a prática, como binóculos. “Só é
melhor não usá-lo quem está pouco acostumado às viagens marítimas. Há
passageiros que enjoam muito”. Se você faz parte desse grupo, o jeito é
treinar o olhar para mirar os animais a olho nu. ( baleia mãe – Projeto
Baleia franca)
A chefe da APA aconselha procurar as operadoras credenciadas pelo Ibama.
“Elas seguem planilhas de observação sugeridas pela APA, têm sempre
profissionais por perto e são regulamentadas toda temporada”. Então,
atenção: para passeios no mar, apenas a operadora “Vida, Sol e Mar”, de
Imbituba, é cadastrada pelo instituto. E oferece acompanhamento de biólogos,
geólogos e guias específicos. Escolher uma boa empresa pode garantir também
que o visitante não entre ilegalmente em algumas áreas da APA. Recentemente,
o Ibama editou uma Instrução Normativa proibindo o acesso de barcos em 0,3%
da área protegida. Justamente em reentrâncias do litoral muito procuradas
pelos cetáceos para amamentar os filhotes e nadar tranquilamente. Mas mesmo
com uma restrição tão pequena perto de toda extensão da APA muitos
empresários do setor de turismo de observação reclamaram, envolvendo até o
governo do estado na tentativa de revogar a norma do Ibama.
Para as avistagens por terra, existem três agências avalizadas pela
entidade: “Vida, Sol e Mar”, “Adventure” e “Veleiro Camacho”. Elas cobram
entre 20 e 30 reais por passeio para cada pessoa. Mas é possível caminhar
sozinho. Os mirantes são acessíveis por simples caminhadas, que não passam
de 40 minutos, e têm como pano de fundo uma paisagem incrível.
Conservação como atrativo
Para os hoteleiros que investiram nas demais cidades da região, é preciso
lutar contra os efeitos nocivos do turismo sazonal. As pousadas de Garopaba,
mesmo durante o período reprodutivo das baleias, sentem a debandada dos
visitantes logo findo o verão. Justamente o contrário do que acontece na
alta temporada. “As opções de hospedagem se multiplicam como cogumelos
depois da chuva”, acrescenta Maria Elisabeth. Essa realidade, no entanto, já
foi muito mais crítica. “Se você ligasse para procurar vagas nos meses de
junho e julho, tudo estaria fechado anos atrás. Hoje, você encontra lugares
de sobra. As baleias se tornaram, sim, um grande atrativo”, ressalta o
empresário Henrique Litman, proprietário de uma pousada e uma operadora de
turismo.
A virada se justifica, em grande parte, pelo trabalho perene de associações
e ambientalistas como os do Projeto Baleia Franca. A iniciativa completa 24
anos em 2006 e desde a fundação busca chamar atenção para o potencial
ecoturístico da observação das baleias, reforçando o impedimento dos
recursos não-letais. O presidente do IWC Brasil, José Truda Pallazo Jr,
aponta muitos ganhos nessa ampla “parceria”. No entanto, reforça a
importância de surgirem outros agentes transformadores. “Ainda se espera que
o projeto, por ser tão bem-sucedido, dê conta de tudo. Não podemos fazer o
papel dos órgãos de turismo, por exemplo”, adverte.
De fato, é consenso entre ambientalistas e operadores turísticos: essa
parceria entre projetos de conservação e desenvolvimento econômico ainda tem
aspectos muito improvisados. Sem um cais para embarcar, os hóspedes da
pousada do empresário Henrique Litman, na praia de Garopaba, precisam entrar
na água. No inverno gelado do Sul do Brasil, a medida não agrada os
turistas, definitivamente.
Entretanto, além da falta de um mirante estruturado para a avistagem, num
lugar onde existem dezenas de morros e colinas de excelente aproveitamento,
há deficiências na formação de guias especializados. “Precisamos aumentar o
número de novos profissionais para orientar corretamente quem vem”, alerta a
chefe da APA. Os guias são, geralmente, estudantes de ensino médio e
universitários, em busca de uma experiência para o currículo e, de quebra,
de um dinheirinho extra para o ano. Atualmente, existem pouco mais de 10
pessoas formadas pelo curso do Projeto Baleia Franca, reconhecido pela
Embratur. O presidente das Associações de Guias da Área de Proteção
Ambientais das Baleias, Júlio César de Oliveira, revela que, em breve,
estará formando mais uma turma de 20 pessoas para dar conta da temporada que
começa agora. “As baleias estão chegando e uma grande e promissora época
deve começar”.
(Por Fernanda Martorano Menegotto, jornalista de Florianópolis, atualmente
morando no Rio de Janeiro,
OEco, 05/08/2006)