A demanda ainda concentrada nas mãos da Petrobras e a queda dos preços praticados nos leilões de julho frearam o
desenvolvimento do mercado de biodiesel no país e em grande medida desanimaram empresas de óleos vegetais que têm
projetos de construção de usinas em andamento.
A paulista Granol, por exemplo, dilatou seu cronograma de investimentos na área. "Uma empresa ofereceu preços muito
baixos no último leilão, o que nos desestimulou a produzir e comercializar o biodiesel", afirma Diego Ferrés, sócio-diretor da
Granol. A empresa conclui em setembro uma usina em Cachoeira do Sul (RS), que produzirá 100 milhões de litros por
ano - volume arrematado pela Petrobras nos leilões anteriores. Outra unidade com mesma capacidade, que seria implantada
em março de 2007 em Anápolis (GO), fica engavetada. "O investimento dependerá do próximo leilão", diz.
Celso Carlos dos Santos Junior, superintendente comercial e industrial da Cocamar, cooperativa de Maringá, também diz-se
"frustrado" com o resultado do último leilão. "Nossa idéia era entrar no negócio já em 2007, mas o preço do produto não é
bom o suficiente para justificar investimentos. Agora estamos pensando só em 2008, perdemos a pressa", afirma.
Antonio Cesar Salibe, diretor executivo da União das Destilarias do Oeste Paulista (Udop), observa que as usinas associadas
também têm projetos na área de biodiesel que se mantêm engavetados por conta da queda nos preços do produto ao longo
dos leilões.
Cesar Borges de Sousa, vice-presidente da Caramuru, observa que o biodiesel é vendido para a Petrobras a preço fixo durante
um ano e meio e concorre diretamente com o óleo de soja exportado, vendido a preços de mercado. "As indústrias têm que
apostar em um câmbio, em uma previsão de preço internacional e fazer negociações financeiras que garantam, com a venda
do biodiesel, a mesma rentabilidade da venda do óleo".
A Caramuru tem projeto para instalar uma usina em Itumbiara (GO), com capacidade para 110 milhões de litros por ano. No
último leilão da Petrobras, arrematou a venda de 30 milhões de litros.
Até agora, as empresas que fecharam os menores lotes nos leilões da Petrobras foram as empresas que tradicionalmente
atuam no setor - como Agropalma, Caramuru, Barrálcool, Granol. "Enquanto os preços são regulados por leilões, não se
pode ter idéia de como vai ser esse mercado. Por isso as indústrias preferem manter o foco em seus mercados tradicionais",
afirma Marcello Brito, diretor comercial da Agropalma.
Além do preço fixado, as indústrias reclamam a dificuldade de competir com as empresas que têm o selo social - no caso,
as que produzem biodiesel a partir da mamona com agricultores familiares e têm redução tributária.
Arnoldo Campos, coordenador do Programa de Biodiesel pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, reconhece que o projeto
do governo federal procurou estimular a agricultura familiar.
Por isso, as indústrias instaladas no Nordeste ofertaram mais biodiesel e a preços mais baixos nos leilões. O preço médio
do biodiesel caiu 8,3%, de R$ 1,91 para R$ 1,75. Segundo estudo do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada
(Cepea/Esalq), o custo de produção do biodiesel varia de R$ 0,90 por litro a R$ 2,21, dependendo da matéria-prima e da
região é produzido. Os custos mais altos concentram-se no Sudeste.
"O governo preferiu colocar um preço-teto confortável e deixar que as empresas definissem os preços. São as próprias
indústrias que ofertaram a valores mais baixos", afirma Campos. Ele observa também que, em função do grande volume de
investimentos na área, o governo estuda tornar obrigatória a mistura de 2% já em 2007 e a mistura de 5% para 2010. "Os
projetos de usinas somam uma capacidade de quase 2 bilhões de litros. A resposta do setor produtivo foi muito mais intensa
que o esperado pelo governo federal", diz Campos.
A capacidade produtiva acima do esperado ocorre principalmente no Nordeste. Nos quatro leilões realizados pela Petrobras,
as empresas dessa região arremataram 318 milhões de litros, quando a demanda local é por 115 milhões. Campos diz que o
custo para transportar o biodiesel do Nordeste para a região Centro-Sul será absorvido pela Petrobras. "Já sabíamos que
isso aconteceria".
Outro fator de pressão para as indústrias de óleos tem sido o avanço da Petrobras na produção do H-Bio (uma mistura de
10% de óleo vegetal no diesel). A empresa fez adaptações em refinarias do Rio de Janeiro, Paraná e São Paulo para produzir
425 milhões de litros do produto em 2007. Sillas Oliva Filho, gerente de comércio de álcool e oxigenados da Petrobras, diz
que a empresa também fará adaptações em refinarias de outros estados. "O H-Bio vai substituir o diesel. Não representa
concorrência direta ao biodiesel."
(Por Cibelle Bouças e Betina Barros,
Valor Online, 04/08/2006)