O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), em sua 42ª Reunião Plenária, realizada no último dia 27, aprovou uma resolução criando um Grupo de Trabalho para discutir medidas visando a implementar o artigo 31 da medida provisória (MP) 2.186-16/01, que exige o certificado de procedência legal para a concessão de patentes biotecnológicas pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial(INPI).
O certificado de procedência legal nada mais é do que a exigência de que o interessado em uma patente biotecnológica apresente ao INPI a autorização de acesso a patrimônio genético expedido pelo CGEN para que seu pedido seja analisado. A autorização do conselho atesta que o acesso que resultou naquele pedido contou com o consentimento prévio informado do provedor do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional (quando for o caso), bem como a repartição de benefícios derivados do seu uso comercial.
Esse é o principal mecanismo defendido por países em desenvolvimento na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) para criar um regime internacional de repartição de benefícios que impeça a privatização de seus recursos genéticos por países desenvolvidos, já que não existe nenhum mecanismo internacional que os obrigue a cumprir a legislação dos países provedores.
Casa de ferreiro, espeto de pau...
O Brasil, embora tenha aprovado o certificado de procedência legal na legislação nacional (art. 31 da MP nº 2.186-16/01) e seja um dos seus mais ativos defensores na CDB, não o implementa, como atesta o estudo feito pelo ISA no banco de patentes do INPI. O trabalho faz parte da Iniciativa Andino-Amazônica para Prevenção da Biopirataria, uma articulação sulamericana de organizações não-governamentais e instituições de pesquisa para discutir o assunto, da qual o ISA é o parceiro no Brasil.
Da amostra de pedidos de patente levantada no estudo, menos de 10% indicam a origem do material genético ou do conhecimento tradicional acessado. Nenhum pedido de patente analisado conta com autorização do CGEN.
O objetivo do GT criado pelo CGEN é discutir medidas práticas que viabilizem a criação de procedimentos conjuntos entre CGEN e INPI que permitam, com baixo custo administrativo, estabelecer um regime de controle de patentes que derivam de acesso a patrimônio genético e conhecimento tradicional associado, para que haja meios de rastrear se houve a devida repartição de benefícios com quem de direito.
A iniciativa é fundamental também para que o Brasil ganhe credibilidade no cenário internacional, na medida em que sua posição de negociação frente a outros países resistentes à idéia do certificado se fragiliza diante da própria incapacidade e inércia para implementá-lo em nível doméstico.
Conselheiros cerceiam participação da sociedade civil no GT
O CGEN é um conselho que não conta com a participação da sociedade civil como membro com direito a voto. Organizações não-governamentais, sociedades científicas e representantes do setor privado podem participar, mas na qualidade de observadores convidados, com direito apenas a voz. A falta de participação da sociedade civil tem sido um problema constante tanto nos trabalhos do CGEN como na discussão sobre a nova legislação de acesso, que permanece sendo discutida a portas fechadas na Casa Civil.
Embora a iniciativa para discutir a implementação do art. 31 da MP tenha partido do estudo do ISA, durante a última plenária os conselheiros gastaram praticamente toda a manhã discutindo se a sociedade civil deveria ou não participar do Grupo de Trabalho, e em que medida.
Os ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) foram os mais resistentes à idéia, do pressionando por um grupo restrito apenas a membros de governo. O ISA, representando a Associação Brasileira de Organizações não- governamentais (ABONG), defendeu a ampla participação de quaisquer organizações interessadas no tema, principalmente aquelas ligadas à defesa dos direitos de povos indígenas e comunidades locais diretamente afetadas pela discussão.
Depois de muita pressão dos convidados observadores, que incluíam também a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o Ministério Público Federal (MPF) e a Federação Brasileira da indústria Farmacêutica (Febrafarma), o CGEN decidiu permitir a participação da sociedade civil no GT, mas restrita apenas aos membros observadores já reconhecidos, que atualmente somam 11 organizações de diferentes setores. São elas:
• Associação Brasileira das Empresas de Biotecnologia-ABRABI;
• Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente-ABEMA;
• Associação Brasileira de Organizações não Governamentais-ABONG;
• Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável-CEBDS;
• Conselho Nacional dos Seringueiros-CNS;
• Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas-CONAQ;
• Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira-Coiab;
• Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica-Febrafarma;
• Fórum Brasileiro de Organizações não Governamentais e Movimentos Sociais para Meio Ambiente-FBOMS;
• Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência-SBPC;
• Ministério Público Federal-MPF.
A participação de outras organizações do terceiro setor ou representantes de povos indígenas e comunidades locais que não tenham status de membros observadores fica assim prejudicada.
Isso denota mais uma vez a tentativa lamentável de cercear a participação da sociedade civil organizada em uma discussão de tamanha importância para a implementação de um sistema transparente e democrático de acesso a recursos genéticos, repartição de benefícios e proteção de conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade.
(Por Fernando Mathias,
ISA, 03/08/2006)