O governo brasileiro está concluindo a segunda petição que entregará na próxima sexta-feira (11/8) à Organização Mundial do Comércio (OMC), em contencioso proposto pelas Comunidades Européias (CE) contra restrições do país à importação de pneus reformados. Nesse documento, será contestada a tese das CE com a argumentação de que a proibição à importação de pneumáticos remoldados é uma medida de caráter exclusivamente ambiental e de saúde pública. No dia 4 de setembro acontece a segunda audiência do painel da OMC, em Genebra, na Suíça, para analisar a questão.
O Brasil proíbe a importação de pneus reformados para reduzir os volumes de resíduos. Não o faz para discriminar reformados importados, nem para proteger sua indústria de pneus novos (caso contrário, teria de restringir a importação de pneus novos) ou ainda para proteger reformadores nacionais (o uso de matéria-prima nacional aumenta os custos de produção, pois carcaças estrangeiras são mais baratas). Não se trata, portanto, de uma medida protecionista ou de caráter comercial. Essa é a base da defesa brasileira, conforme documentos do Brasil, disponíveis no endereço eletrônico do
Ministério de Relações Exteriores, apresentados durante a primeira audiência do painel da OMC, entre 5 e 7 de julho. As CE optaram por manter em sigilo suas petições e demais documentos referentes ao caso.
O pneu reformado tem um ciclo de vida útil menor. O pneu de um carro de passeio, por exemplo, só pode ser reformado uma vez. Isso significa que, se a tese européia prevalecer na OMC, o pneu reformado na Europa será exportado para o Brasil e, depois de usado, se transformará em lixo, sem possibilidade de reforma. "Um país se beneficia da reforma apenas se reformar pneus consumidos dentro do seu território. Ao reformar e exportar seus pneus, as CE reduzem seu próprio passivo ambiental, mas não o do Brasil", diz um trecho da Sustentação Oral apresentada pelo governo brasileiro na primeira audiência do painel. O fim das restrições brasileiras beneficiariam os países da Europa, não apenas na redução do volume de resíduos, mas no incremento da indústria européia de reformadores, na geração de empregos e nos ganhos que a exportação de pneus reformados poderiam gerar.
Inteiros, os pneus depositados ao ar livre tornam-se criadouros ideais para mosquistos transmissores de doenças, como dengue, malária e febre amarela. O coordenador do Programa Nacional de Controle da Dengue do Ministério da Saúde, Giovaninni Evelim Coelho, falou na primeira audiência do painel da OMC e destacou que borracharias e depósitos de pneus novos, usados e reformados são reconhecidos como "pontos estratégicos", em função do alto potencial de disseminação dos mosquitos da dengue. Eles são inspecionados e fumigados a cada duas semanas por agentes do programa.
Segundo Coelho, o aumento dos volumes de pneus em áreas urbanas pode promover a urbanização da febre amarela, o que "seria um desastre de saúde pública" para o país. O risco é tão alto, de acordo com ele, que a Organização Mundial da Saúde (OMS) listou recentemente o Brasil entre os países das Américas onde há o maior risco de transmissão da doença. Na audiência, Coelho defendeu que as restrições à importação de pneus reformados são "fundamentais para a Política Nacional de Saúde Pública do Brasil".
O diretor de Qualidade Ambiental do Ibama do Ministério do Meio Ambiente, Marcio Rosa Rodrigues de Freitas, também participou da audiência e explicou que os pneus, assim como baterias, embalagens de agrotóxicos e lubrificantes, são considerados resíduos especiais no Brasil. São classificados assim por representarem sérios riscos para o meio ambiente e por exigirem um processo complexo e difícil de coleta e destinação final. A acumulação de resíduos de pneus, salientou Freitas, aumenta o risco de incêndio e a sua queima descontrolada constitui "uma catástrofe ambiental". O ar, o solo e os lençóis freáticos são contaminados e permanecem assim durante anos. Nos aterros, existe a possibilidade de lixiviação de substâncias perigosas e de danificação da camada de solo de cobertura.
Freitas deixou claro que o Brasil não considera a exportação de resíduos de pneus como um método ambientalmente adequado de destinação final. Ele explicou que a base da política de gestão de resíduos de pneus brasileira está concentrada na Resolução 258, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que obriga os fabricantes e importadores a darem destinação final para cinco pneus inservíveis para cada quatro produzidos ou importados, e pela Portaria Nº8/2000 da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MIDC), que proíbe a importação de pneus reformados e usados.
O objetivo dessa política, segundo Freitas, é reduzir o máximo possível as quantidades de pneus a serem coletadas e destinadas, o que, num país de extensão territorial como o Brasil, "constitui um desafio". Quanto à destinação, ainda não foi encontrada uma alternativa satisfatória. A queima em incineradores e fornos de cimento, que poderia ser uma saída para eliminar grandes quantidades de resíduos, emite substâncias extremamente tóxicas, como as dioxinas, que mesmo em quantidades pequenas se acumulam no tecido adiposo e podem causar câncer. O uso da borracha na mistura do asfalto e a reciclagem, que exige uma nova vulcanização da borracha do pneu, apresentam custos extremamente elevados. "A política de gestão desses resíduos não pode ficar limitada apenas a medidas de coleta e destinação final. Se o direito do Brasil de manter a única medida de não-geração disponível não for reconhecido, o dano ao meio ambiente do país será imenso e irreversível", disse o diretor do Ibama.
Aumentar o passivo ambiental do Brasil, nesse caso, significa aumentar o lixo em território brasileiro. E mais: um lixo que oferece riscos à saúde pública e ao meio ambiente e para o qual ainda não foi encontrada destinação segura. A própria União Européia (UE), que quer exportar seus remoldados para o Brasil, não deposita mais pneus triturados em aterros desde 16 de julho, seguindo sua legislação ambiental. Aliás, os aterros já estavam vetados para pneus inteiros desde 2003 nos países europeus.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, esteve presente na abertura da audiência do painel, em julho. Ela fez uma introdução à apresentação do Brasil e chamou a atenção para o fato de que o país já gera uma quantidade significativa de pneumáticos capazes de alimentar a indústria de reforma. Marina Silva, em seu discurso, reforçou o argumento de que a proibição de importação de pneus reformados constitui um instrumento de política ambiental necessário para evitar a geração de resíduos que o Brasil não tem condições de absorver. A ministra disse também que países da UE foram pioneiros na adoção de princípios ambientais, que vêm sendo incorporados por países em desenvolvimento, como o Brasil, e destacou a importância da UE manter coerência na sua postura no contencioso da OMC. "Apesar de o Brasil não negar os efeitos restritivos da medida sobre o comércio, o sistema multilateral assegura o direito dos membros de proteger a saúde de sua população e o meio ambiente", disse a ministra. A iniciativa de Marina Silva foi pioneira. Nunca um chefe de estado brasileiro tinha participado da abertura de um painel da OMC.
Leia o manual:
Pneus, um problema ambiental e de saúde pública.
(Por Marluza Mattos, Ministério do Meio Ambiente, 03/08/2006)
http://www.mma.gov.br/ascom/ultimas/index.cfm?id=2715