A Baesa – Energética Barra Grande S.A., nossa velha conhecida, – acaba de ser condenada em primeira instância em uma ação civil pública (Proc. nº 038/1.05.0005095-8) ajuizada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul. Em julho de 2004, uma carreta que transportava chapas de aço para a construção da usina hidrelétrica da empresa virou em um riacho perto da cidade gaúcha de Pinhal da Serra, derramando óleo e outros poluentes na água. A condenação foi de R$ 24 mil. Justa?
Dois pesos, duas medidas
A questão pode ser complexa. Antes de mais nada, é preciso que se diga que, em caso de dano ambiental, a responsabilidade do causador insere-se no que em “juridiquês” se chama de responsabilidade objetiva. Na prática, isso quer dizer que o responsável pela conduta causadora do dano responde por ele independentemente de culpa ou dolo.
Nesse caso específico, a Baesa responde porque o motorista do caminhão prestava serviços para ela quando causou o acidente, ou seja, agia como seu representante. A empresa, em compensação, pode cobrar dele a quantia que, eventualmente, venha a ser obrigada a pagar.
Há dois principais fatores a serem postos na balança quando da fixação de uma condenação judicial. Para quem não é do ramo, vale uma breve explicação aqui. A pena (em sentido amplo, de condenação judicial) tem um duplo papel na solução dos problemas sociais. Seu primeiro objetivo é sanar ou indenizar (nos casos em que a restituição da situação original não for possível) os danos injustamente causados a alguém. Por outro lado, possui o chamado caráter pedagógico, que significa desestimular que aquela conduta ilícita volte a ser praticada. Normalmente se faz isso batendo onde dói mais: no bolso.
A quantia a ser imposta através de condenação, ou de multa (aquela sanção judicial, esta administrativa) deve variar, portanto, enormemente, dependendo de quem for o causador do dano. É por isso que, em 2000, quando a Petrobras, por desleixo, permitiu que vazassem para a Baía de Guanabara mais de 13 milhões de litros de óleo cru, no décimo segundo vazamento em suas instalações em menos de um ano, o Ibama multou-a, corretamente, em R$ 50 milhões. Trata-se de uma quantia considerável, até mesmo para uma empresa como a Petrobras (que pagou a multa, adiantado). Ou seja, ela sentiu o peso do seu descaso.
No Reino Unido, por exemplo, se discute até hoje justamente como tornar mais eficientes as sanções impostas por danos ambientais. Em um recente estudo encomendado pelo próprio governo, descobriu-se que o país apresenta falhas graves na forma como aplica sua legislação ambiental.
O Reino Unido praticamente não dispõe de sanções administrativas a serem aplicadas em caso de dano ambiental. Quase não há possibilidades de um órgão ambiental multar alguém por esse tipo de ilícito, como fazem por aqui o Ibama e os órgãos ambientais estaduais e municipais. O efeito disso é que todo e qualquer caso de dano ambiental acaba na justiça que, por melhor que seja, é lenta.
A experiência do Reino Unido
Outro ponto descoberto no trabalho, mais próximo da questão tratada nesta coluna, é a inadequação das condenações judiciais. Entre os exemplos citados no relatório, está o de um homem que foi multado em £ 30 mil (30 mil libras) por ter despejado barris de lixo tóxico em local inadequado. Pelo serviço, ele recebera £ 58 mil, e as autoridades sanitárias gastaram £ 167 mil para limpar o local. No fim das contas, o sujeito ganhou £ 28 mil para cometer um crime ambiental, com o aval das autoridades competentes.
Outro caso emblemático, também usado como exemplo no relatório, é o de uma empresa de lixo que foi multada em £ 25 mil por estar operando há dois anos sem licença. Nesse mesmo período, justamente por operar sem licença, a empresa economizou £ 250 mil. Ganhou £ 225 mil com a sua “esperteza”.
O quadro oposto é igualmente ineficiente. Em 2001, dois estudantes que se perderam dentro do Parque Nacional do Itatiaia utilizaram o folheto do próprio parque para fazer uma fogueira (o mesmo que avisa sobre a proibição de se fazer fogo no local) e acabaram causando um incêndio e queimando mais de 600 hectares do parque. Foram, inicialmente, multados em R$ 900 mil. Se a multa fosse mantida — e não convertida em penas alternativas, como acabou acontecendo — teria sido absolutamente ineficaz. Eles não teriam como pagar a multa e tudo ficaria por isso mesmo.
Proporcionalidade, portanto, é a chave para a eficácia.
Pelo que se entende da leitura da petição inicial da ação civil pública ajuizada pelo MP, os danos ambientais foram, dentro do possível, sanados naturalmente; o meio ambiente local em grande parte se recompôs sem maiores conseqüências; e a Baesa não contribuiu diretamente para o acidente.
Diante desse quadro, R$ 24 mil são uma quantia razoável? Nesse caso específico me parece que sim, o que condiz com a maioria das sanções ambientais judiciais e administrativas aplicadas no Brasil.
Há, também, as aberrações. Mas estas devem ser tratadas uma a uma, na medida em que aparecerem.
(Por Rafael Corrêa,
O Eco, 03/08/2006)