A Avaliação Ambiental Integrada dos Aproveitamentos Hidrelétricos (AAI) da Bacia do Rio Uruguai foi apresentada ontem (03/08) em uma reunião técnica em Porto Alegre. O encontro aconteceu no Hotel Blue Tree Towers e contou com a presença de representantes dos governos estadual e federal, técnicos, pesquisadores e ambientalistas. Hoje (04/08), acontece reunião em Florianópolis, no Bristol Multy Castelmar Hotel.
O estudo é resultado de um Termo de Compromisso firmado em 15 de setembro de 2004 entre os empreendedores de Barra Grande S.A (Baesa), a Advocacia Geral da União (AGU) Ministério Público Federal (MPF), Ministério de Meio Ambiente (MMA), Ministério de Minas e Energia (MME) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
O documento estabelece que o MMA coordenaria a elaboração do Termo de Referência, e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), pertencente ao MME, executaria os trabalhos, por meio do Consórcio Themag - Andrade e Canellas - Bourscheid, vencedor de licitação.
.“Essa avaliação se deu por conta dos problemas de licenciamento [da usina hidrelétrica] de Barra Grande, mas já havia sido citada como importante para o setor elétrico”, explica o representante da EPE, Ricardo Furtado.
A Avaliação é considerada estratégica pelo Ibama, já que visa a estabelecer diretrizes técnicas a serem seguidas em futuros estudos socioambientais de aproveitamentos hidrelétricos. A representante do Ministério do Meio Ambiente, Moema Sá, explica que o estudo identificará áreas, mas não pontuará a viabilidade de empreendimentos. “A Avaliação Ambiental Integrada apenas define diretrizes”, esclarece. A previsão é de que os estudos estejam concluídos em sua totalidade até o final de outubro, depois das consultas públicas e de novos dados que possam vir a ser incorporados.
Conforme o Termo, o estudo foi motivado em razão de empreendimentos licitados antes da obtenção de licenciamento ambiental, além de um “alto potencial de impacto ambiental, afetando ecossistemas, bacias hidrográficas, sem avaliação de sinergias e interdependências”. O Termo também chama a atenção para a necessidade da otimização de energia elétrica e aponta a falta de trabalhos que articulem a área energética e a ambiental.
Ambientalistas acusam falta de transparência nos trabalhos
A geóloga Lúcia Ortiz, do Núcleo Amigos da Terra Brasil (NAT/Brasil), critica a realização de reuniões de caráter público apenas no interior dos estados, e não em Porto Alegre e em Florianópolis, onde as reuniões têm caráter técnico. “As audiências públicas no caso de Barra Grande só foram realizadas no interior. Se houvessem sido realizadas também nas capitais, com o envolvimento de diversos atores, se poderia ter evitado o crime ambiental de Barra Grande”, argumenta.
A ambientalista também condena a falta de divulgação das reuniões. Ela relata que técnicos e pesquisadores que atuam nas ONGs gaúchas não foram convidados para o encontro. “Várias pessoas solicitaram convite à Empresa de Pesquisa Energética, sem obter qualquer resposta. Isso mostra que as entidades têm, sim, interesse nesse assunto”. Exigiu também a realização de uma reunião pública em um “local adequado, não em um hotel fechado”.
O representante da EPE Ricardo Furtado rebate os argumentos da ecologista, afirmando que as reuniões técnicas não estavam previstas no estudo de Avaliação Ambiental Integrada, só os Seminários de Participação Pública. “Participei de um Seminário de Consulta Pública, e não houve uma pergunta sequer sobre o Termo de Referência. O que queremos com essa reunião é uma participação efetiva dos especialistas da região, do meio acadêmico, dos órgãos estaduais e no Ministério Público”, alega o técnico.
Furtado lembra que o conteúdo das reuniões será o mesmo em todos em encontros, e que as audiências do interior serão o momento de discutir o assunto com as entidades ambientalistas. “A resposta da EPE às ONGs é que elas teriam chance de se pronunciar nos seminários. Não é questão de desmerecer os técnicos das entidades. Até podemos fazer, junto com o MMA, um seminário público na capital, mas só na fase final”, diz ele.
Censuras semelhantes vieram do filósofo Vicente Medaglia, do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGa), que trouxe à tona a utilização de Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) e de seus respectivos Relatórios de Impacto do Meio Ambiente (Rimas) na Avaliação Ambiental Integrada. Para ele, utilizar os dados desses estudos põe em xeque a legitimidade dos trabalhos. “Foi dito que a base de dados, particularmente a biológica, foi feita em cima de EIA-RIMAs. Mas esses estudos estão sob completa suspeita. Haja vista Barra Grande, que é uma vergonha ambiental do Brasil”, lembra.
O ativista fez coro ao protesto de Lúcia sobre a transparência dos trabalhos. Medaglia crê na necessidade de audiências públicas para tratar do tema. “Estabelecer a importância de itens e índices é um processo arbitrário. Isso deve ser decidido pela população. Não é uma reunião de técnicos que vai dizer se é mais importante emprego por um ano ou a biodiversidade. Esses técnicos não representam a sociedade gaúcha, muito menos a brasileira”, avalia.
O técnico Manoel Domingues explica que o uso das informações de EIA-RIMAs se dá em função de que, onde já se tem lagos formados, não é possível estabelecer o percentual da vegetação que foi afetada. “Utilizamos essas informações para reservatórios formados. Para os atuais usamos imagens de satélites, com interpretações atuais. Os EIAs também servem para a indicação de famílias afetadas, que detalharam com maior firmeza esse número”, esclarece. A respeito da participação dos técnicos nos estudos, entende que a equipe, composta por mais de 30 profissionais, entre eles biólogos, engenheiros e sociólogos, representa, de certa forma, a sociedade.
O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e especialista em Botânica Paulo Brack considera importante a realização da Avaliação. Recorda que foi ponto levantado durante a Conferência Estadual do Meio Ambiente, tornando-se uma das demandas da sociedade. Entretanto, revela-se temeroso com o fato de a EPE executar os estudos. “Acredito que o MMA seria o órgão competente para realizar esse trabalho. A EPE é a principal interessada em empreendimentos hidrelétricos. Reconheço que a equipe é competente, mas não tem a isenção necessária”, julga o pesquisador.
A representante do Ministério do Meio Ambiente Moema Sá tenta dissipar o temor não só de Brack, mas também de entidades ambientalistas e de movimentos sociais quanto ao papel dos órgãos na condução dos estudos. Ela explica que o Termo de Compromisso incumbe o estudo à EPE, mas que o MMA acompanha os trabalhos “de perto” e aprovará o relatório final. A técnica destaca que essa integração entre os ministérios é fundamental, pois insere o meio ambiente no setor energético. “Isso é muito rico para a área ambiental. Se entregássemos o estudo pronto, não haveria reflexão e incorporação das problemáticas, como deve acontecer”, salienta Moema.
Entidades preparam considerações à EPE
Lúcia Ortiz relata que esse foi o primeiro contato “real” com a Avaliação Ambiental e que o assunto está começando a ser analisado, embora a preocupação com as hidrelétricas seja preocupação nas entidades. A ambientalista do NAT adianta que técnicos do InGa, com o apoio de diversas entidades ecológicas gaúchas, realizarão considerações a respeito dos estudos. O objetivo é enviá-las à EPE, com cópia para o Ministério Público e Ministério do Meio Ambiente. Lúcia justifica a preocupação com as cópias. “Já entramos em contato com a EPE várias vezes e, a resposta que vem é sempre algo do tipo ‘muito obrigado por sua participação’. Queremos ver se vai acontecer o mesmo”, afirma.
Os Seminários de Consulta Pública acontecem em Lages (SC), em 14 de agosto; em Chapecó (SC), no dia 15; em Erechim (RS), no dia 16; em Ijuí (RS), no dia 17; e encerram-se em Uruguaiana (RS), no dia 18 de agosto. A Avaliação Ambiental Integrada está disponível no site
www.epe.gov.br.
(Por Patrícia Benvenuti, 04/08/2006)