Por Alice Rayol *
O sistema de patentes tem como principal objetivo recompensar a inovação tecnológica e o esforço inventivo dos desenvolvedores de novas tecnologias, concedendo-lhes o direito de excluir terceiros de explorarem comercialmente sua invenção. O privilégio é concedido pelo governo de cada país, por um período limitado, durante o qual o inventor poderá explorar, de forma exclusiva, sua invenção. Após a extinção deste período, a patente cai em domínio público. Só então pode ser explorada por terceiros interessados.
O primeiro sistema de patentes data do século XV e constituiu o primeiro instrumento legal para a proteção do trabalho intelectual do homem. Contudo, desde este tempo a ciência avançou a passos largos. Vivemos atualmente a quarta revolução industrial, a revolução biotecnológica e nanotecnológica.
A biotecnologia constitui uma matéria extremamente polêmica nos aspectos éticos, políticos e religiosos, suscitando debates entre diversos seguimentos da sociedade por envolver a manipulação, pelo homem, de material vivo. Não menos polêmica é a área farmacêutica, por estar ligada ao acesso à saúde pela população. A área farmacêutica evolui em ritmo acelerado devido, em parte, ao advento das ferramentas biotecnológicas.
Por reunirem aspectos tão polêmicos, essas tecnologias não seriam menos controversas no que tange à área de patentes. Além das questões acima, deve-se considerar que, por serem ciências em constante evolução, resta ainda uma série de áreas legalmente indefinidas, pois o sistema legal não é capaz de acompanhar tais evoluções.
Atualmente, o sistema de patentes no Brasil é regido pela Lei nº 9.279, de 1996. Este diploma legal regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial e inclui disposições específicas para produtos farmacêuticos e biotecnológicos.
Neste momento, não é permitido que produtos isolados da natureza sejam patenteados no Brasil. A lei estabelece que o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda dela isolados, e os processos biológicos naturais não são invenções. Assim, qualquer substância isolada da natureza, mesmo tendo uma atividade farmacológica ou apresentando interesse industrial, não poderá ser patenteada. Conforme a lei, somente substâncias sintéticas, composições contendo as substâncias naturais, ou processos para isolamento das mesmas podem ser patenteados - a substância em si não.
Ainda segundo a Lei nº 9.279, seres vivos naturais são considerados descobertas, não havendo esforço inventivo por parte do pesquisador. Somente microorganismos geneticamente modificados podem ser patenteados. No Brasil, de acordo com as diretrizes de exame, somente são considerados microorganismos leveduras, bactérias e fungos. Células de animais e vegetais, mesmo geneticamente modificadas, bem como animais e plantas geneticamente modificados não são patenteáveis.
Apesar dos seres vivos pluricelulares (como os animais e plantas) geneticamente modificados não serem patenteáveis, o Brasil considera o processo para sua obtenção como invenção. Com relação às plantas geneticamente modificadas, sua proteção intelectual é dada por outra legislação, a Lei de Cultivares - Lei nº 9.456, de 1997. Esta legislação visa garantir os direitos intelectuais do melhorista quanto à exploração comercial de cultivares inovadoras, inclusive as geneticamente modificadas.
A partir de 1996, com a promulgação da Lei nº 9.279, as substâncias químicas e farmacêuticas passaram a ser patenteáveis. O antigo código da propriedade industrial não privilegiava substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como seus processos de obtenção ou modificação.
A nova lei reconhece o esforço e investimentos feitos para o desenvolvimento de uma nova substância farmacêutica/medicamento. Estima-se que o custo para o desenvolvimento de um medicamento seja de cerca de US$ 750 milhões e são necessários em torno de 16 anos de pesquisas e testes clínicos para que o medicamento possa ser comercializado. O privilégio concedido por uma patente constitui, então, uma merecida recompensa.
Vale mencionar que, de acordo com as disposições da Lei nº 10.196, de 2001, que altera a Lei nº 9.279, a concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos dependerá da anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O Brasil é o único país no mundo cuja concessão de patentes encontra-se vinculada a outro órgão que não o próprio escritório de patentes.
Como acima exposto, com o rápido avanço da biotecnologia e da área farmacêutica, torna-se impossível legislar sobre todos os aspectos e situações que vem surgindo nestes campos. Contudo, devemos ficar atentos às tendências globais sobre o patenteamento destas tecnologias, e também aos interesses internos do país, sem refrear o avanço tecnológico.
* Alice Rayol é analista técnica de biotecnologia do escritório Daniel Advogados
(
Valor Online, 03/08/2006)