Em 1970, 1% da Amazônia estava desmatada. Em 2006, 17% da floresta desapareceu. Em uma geração, 680 mil km quadrados de florestas foram eliminados. Para os cientistas do clima, a progressão do desmatamento gera uma questão perturbadora: quanta supressão de florestas o ecossistema agüenta sem desregular o regime de chuvas? "A umidade de São Paulo e as chuvas da Bacia do Prata, onde se concentra 70% do PIB sul-americano, vêm da Amazônia", diz o biogeoquímico Antonio Nobre, que trabalha no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
"A evaporação da floresta gera um ciclo de nuvens e de chuva que, ao baterem na Cordilheira dos Andes, descem para o Sul. Se você eliminar a floresta, eliminará a chuva. Não sabemos se com 25% de desmatamento a Amazônia funcionará. Toda a agricultura brasileira pode ser afetada. Pode faltar água em São Paulo", afirma Nobre.
Como a Amazônia se espalha por nove países, cabe à Organização do Tratado de Cooperação Amazônico (OCTA) estabelecer uma política para a mudança climática no continente. "Há três anos havia ceticismo, mas agora não há dúvida: o efeito estufa e as emissões de gás carbono na atmosfera mudaram o clima", diz o ex-deputado Fábio Feldman, ex-secretário do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. "O próximo relatório mundial do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas mostrará que a situação é bem pior do que se imagina."
A regulação do clima operada pela Amazônia, assim como a preservação das informações biológicas da biodiversidade, deveriam ser cobrados pelo país, afirma o empresário e banqueiro inglês Hylton Murray-Philipson, ex-CEO do Morgan Grenfell Bank no Brasil. Historicamente, os serviços e os recursos ambientais foram usados gratuitamente e ignorados pelos balanços comerciais, mas a situação global não é mais a mesma. "Quando o mundo tinha 1 bilhão de habitantes isso fazia sentido. Num mundo de 6,5 bilhões, que caminha para 7,5 bilhões, não é mais aceitável. A escala de consumo mudou", diz Philipson.
Enquanto os ingleses produzem e vendem serviços ambientais o Brasil não os valoriza. "Se o Brasil queima 2 milhões de hectares de florestas amazônicas por ano e cada hectare absorve 200 toneladas de gás carbono, todo o ano está emitindo 400 milhões de toneladas de gás".
Considerando que uma tonelada de carbono seqüestrado da atmosfera vale US$ 15 na Europa, só a retenção do carbono na Amazônia valeria US$ 6 bilhões por ano, calcula Philipson. "Está na hora de o Brasil negociar reduções compensadas do seu desmatamento para financiar a própria conservação da floresta", sugere.
Legislação desestimula pesquisa científica
A maneira mais segura de preservar uma floresta em pé é agregar valor às informações da biodiversidade e desenvolver biotecnologias. "Infelizmente, a legislação que regula a bioprospecção desestimula a pesquisa científica e as empresas produtoras de conhecimento", diz o botânico Ian Ghilian Prance.
Com a MP 2.186, o Brasil pulou de uma situação de zero lei para lei demais, sem escalas. "A legislação impõe prazos de um ano para a concessão de uma licença, ignora a diferença entre pesquisa científica e comercial e trata todo cientista como pirata", afirma o cientista. "Eu tenho 70 anos e não tenho tempo. Trabalhei 45 anos no Brasil, nunca tirei nada daqui ilegalmente e não gosto de ser acusado. Por isso fui trabalhar na Reserva de Yabuti, em Missiones, na Argentina."
Outra evidência de que a burocracia do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, que trata da matéria, não estimula as empresas é que em quatro anos de operação apenas quatro contratos comerciais foram firmados: com a Quest Brasil, a Extracta Moléculas, a Natura e a Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul. "Temos um problema de marco regulatório que precisa ser solucionado rapidamente", admite a secretária de Coordenação da Amazônia, Muriel Saragoussi. Já existe nova proposta de lei na Casa Civil da Presidência da República esperando para ser encaminhada ao Congresso. "Os primeiros rascunhos feitos pelo Ministério do Meio Ambiente eram assustadores, mas após várias modificações o projeto melhorou", diz o geneticista Charles Clement, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Aparentemente, a bioprospecção virou um totem ideológico. Criou-se a falsa expectativa de que todo gene tem valor, quando quase todos não têm. Segundo Clement, das 15 mil plantas da Amazônia, só 4 mil são usadas e só 50 têm mercado. "Há uma bioparanóia imensa. Todos esperam ganhar dinheiro de tudo ou qualquer coisa. A lei exige apresentação de contrato antes da prospecção, o que é surrealista, e não resolve o problema da repartição dos benefícios derivados dos conhecimentos tradicionais", diz o pesquisador do Inpa.
Clement é um dos fundadores da Associação de Biotecnologia da Amazônia (ABA), criada na semana passada para cuidar da gestão do Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), conjunto de 11 laboratórios com 140 cientistas e técnicos que pretendia dinamizar a biotecnologia amazônica em 2001. Cinco anos depois, os ministérios do Desenvolvimento, do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia ainda não chegaram a acordo sobre o modelo de gestão para a instituição. Caberá à ABA defini-lo. Se tudo der certo, o CBA começa a funcionar em 2007.
(Por Ricardo Arnt,
Valor Online, 01/08/2006)