Mais de R$ 1,5 bilhão em projetos de saneamento emperrados por disputas políticas
2006-08-02
Uma montanha de R$ 1,5 bilhão, que poderia estar financiando obras de saneamento básico no país, está parada nos cofres do Ministério das Cidades por causa de disputas políticas nos municípios. Para evitar que inimigos políticos se beneficiem das verbas públicas e ampliem o cacife junto à população, sobretudo neste ano eleitoral, vários projetos estão parados nas câmaras de vereadores sem perspectivas de votação. As cidades mais prejudicadas estão nos estados do Ceará, com empreendimentos avaliados em R$ 464,8 milhões, em São Paulo, com R$ 405,6 milhões, e no Maranhão, com R$ 218 milhões. No Distrito Federal um caso envolveu R$ 175,8 milhões. "Não é possível que obras tão importantes fiquem paradas por questões partidárias", diz o ministro das Cidades, Márcio Fortes.
Por temer que esse dinheiro acabe encalhando de vez, o ministro estuda uma forma de desvincular ao máximo as verbas de saneamento básico de questões partidárias. Uma das alternativas é liberar os municípios da apresentação da contrapartida de 20% do projeto prevista em lei. A justificativa do ministro é simples: sem essas contrapartidas, as prefeituras não teriam que submeter os projetos ao Legislativo, pondo fim às brigas políticas. O que pesaria na aprovação dos empreendimentos seria a capacidade técnica dos municípios de tocarem as obras. Os maiores beneficiados seriam os moradores dessas localidades, tão carentes de água encanada e de sistema de esgoto tratado. "É possível, sim, afrouxar a exigência dessas contrapartidas", afirma Fortes.
Na avaliação do ministro, mesmo nos municípios em que não há guerra política, o afrouxamento das regras de contrapartida facilitará o escoamento das verbas disponibilizadas para saneamento básico, diante das dificuldades financeiras das prefeituras de fazer os desembolsos exigidos para as obras. A prefeitura de Magé (RJ), por exemplo, sofre com a falta de recursos. Tem R$ 10 milhões para receber do Ministério das Cidades, mas não dispõe dos R$ 2 milhões para dar como contrapartida ao governo federal. "Não é justo que a população desta e de outras cidades sejam prejudicada", ressalta.
Muitos problemas O ministro reconhece, porém, que os embates políticos e o caixa apertado das prefeituras não são os únicos entraves para que as verbas de saneamento sejam liberadas pelo governo. Também há pendências ambientais, fundiárias e jurídicas. "Há um emaranhado de questões que acaba impedindo a liberação de recursos. Mas estamos trabalhando para superar os entraves", ressalta. No caso das obras embargadas por problemas ambientais, conta Fortes, o ministério já encontrou uma brecha. Os municípios que não conseguirem licenças para determinados empreendimentos poderão transferir as verbas aprovadas para outros projetos sem restrições. Assim, as cidades não deixam de ser atendidas. "Já comunicamos as prefeituras que apresentem projetos alternativos aos que foram embargados por problemas ambientais", destaca Fortes.
Esse tipo iniciativa, alega o ministro, é mais do que justificável em um país onde 82 milhões de pessoas vivem sem esgoto, 43 milhões sem água potável e 14 milhões ainda não dispõem de coleta de lixo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada real investido pelo governo federal em saneamento, há uma economia de R$ 4 nos gastos da saúde. "Portanto, não podemos ficar parados", alega. Essa justificativa se torna ainda mais consistente uma vez que o dinheiro disponibilizado para obras de saneamento e não utilizado pelos municípios acaba indo engordar o superávit primário, economia que o governo faz para pagar os juros da dívida pública.
Fortes lembra ainda que a liberação de recursos para obras de saneamento, em um governo com Orçamento tão apertado, exige uma negociação árdua com a equipe econômica. No ano passado, ele brigou por meses seguidos por uma autorização para gastar R$ 2,2 bilhões no setor. Portanto, não considera justo que, depois de tanto esforço e desgaste, as verbas fiquem paradas. Além disso, acrescenta o ministro, mesmo depois da autorização para os gastos há um processo demorado para a contratação dos recursos. "É como fazer uma maratona com obstáculos, na qual se pode chegar ao final sem conseguir nada", diz.
Dinheiro para casa própria
O Ministério das Cidades quer mais recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para subsidiar a compra da casa própria por famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos (R$ 1.750). O orçamento previsto para este ano é de R$ 1 bilhão. Mas até junho, R$ 833 milhões haviam sido liberados. Para reforçar o caixa, o ministro Márcio Fortes vai solicitar, na próxima reunião do Conselho Curador do FGTS, marcada para o dia 14 de agosto, uma linha adicional de até R$ 400 milhões. O déficit habitacional está concentrado (92%) justamente entre as famílias que recebem até cinco salários mínimos. Em 2001, 51% dos recursos do FGTS eram destinados para a população com renda de até cinco salários mínimos. Entre 2005 e 2006, esse número passou para 85%.
Segundo o ministro, o governo vem trabalhando para facilitar o acesso das famílias a esse tipo de subsídio. Deve contribuir no processo o fato de que os bancos estão aprendendo a lidar com a população de classe mais baixa. Para Fortes, esse público deve ter um tratamento diferenciado. Por exemplo, o governo promoveu alterações nas exigências no crédito solidário - permite uma prestação baixa, sem juros e um financiamento direto aos mutuários em 240 meses - para fazer o programa engrenar, principalmente nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. "São pessoas simples (clientes do programa). O banco é um agente financeiro, mas tem que seu lado social", disse. (ES e VN)
Deputados distritais atrasam obras
As disputas políticas no Distrito Federal atrasaram por mais de um ano projetos de saneamento básico avaliados em R$ 175,8 milhões. Esse dinheiro já deveria estar aplicado em obras de tratamento de esgoto e para levar água encanada à população de Águas Lindas de Goiás. Mas só agora a licitação para a contratação dos serviços foi colocada nas ruas.
Originalmente, os projetos deveriam constar no Orçamento do Distrito Federal de 2006 - discutido ao longo do ano passado-, uma vez que o governo local teria que entrar com uma contrapartida de recursos para o empréstimo de R$ 96 milhões liberado pelo Ministério das Cidades por meio da Caixa Econômica Federal. Mas a Câmara Distrital se recusou a aprovar as verbas, cerca de R$ 40 milhões, alegando que Águas Lindas pertence a outro estado. Portanto, não haveria porque empenhar dinheiro do DF para beneficiar um município goiano.
Com o intuito de evitar o uso desse dinheiro em outros fins e garantir a execução das obras de saneamento, o governo do DF vetou todas as emendas feitas pela Câmara Distrital. E, para não perder os prazos para acessar os recursos disponibilizados pelo ministério, criou uma rubrica especial no Orçamento que está em vigor, no valor de R$ 20 milhões.
Questão de saúde
A alegação do governo distrital é de que as obras, que também terão contrapartida de quase R$ 40 milhões de Goiás, são fundamentais para garantir a qualidade da água que chega no DF. Sem saneamento em Águas Lindas, há um risco enorme de se destruir a principal fonte de abastecimento da capital, a Bacia do Descoberto, que fica muito próxima à cidade goiana.
O GDF ainda defende a parceria com o governo de Goiás, por uma questão de saúde pública. A falta de saneamento em Águas Lindas é uma das principais causas das doenças na cidade. Como o sistema de atendimento hospitalar no município praticamente não existe, toda a população doente acaba se dirigindo aos hospitais do Distrito Federal, resultando em um custo altíssimo para o governo local.
A meta da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) e da Companhia de Saneamento de Goiás (Saneago), responsáveis pela execução dos projetos, é concluir a licitação até o final deste ano e iniciar as obras, bastante atrasadas, ainda no início de 2007.
(Por Vicente Nunes e Edna Simão, Correio Braziliense, 01/08/2006)
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