Há oito meses convivendo com racionamento de água, moradores de Bagé, na Campanha, mudam rotinas e vivem dias de
incerteza.
Pelo menos três vezes por semana, Airton Rodrigues, 41 anos, repete uma cena que pode ser confundida com o dia-a-dia do
árido sertão nordestino do Brasil. Aos solavancos, ele percorre quatro quilômetros em uma carroça para chegar ao seu
destino: uma bica de água. Enche garrafas de plástico para o abastecimento da casa e as carrega como se fossem um troféu.
- A gente tem de garantir a água, né? Sem ela não tem como viver - diz o auxiliar de serviços gerais, que só encontra
escassos jatos de água nas torneiras de sua casa no início da manhã.
Em vigor desde dezembro passado, o racionamento de 18 horas - a água só é distribuída seis horas por dia em horários
diferentes para três partes da cidade - mudou a rotina dos 120 mil moradores do município.
Para a diretora do Departamento de Água e Esgoto do município (Daeb), Estefania Damboriarena, as falhas na rede de
distribuição e a falta de controle sobre o consumo aumentam os problemas:
- Estamos instalando 10 mil hidrômetros na zona urbana. Esperamos baixar o consumo, já que produzimos água para uma
cidade com 190 mil pessoas.
Das 35 mil residências da cidade, apenas 12 mil têm medidores de consumo. A sucateada rede de distribuição, com muitos
vazamentos, é outro fator que contribui para o desperdício. Mas é a falta de controle que gera abusos: de cada 10
consumidores, quatro não pagam as contas de água.
- Temos projeto de uma nova barragem, mas isso vai ocorrer a médio prazo. Precisamos nos conscientizar sobre a
importância de não jogar água fora - salienta Estefania.
A professora Marli Gonçalvez Pires, 43 anos, já aprendeu a lição e racionaliza o uso da água. Mas tem medo de que a
situação se agrave.
- É complicado. Há dias temos de tomar banho de balde. A água que vem de fora (da rede de distribuição) é tão fraca que não
chega aos canos do chuveiro - conta a professora, que gasta R$ 30 por mês com a compra de água mineral para a família.
Histórico da estiagem
> Desde janeiro de 2006, choveu 723 milímetros em Bagé, quantidade inferior à média histórica para o período, que é de 1.129
milímetros
> Seriam necessários, pelo menos, 400 milímetros de precipitação nos próximos meses para regularizar a situação
> Das três barragens que abastecem a cidade, apenas uma opera normalmente, a Emergencial. A da Sanga Rasa está há
oito metros abaixo do nível normal e está desativada. A barragem do Piray está 3,5 metros abaixo do limite mínimo
> Uma pedreira particular, que desde maio auxilia no abastecimento da cidade, secou. Um novo local começa a ser explorado
esta semana, mas só deve fornecer água por 90 dias
> Três caminhões-pipa (dois do Daeb e um do Corpo de Bombeiros) distribuem água para os pontos mais altos da cidade
onde a água não consegue chegar
(Por Leandro Belles,
Zero Hora, 31/07/2006)