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2006-07-31
Imagine uma corrida de Fórmula 1 em uma pista esburacada. É o equivalente a isso que vai acontecer quando velejadores forem disputar provas dos Jogos Pan-Americanos de 2007 na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Os atletas vão deparar com detritos que emporcalham um dos mais belos cartões-postais da cidade, como sacos plásticos, pedaços de isopor, lascas de madeira e outras formas de lixo flutuante - o que prejudica o desempenho das regatas, tornando-as mais lentas. Resultado de agressões ambientais diárias sofridas pela baía, que recebe cerca de 20.000 litros de esgoto por segundo, a sujeira no caminho dos velejadores mostra que o meio ambiente virou um problema a mais para a já conturbada organização do Pan. De quebra, expõe o fracasso do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, o mais ambicioso projeto ambiental que já se tentou no estado. E põe o Rio na singular situação de cidade litorânea admirada no mundo inteiro mas com restrições à prática de esportes náuticos.

Mais do que um obstáculo para os atletas, o descaso com o meio ambiente atrapalha planos para vôos mais ousados do Rio de Janeiro no mundo esportivo, como o sonho de sediar as Olimpíadas. Nas duas vezes em que a cidade se candidatou a sede - para os Jogos de 2004 e de 2008 -, técnicos do Comitê Olímpico Internacional (COI) apontaram a poluição da Baía de Guanabara, ao lado da criminalidade urbana, como o principal empecilho à realização das Olimpíadas no Rio. "Ao contrário do que se pensa, não são os problemas de infra-estrutura que nos derrotam, mas o meio ambiente e a segurança, considerados pelo COI os dois pontos fracos da cidade", afirma Axel Grael, irmão dos velejadores Torben e Lars Grael, que acompanhou o planejamento das duas candidaturas fracassadas do Rio.

Ele conhece bem quanto o descaso com a natureza prejudica os esportes náuticos na cidade. Junto com os irmãos, Axel dirige um instituto de formação de velejadores, com treinamentos diários na Baía de Guanabara. Acostumados a conviver com a sujeira, os alunos até desenvolveram macetes para driblar o lixo. Um deles é recuar o barco um pouco antes da largada para se livrar de sacos plásticos presos à quilha. Outro é evitar os corredores de detritos que se formam em pontos específicos da baía devido à ação do vento e ao movimento de marés. Com dribles, macetes e jeitinho é que não se fará do Rio uma candidata viável a sediar as Olimpíadas.

As agruras enfrentadas pelos velejadores nas águas da Guanabara seriam bem menores se os resultados do programa de despoluição não fossem tão pífios. Iniciado há doze anos, o plano - um megaprojeto de saneamento voltado para a construção de estações de tratamento de esgoto e a instalação de redes de água potável - previa investimentos de cerca de 800 milhões de dólares, com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Japonês para Cooperação Internacional (JBIC), além de contrapartida do governo estadual. Gastou-se mais do que isso (1 bilhão de dólares), e o resultado até agora é bem abaixo do esperado: a previsão era tratar pelo menos 58% do esgoto lançado na baía, mas esse índice hoje não ultrapassa 25%. Para piorar, nem a primeira fase do programa foi concluída. O atraso é de sete anos. Depois de remarcada diversas vezes, a data estipulada para a conclusão dos trabalhos é bem sugestiva para quem acredita em Papai Noel: 25 de dezembro. O geógrafo Elmo Amador, coordenador da organização não-governamental Baía Viva, calcula que serão necessários mais de vinte anos para a baía ser despoluída - se não houver interrupções no programa, claro.

A Baía de Guanabara não é o único local de provas onde problemas ambientais criaram transtornos para o Pan. Por causa da poluição nas lagoas da Barra da Tijuca, a organização do evento acabou optando por transferir as provas de esqui aquático para a Lagoa Rodrigo de Freitas, que ainda terá de passar por uma dragagem para abrigar competições. Não é só o descaso com o meio ambiente que pode tirar o brilho do Pan. Entraves burocráticos, questionamentos judiciais e intermináveis discussões entre os órgãos governamentais envolvidos na organização resultaram num colossal atraso no cronograma de obras. A menos de um ano do início dos jogos, praticamente todas as arenas esportivas que serão usadas no Pan estão com as obras atrasadas.

O Estádio João Havelange, por exemplo, só ficará pronto em fevereiro de 2007, quase dois anos depois do previsto. Situação ainda mais crítica é a do Complexo do Autódromo de Jacarepaguá, parque olímpico que deveria ser erguido entre fevereiro de 2003 e janeiro de 2005. As obras só começaram em março deste ano, e para que fiquem prontas a tempo foram escalados três turnos de operários. Isso sem falar em projetos que nunca passaram de promessa, como a criação de uma linha de trem, interligada ao metrô, para transportar passageiros do Aeroporto Internacional do Rio para a Barra da Tijuca, bairro que vai abrigar a maioria das competições. Com tanta coisa ainda por fazer, resta às autoridades envolvidas no projeto dedicar-se a uma modalidade na qual o Brasil é especialista: corrida contra o tempo.

Mar de sujeira
Em doze anos, o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara consumiu mais de 1 bilhão de dólares em investimentos. Nem a primeira fase do programa, que deveria ter sido concluída há sete anos, ficou pronta. O resultado é que a baía recebe, diariamente:

- Resíduos das 12 000 toneladas de lixo depositadas em aterros sanitários à sua volta

- 465 toneladas de esgoto produzidas pelos dezesseis municípios que a circundam

- Cerca de 200 toneladas de lixo não coletado, que escoa por valas, rios e canais poluídos

- 3 toneladas de óleo

- 300 quilos de metais pesados
Fonte: Elmo Amador

Caos olímpico

Problemas de todo tipo cercam os preparativos para o Pan-2007. Falta menos de um ano para a abertura dos jogos

Cronograma

A obra mais adiantada, a do Estádio João Havelange, deveria ter sido concluída no segundo trimestre de 2005, mas só estará liberada em fevereiro do ano que vem

Testes

Teme-se que não haja tempo hábil para realizar eventos-testes antes do Pan para corrigir eventuais falhas em equipamentos e instalações

Desencontros

Município, estado e União não se entendem sobre as atribuições de cada um no projeto, o que atrapalha a liberação de recursos para a execução das obras.
(Por Ronaldo Soares, Veja, 02/08/2006)

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