A irredenção da Redenção
2006-07-31
Por Fraga*
Passo a passo, o maior triângulo escaleno verde da cidade está virando um
saara urbano. Para perceber o que se passa, só cabisbaixando a visão.
Passo a passo, passa a população por cima de cada último centímetro quadrado
de cada derradeiro trecho gramado.
Passo a passo, as mínimas áreas verdejantes, que deveriam ser espaços
preservados com o mais simples paisagismo, vão ganhando perimetrais feitas
por átilas calçados.
Passo a passo, aquele preguiçoso cacoete de pedestre, o de cortar caminho
para não ter que controlar a ansiedade, está recortando o que resta das
gramíneas.
Passo a passo, ando por lá e faço o cálculo desanimador: os pés que aparam
não vão parar enquanto houver a menor chance de abreviar caminhadas,
corridas, passeios, perambulações.
Passo a passo, o que era para ser intransitável recebe o trânsito incessante
de sapatos, tênis, botas, coturnos, sandálias, chinelos, pés descalços.
Passo a passo, sob árvores frondosas e arbustos baixos e galhos que tentam
impedir a abertura de novas trilhas, avança a desertificação daquele solo
que na minha infância, logo ali nos anos 50, era um mar vegetal.
Passo a passo, numa pressa mal pressentida pelos passantes, diminuem as
folhas da relva, e ninguém avalia a sua própria participação no pisoteamento
desse patrimônio.
Passo a passo, as sobras do tapete do Parque Farroupilha agonizam sob solas,
sem folga para a fotossíntese, sem intervalos do massacre esmagador.
Passo a passo, se torna impossível a tarefa da impassível administração
municipal, de devolver à paisagem a imagem do passado.
Passo a passo, multidões avulsas rasgam rotas arenosas sobre os restantes
nacos verdes, e enquanto circulam, aos pares ou em grupos, deixam no ar
conceitos ecológicos e de cidadania, em contraste com o rastro insensível no
chão.
Passo a passo, desvio da hipocrisia. Aqui e ali, tufos ainda não amassados
se encolhem. Temem os domingos no parque.
(*) Fraga é chargista e colabora com o site Coletiva Net e Jornal JÁ Porto
Alegre, 30/07/2006