Uma onda de calor acima do normal varreu a Europa e os Estados Unidos
nas últimas duas semanas, provocando centenas de mortes, dizimando
plantações e disparando um novo alerta sobre as rápidas mudanças que
ocorrem no clima da Terra. Os ingleses assistiram perplexos ao
termômetro bater na casa dos 36,5 graus, a temperatura mais alta
registrada no mês de julho no país desde 1911. Na Holanda, 200 pessoas –
idosos em sua maioria – sucumbiram aos efeitos do calor. O temor dos
europeus é que se repita a maré quente verificada em 2003, que deixou um
saldo de 32.000 mortos, 15.000 deles só na França.
Na semana passada,
com a temperatura batendo nos 39 graus em Paris, o governo francês
decidiu se precaver e convocou estudantes de medicina e médicos
aposentados para fazer plantões nos hospitais. Nos Estados Unidos, em
regiões da Califórnia e em Nova York, as temperaturas chegaram à casa
dos 40 graus, causando uma centena de mortes e provocando blecautes por
causa da sobrecarga no consumo da energia usada pelos sistemas de
refrigeração. No Brasil, os habitantes da Região Sudeste também foram
surpreendidos pelo calor excessivo – e fora de hora. Em pleno inverno,
São Paulo registrou temperaturas superiores a 30,2 graus. Isso não
acontecia no mês de julho desde que começaram as medições do clima na
cidade, há 63 anos.
Em todas as regiões do globo afetadas, a explicação para a onda de calor
é a mesma. Segundo os meteorologistas, as massas de ar frio que deveriam
amenizar o verão no Hemisfério Norte e esfriar o inverno no Brasil foram
desviadas por sistemas de alta pressão, que funcionam como bloqueios
atmosféricos. Esses fenômenos sempre existiram e são ocorrências
próprias da dinâmica do clima. Nas últimas décadas, porém, vêm se
tornando mais freqüentes e intensos. Um levantamento feito pela
Universidade de East Anglia, na Inglaterra, mostrou que, nos últimos
quarenta anos, a maior parte da Europa vive verões e invernos mais
quentes.
Diz o meteorologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais: "Ainda não conseguimos determinar com precisão por
que os bloqueios de ar frio estão ocorrendo com freqüência maior. Mas é
grande a probabilidade de que por trás deles esteja o aquecimento global
provocado pelo homem".
O aquecimento global, causado pelos gases tóxicos produzidos por
fábricas, automóveis e termelétricas, não é mais uma vaga ameaça ao
futuro do planeta. Ele se tornou realidade. Está por trás dos furacões
cada vez mais devastadores, das inundações, do derretimento das calotas
polares e do avanço das áreas desérticas. Um estudo recente da Nasa, a
agência espacial americana, confirma que a temperatura média na Terra no
último século subiu 1 grau, mais da metade disso nos últimos trinta
anos. Um grau parece pouco, mas é o bastante para provocar transtornos
no clima e alterar o equilíbrio das forças que regem a natureza.
As perspectivas para a evolução do clima no planeta não são animadoras.
Um relatório da ONU estima um aumento na temperatura média da Terra
entre 2 e 4,5 graus até 2050. Os resultados podem ser catastróficos para
o meio ambiente e para os seres humanos. Segundo os estudiosos da ONU, à
medida que as temperaturas sobem no mundo, os riscos de ondas de calor
extremo aumentam. O número de mortes relacionadas às altas temperaturas
deve dobrar nos próximos vinte anos. "Simulações feitas por programas de
computador indicam que, em 2050, verões quentes como o de 2003 serão
freqüentes na Europa", disse a VEJA a climatologista Clare Goodess, da
Universidade de East Anglia.
As ondas de calor costumam produzir muitas vítimas porque o corpo humano
é programado para funcionar numa temperatura interna constante de 37
graus – e não tolera grandes variações. Sob temperatura externa muito
elevada, os vasos sanguíneos das camadas superficiais da pele se dilatam
e o corpo aciona os mecanismos do suor. Ambos os processos resfriam o
organismo e impedem seu superaquecimento. Se o organismo perde a
capacidade de regular a temperatura corporal – o que ocorre com mais
freqüência em bebês, pessoas idosas, com pressão alta ou cardiopatias –,
a hipertermia pode levar à morte em poucos minutos por parada cardíaca
ou danos causados ao cérebro. O socorro tem de ser imediato, o que nem
sempre é possível quando populações inteiras ficam expostas a ondas de
calor como as que se têm abatido sobre a Europa e os Estados Unidos.
(Por Leoleli Camargo,
Veja,
02/08/2006)