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2006-07-31
A licença ambiental - documento exigido para que uma série de negócios e serviços potencialmente poluidores ou que usem recursos do ambiente possam ser instalados e funcionar - se converteu, nos últimos anos, num importante cabo-de-guerra entre empreendedores, órgãos públicos e organizações não-governamentais.

No Rio Grande do Sul, aos poucos, está surgindo uma nova forma de enfrentar o principal motivo da querela, isto é, a demora para que a licença seja concedida.

- Estamos implantando uma nova cultura. Entendemos que precisávamos ajudar a Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental, órgão responsável pela concessão das licenças no RS) para que ela também nos ajude - diz Torvaldo Marzolla Filho, coordenador do Conselho de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Estado (Codema/Fiergs).

A guinada para uma atuação mais cooperativa ocorreu, segundo Marzolla, quando a entidade foi conhecer o outro lado da história:

- O que chegava até nós era o desconforto dos empresários com a burocracia e a demora. Quando fomos ouvir os órgãos ambientais, percebemos que o problema também era responsabilidade dos próprios empresários que não preenchiam os documentos corretamente ou não cumpriam as exigências - explica.

Dependendo do porte do empreendimento e do local, o processo de licenciamento é medido em anos, como projetos de grandes hidrelétricas. O atraso nas licenças pode comprometer o abastecimento de energia nos próximos anos. Mas, como conciliar agilidade exigida pelo mercado com necessidade de proteger fauna, flora e populações atingidas?

- O modelo adotado no Brasil tem um impacto negativo na economia porque não só cria dificuldades como, em alguns, casos, inviabiliza o projeto por elevar demais o custo - afirma a advogada Priscila Artigas, do Milaré Advogados, escritório especializado em legislação ambiental.

- Há uma série de explicações para a demora, entre as quais, estudos inadequados apresentados pelos empreendedores. O Ibama tem problemas de estrutura, o número de servidores é limitado, há alta rotatividade. E muitas vezes há embargos judiciais ou questionamentos do Ministério Público. Mas nossa legislação é elogiada internacionalmente - diz o assessor jurídico do Ibama Gustavo Peres.

Para reduzir o tempo até a concessão da licença prévia, o Codema, a Fepam e a Secretaria Estadual do Meio Ambiente estudam, juntos, algumas medidas. Está nos planos a criação de um balcão ambiental, na sede da Fiergs, para orientar empresários de pequeno e médio portes.

Para o cultivo de arroz irrigado, os documentos podem ser obtidos e preenchidos na Internet. No caso dos produtores de aves e suínos que têm parceria com grandes empresas, o licenciamento é concedido à empresa em vez de a cada indivíduo, afirma o secretário gaúcho do Meio Ambiente, Cláudio Dilda. O Estado também está investindo na descentralização da emissão de licenças. Atualmente, 133 municípios gaúchos realizam esse trabalho, representando 60% das cidades brasileiras onde o sistema já funciona.

Quase 10 mil pedidos na fila
Existe, atualmente, uma pilha de 9.854 pedidos de licenciamento à espera de liberação pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).

Esse passivo é resultado da alteração na legislação ambiental, diz o secretário estadual do Meio Ambiente, Cláudio Dilda. Desde que entrou em vigor o Código do Meio Ambiente, todo empreendimento interessado em obter financiamento em instituições públicas é obrigado a apresentar a licença ambiental. O volume cresceu sem que os órgãos encarregados de licenciamento tenham ganho reforço no quadro de pessoal.

- Todo pequeno produtor rural interessado em um financiamento do Pronaf precisa da licença. Por isso, aumentou o volume de pedidos - afirma o secretário.

Segundo o diretor técnico da Fepam, Jackson Müller, entre os mais de 9 mil documentos, há pedidos de licenciamento de vários tipos, pendentes por diversos motivos. Entre o número de pedidos que entram e os autorizados, a Fepam liberou 73% das licenças solicitadas entre 2002 e 2006, afirma Müller.

Documentos atestando a responsabilidade do investimento com o ambiente também se converteram em arma importante na disputa pelo mercado internacional, diz Dilda:

- Há uma corrida por certificações de todo tipo, por causa das barreiras não-tarifárias.

E entidades não-governamentais e o Ministério Público aumentaram a vigilância. Segundo a procuradora Carolina Medeiros, há 136 procedimentos sob análise da Procuradoria da República do Rio Grande do Sul.

Em outro exemplo recente, a juíza federal Clarides Rahmeier, da Vara Ambiental de Porto Alegre, atendendo à ação movida pelo Núcleo Amigos da Terra e pela União Pela Vida, concedeu liminar proibindo a veiculação de propaganda sobre linhas especiais de financiamento da Caixa RS e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para plantio de eucalipto. O material não informava os efeitos negativos.

Quanto custa
Confira alguns motivos que tornam caro o licenciamento ambiental:
O custo total do licenciamento de um projeto de grande porte, como as fábricas de celulose previstas para se instalar na Metade Sul do Estado, pode chegar a US$ 1 milhão, incluindo as taxas pagas ao poder público.
A elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (Rima) - diagnósticos sócio-ambientais - é uma das etapas mais custosas.
Segundo o consultor Nei Rubens Lima, diretor da consultoria Ecoágua, os estudos mais complexos podem custar entre US$ 500 mil e US$ 600 mil. Há testes sobre emissões de gases e resíduos que são feitos em laboratórios dos Estados Unidos, Canadá e Alemanha.
Para fazer os estudos, acrescenta Lima, é necessário uma equipe de profissionais de diversas áreas, o que eleva o custo.
Trabalham numa análise desse tipo biólogos de diferentes especializações, engenheiros de processos e de segurança, sociólogos e economistas, entre outros.
Quando pronto, um EIA-Rima complexo pode ter de 1 mil até 4 mil páginas.


Especialistas apontam uso político
O advogado Antônio Fernando Pinheiro Pedro, um dos maiores especialistas em direito ambiental do país, diz que a ausência de investimentos públicos na área social é responsável por grande parte da confusão que envolve os processos de licenciamento ambiental.

Antes das privatizações realizadas na década de 90, afirma Pinheiro Pedro, o Estado brasileiro era leniente com seus passivos ambientais, sobretudo na área de infra-estrutura. Posteriormente, viu as contrapartidas a serem exigidas das empresas como uma forma de compensar a falta de recursos para investimentos sociais.

- O custo da licença ambiental está na politização do processo. O Estado não constrói escola, não pavimenta rua. Então, quando vem a empresa interessada em se instalar no local, o prefeito ou o governador tentam compensar a falta de investimentos públicos exigindo que as empresas façam essas obras, a título de compensação ambiental - critica.

- Esse tipo de postura faz com que empresas tenham de construir alas inteiras de hospitais em cidadezinhas que não têm esses serviços, mesmo sem qualquer relação com o impacto ambiental do investimento a ser instalado - reforça a também advogada Priscila Artigas, do Milaré Advogados, escritório especializado em legislação ambiental.

Pinheiro Pedro aponta ainda a falta de definição dos governos em relação à política ambiental. O poder público deveria ter o mapeamento ecológico de seu território, explica. E ter um planejamento da ocupação de cada área para licenciar empreendimentos de acordo com a sua escolha estratégica, acrescenta o advogado. Assim, cada empresa não precisaria produzir individualmente informações que o próprio Estado deveria ter sobre si próprio.

- É por isso que os estudos de impacto ambiental no Brasil são complexos e caros. Nos Estados Unidos, são muito mais simples. Mesmo megaprojetos não exigem mais do que 500, 600 páginas de produção de informação individual - afirma o advogado.

Custo transferido para o bolso do consumidor
A falta de previsão sobre o prazo do licenciamento e o custo da compensação ambiental é o maior problema apontado pela Associação Brasileira das Indústrias de Base (Abdib), que reúne os investidores em infra-estrutura.

Segundo informações da entidade, se o agente financiador tem dúvida sobre a possibilidade de o projeto ser concluído no prazo planejado (o que atrasa a entrada em operação e a conseqüente geração de receitas, fonte fundamental para quitar os empréstimos), o risco do empreendimento é maior.

O resultado no mercado são taxas de juros mais altas. O custo extra acaba sendo transferido para o consumidor, informa a Abdib, que, a exemplo do que ocorre no Estado, também estuda formas de acelerar o processo em parceria com órgãos públicos federais.

Ambientalista critica pressão de empresários
Para algumas entidades de proteção ao ambiente, há pressão dos empreendedores para acelerar a liberação de licenças. Isso pode prejudicar o cuidado com o ambiente. Luciana Picoli, do Núcleo Amigos da Terra, de Porto Alegre, avalia que as empresas tentam atropelar a legislação. Ela cita como exemplo a proposta de grupos privados de instalar secretarias de meio ambiente em pequenos municípios, para ocupar um espaço de responsabilidade do poder público.

Polêmica verde
Os três grandes projetos de produção de celulose a partir de eucalipto em implantação no Rio Grande do Sul - com investimentos totais superiores a US$ 3,5 bilhões nos próximos sete anos - reacenderam a tradição gaúcha de preocupação com o ambiente.

Aracruz, Stora Enso e Votorantim Celulose e Papel (VCP) precisam de terras para plantar a matéria-prima. Planejam comprar cerca de 100 mil hectares cada uma para abastecer as futuras unidades industriais. Garantem que farão um plantio socialmente responsável e prometem até recuperar áreas degradadas por outras lavouras tradicionais do Estado.

Mas, na avaliação de algumas entidades de proteção ambiental, o avanço do eucalipto é uma séria ameaça a animais e plantas do pampa gaúcho. Cunharam até uma expressão para resumir o potencial de dano que esse plantio pode provocar à biodiversidade: deserto verde.

O plantio de eucalipto é visto hoje como uma alternativa rentável aos problemas crônicos do setor primário, como a falta de financiamento. Em oposição ao argumento de que a Metade Sul, onde se concentrarão os projetos, poderá superar décadas de estagnação econômica e falta de emprego, os críticos dos novos projetos sustentam que o incentivo ao turismo e à agricultura familiar teriam resultados melhores, além de evitar prejuízos ao ambiente.

Zero Hora ouviu técnicos e especialistas representantes das duas posições. Os principais argumentos prós e contras, expostos nesta página, podem ajudar a todos os gaúchos a entender e a participar do debate.

Confira o que dizem
Os principais argumentos contra e a favor dos projetos das fábricas de celulose na Metade Sul:
Plantio de florestas x deserto verde
A discordância começa nos termos usados. As empresas afirmam que plantam florestas. Para os ambientalistas críticos dos projetos, são lavouras de árvores exóticas que formarão desertos verdes, porque colocarão em risco a sobrevivência de animais e plantas, diminuindo a diversidade de espécies. A ONG Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais sustenta que o solo fica a descoberto nos dois anos após a plantação e que, depois da colheita, ocorre a erosão e a compactação provocada pelo uso de máquinas pesadas.

Pampa ameaçado x área de preservação
O conjunto de animais e plantas (bioma) existentes na região é chamado de pampa. No Brasil, só o Rio Grande do Sul tem esse bioma - que se estende para o Uruguai e a Argentina. Os ambientalistas temem que o plantio de eucalipto em grande quantidade altere para sempre essas caraterísticas. As empresas se defendem argumentando que ocuparão no máximo 6% das áreas cultiváveis do Estado. Além disso, informam que o plantio será em sistema de mosaico. A Aracruz prevê alternar dois hectares de floresta plantada com um de área de preservação. Não haverá grandes blocos de florestas, argumentam. Mas as entidades ambientais e pesquisadores entendem que é preciso avaliar se essa proporção é a mais adequada e, ainda, observam que nem mesmo nas áreas de preservação é possível garantir (ou replicar) a flora e a fauna nativas.

Recuperação ambiental x risco de extinção
As empresas afirmam que seus projetos são ambientalmente responsáveis e que podem recuperar áreas degradadas pelo manejo incorreto da pecuária e de algumas lavouras. Essas áreas seriam a vegetação das bordas dos rios (ciliar) e outras em processo adiantado de erosão. Ambientalistas e pesquisadores alertam que há alguns tipos de cactos, bromélias e répteis que só existem nas áreas dos projetos empresariais e que correm o risco de serem vistos no futuro apenas nos viveiros da Fundação Zoobotânica - como a das fotos ao lado, cactus da espécie Parodia herteri e a bromélia Billebergia nutans.

Falta de água agravada x consumo normal
A Associação Brasileira de Florestas Plantadas (Abraflor) sustenta que o consumo de água pelo eucalipto é igual ao de qualquer outra espécie florestal. A especialista em gestão ambiental da Aracruz Maurem Alves admite que pode haver risco de alto consumo, se não houver um manejo correto. A pesquisadora da Fundação Zoobotânica Luiza Chomenko alerta que, se algumas regiões do Estado já enfrentam racionamento de água de até 18 horas diárias, o problema pode se agravar.

Geração de empregos x êxodo rural
O efeito multiplicador das vagas abertas pelo plantio de eucalipto é um dos mais atraentes argumentos das empresas. O vice-presidente para América Latina da Stora Enso, Otavio Pontes, afirma que cada hectare de floresta gera três empregos diretos - e que, se forem considerados os indiretos, os projetos devem triplicar o atual número de postos de trabalho da região. Ainda do lado das empresas, Maurem Alves, da Aracruz, diz que nas áreas que a empresa está comprando o máximo que encontrou até agora é um emprego para cada 40 hectares. O estudo Promessa de Emprego e Destruição de Trabalho, da ONG Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais, em que é analisada a atividade da Aracruz no Espírito Santo, estima que são necessários 122 hectares para gerar um emprego direto. Pesquisadores gaúchos afirmam que o trabalhador rural no Rio Grande do Sul não está habituado a plantar florestas e que muitos estão preferindo vender as terras na esperança de obter emprego nas zonas urbanas, o que deve agravar o empobrecimento dos cinturões periféricos das cidades.
(Por Lúcia Ritzel, Zero Hora, 30/07/2006)

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