Ambientalistas monitoram baleias na costa baiana
2006-07-28
Vistas como monstros ferozes, elas sempre exerceram fascínio nos humanos e foram consagradas no imaginário popular através dos clássicos literários Moby Dick, do americano Herman Melville, e As Aventuras de Pinóquio, do italiano Carlos Collodi, ou até mesmo em narrações bíblicas. Ameaçadas de extinção até a década de 70, as baleias aos poucos vão retomando ao contigente populacional que já alcançou 300 mil indivíduos. Anualmente, as baleias da espécie jubarte saem da Antártida em direção ao litoral brasileiro para acasalar e ter os seus filhotes. Conhecidas por sua docilidade, estes animais podem ser avistados em toda a extensão da costa baiana desde o início do mês de julho. Até meados de novembro, elas povoarão mais precisamente a região da Praia do Forte (litoral norte) e em Caravelas (extremo sul do estado), onde fica a Ilha de Abrolhos, com objetivo de encontrar parceiros para fecundação e procriar.
Na última quarta-feira (26/7), foram vistos três grupos de baleias jubartes na costa da Praia da Forte. Toda a movimentação destes mamíferos aquáticos está sendo monitorada pelo Instituto Baleia Jubarte (IBJ), que há 17 anos é responsável pela proteção desta espécie no país. Com duas bases de pesquisas, o instituto possui um catálogo com cerca de 2.900 baleias, identificadas principalmente na região de Abrolhos, principal ponto de encontro destes indivíduos. Em Praia do Forte, foram catalogadas 556 jubartes desde o ano de 2000.
Com uma equipe formada por biólogos, marinheiros, fotógrafos e estudantes, a ONG realiza pesquisas genéticas e fazem um levantamento populacional, que apenas no ano passado detectou a presença de seis mil baleias na área litôranea localizada entre os estados do Rio Grande do Norte e São Paulo. Deste número, cerca de 16,5% foram encontradas na Bahia. "Avistar e fazer um mapeamento destes animais é um verdadeiro exercício de paciência", diz o cooordenador regional da base do IBJ em Praia do Forte, Enrico Marcovaldi. Patrocinado pela Petrobras, o instituto conta com 25 pessoas. Na temporada de acasalamento este número dobra.
Países desrespeitam proibição da caça
A caça das jubartes é proibida pela Comissão Internacional da Baleia (CIB) desde o ano de 1966. Vinte anos depois, passou a vigorar uma moratória mundial da caça comercial, que é desrespeitada apenas por Japão, Noruega e Islândia. A luta para a manutenção da proibição é dificultada por estes países que realizam investimentos no setor pesqueiros em nações em desenvolvimento em troca de apoio na CIB.
No grupo dos conservacionistas destacam-se além do Brasil, a Argentina, a Inglaterra e a Austrália. "Umas das coisas que precisam ser provadas é que o turismo baleeiro feito com responsabilidade gera mais renda do que a matança destes animais", declara o biólogo Clarêncio Bacharo. O Brasil aderiu à medida proibitiva em 1986 e no ano seguinte foi promulgada uma lei federal que proíbe a caça em território marítimo nacional. A baleia jubarte está inclusa na lista do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de espécies da fauna ameaçadas de extinção.
À época da pesca artesanal, era comum a matança de jubartes no litoral da Bahia. Registros históricos datam que a caça por aqui iniciou por volta de 1603, quando cerca de 200 animais foram mortos e levados a "armações", nome dado às instalações onde as jubartes eram esquartejadas e separadas a gordura e a carne. Da primeira se extraía, o oléo, que era usado na iluminação de cidades brasileiras e Europa. De uma popopulação que totalizava 300 mil, hoje restam 35 mil, mas este número encontra-se em crescimento.
Cetáceos vêm atrás de águas calmas e quentes
Pertencentes à ordem de cetáceos (do grego kêtos que significa baleia) vivem durante a maior parte do ano nas áreas mais geladas do planeta, onde se alimentam basicamente de toneladas de um pequenino crustáceo de nome krill. Quando adultas, elas pesam cerca de 40 toneladas e alcançam 16m de comprimento e tem expectativa de vida de 60 anos. A partir de maio realizam uma viagem de cerca dois meses até mares do Atlântico Sul, onde as águas são mais quentes - temperaturas ideal 25ºC - e calmas, próprias para o ato de acasalamento e para os nascimento dos bebês.
O período de gestação dura 11 meses, o que significa que uma baleia fêmea fecundada neste ano voltará grávida para habitat de origem e volta na temporada seguinte para ter os filhores. "São bebês legitimamente baianos, pois são fecundados aqui e nascem no mesmo lugar no ano seguinte", diz Marcovaldi. Quando estão no Atlântico Sul, as baleias adultas não se alimentam, os bebês sugam o leite materno, um líquido gorduroso jogado diretamente pelas mães, que são estimuladas pelos filhotes. Estes são seres insaciáveis: consomem de 100 a 120 litros de leite por dia.
As jubartes se distinguem de outras baleias basicamente por duas caracterísriticas: suas enormes nadadeiras peitorais que deram origem ao nome científico (Megaptera [Grandes Asas] novaeanglie). A outra refere-se ao canto dos machos para seduzir as fêmeas. "Todas as baleias emitem som, mas só o das jubartes pode ser considerado como canto, pois possui notas musicais, que juntas formam uma espécie de tema", diz o biólogo Marcos Rossi, que faz parte da equipe do IBJ há cerca de quatro anos. Segundo ele, cada grupos de jubarte completa seu tema próprio que ao longo de cinco anos, dá início a outro.
Ao contrário dos que muitos pensam, os grandes mamíferos aquáticos cachalote e orca (proclamada como a "baleia assasssina") não são baleias e sim golfinhos - outro grupo de cetáceos -, pois possuem cavidade dentária. As baleias propriamente ditas como a já citada jubarte, ou a minke não possuem dentes. Sua cavidade oral é composta de uma barbatana, que serve como filtro de alimentos.
Identificação pela cauda
Fotoidentificação e análise genéticas e de poluentes são as duas principais linhas de pesquisa do IBJ. Na primeira, cada baleia avistada é identificada através de fotografias de sua cauda, que à maneira da impressão digital humana é diferente em cada indivíduo. A identificação se dá pelo recorte da nadadeira caudal e por sua pigmentação. Esta obedece a cinco padrões - branca, predominante branca, mesclada, predominante negra e negra. "É um trabalho muito importante do ponto de vista da conservação desta espécie, além da vivência de um campo muito interessante que a pesquisa possibilita", diz a estudante de biologia, Taís Bemfica, da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Ela atua como estagiária no projeto do IBJ, que também emprega alunos de universidades de todo o país e do exterior, como Portugal e Estados Unidos.
A análise genética é feita através coleta de 3cm de pele e gordura do animal, retirada através de um equipamento semelhante a um dardo, denominado balestra. "Muita gente nos pergunta se isto que fazemos machuca o animal, mas o que mais o incomoda é a perseguição em si", diz o estudante de veterinária da Universidade Federal da Bahia, Etieleri Neto, que faz estágio no projeto. A gordura é enviada para o laboratório da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), onde serão feitos exames de DNA, e a pele é analisada pelo próprio IBJ que verifica a incidência de metais pesados e outras substâncias contaminantes.
Nos meses de fevereiro e março, uma equipe de pesquisadores de instituto realizou uma expedição ao continente antártico com o objetivo de fazer um mapeamento do local de origem das baleias jubartes. "Conseguimos rastrear cinco animais que constavam no nosso banco de dados", revela Rossi. O IBJ também realiza atividades de monitoramento do turismo de observação de baleias, registros e resgate de animais encalhados nas praias baianas, censo aéreo, estudos de comportamento, além de pesquisas relacionadas sobre a ecologia do boto cinza e sua interação com barcaças que transportam celuloses no extremo sul da Bahia.
(Por Flávio Costa, Correio da Bahia, 28/07/2006)
http://www.correiodabahia.com.br/2006/07/28/noticia.asp?link=not000138291.xml