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2006-07-28
Diante dos anúncios de múltiplos projetos conjuntos de infra-estrutura de grande escala entre países da América do Sul, organizações sociais alertam para a necessidade de uma legislação comum para a proteção dos recursos naturais e do meio ambiente. “O meio ambiente não entende de fronteiras políticas. Os recursos naturais são compartilhados e a responsabilidade também”, disse à IPS Cecília Iglesias, da Associação Rede Ambiental e membro da Comissão de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Conselho Consultivo da Sociedade Civil da chancelaria argentina.

Por iniciativa do governo venezuelano, Bolívia, Paraguai e Uruguai finalmente aderiram ao projeto de construção do Gasoduto do Sul, já acertado entre Brasília, Caracas e Buenos Aires e que terá oito mil quilômetros de extensão, desde o mar do Caribe até o Rio da Prata. “Estamos muito preocupados não só pelo gasoduto, mas também pela mais ampla Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), que trata de unir os 12 países sul-americanos com pontes, estradas, represas, canais e gasodutos, com altos custos financeiros e ambientais”, alertou Victor Ricco, do não-governamental Centro de Direitos Humanos e Ambiente (Cedha).

A IIRSA é um fórum de coordenação de áreas de infra-estrutura dos governos regionais que nasceu na cúpula regional de 2000, em Brasília, ponto de partida para a formação da Comunidade Sul-Americana de Nações, criada formalmente em dezembro de 2004 na cidade peruana de Cusco. Essas obras serão financiadas pela Corporação Andina de Fomento, pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata, entre outras entidades de crédito.

Trata-se de, aproximadamente, 335 megaprojetos de infra-estruturas, basicamente de energia, transporte e telecomunicações, que terão custo estimado em US$ 37,4 bilhões. “Há pouca informação sobre estes projetos, que sabemos implicarão um alto endividamento. Se houvesse uma regulamentação dentro do Mercosul contemplando a relação integral dos ecossistemas poderíamos ver o impacto conjunto destes projetos”, afirmou Ricco.

Estes planos de interligação têm como principais incentivadores Brasil, Argentina e Venezuela, membros plenos do Mercosul, junto com Paraguai e Uruguai. Do bloco são associados externos Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru. A necessidade de ver os recursos naturais desde uma ótica regional e ambiental também foi uma preocupação exposta no I Encontro Regional por um Mercosul Produtivo e Social, realizado entre os dias 19 e 21 deste mês em Córdoba, cujo último dia coincidiu com a cúpula do bloco nessa cidade argentina. “Um rio está ligado a uma bacia e a um aqüífero, e a regulamentação ambiental do bloco deve proteger o ecossistema em seu conjunto”, afirmou Ricco à IPS.

“Que sejam regulamentadas as atividades altamente contaminantes no contexto de uma proteção ambiental regional, reconhecendo os ecossistemas como unidades integrais”, foi uma das propostas das organizações da sociedade civil presentes no encontro. Também recomendaram que sejam harmonizadas as normas de proteção ambiental dos países do bloco, que haja garantia do acesso à informação pública e que se estabeleçam avaliações ambientais regionais.

“Independentemente do estudo de impacto ambiental de cada projeto, a avaliação estratégica implica ver em conjunto a região, sem os limites políticos, e se antecipar á chegada dos projetos”, explicou Iglesias. Para os ambientalistas de organizações não-governamentais, este enfoque permitirá evitar conflitos bilaterais como o que protagonizam Uruguai e Argentina em razão da instalação de duas fábricas de celulose na margem oriental do Rio Uruguai, que serve de limite entre os dois países.

As fábricas estão sendo construídas do lado uruguaio, bem perto uma da outra, e está previsto que despejem seus dejetos no rio, cujo uso e cuidado com suas águas está regulamentado por um tratado bilateral assinado em 1975. Buenos Aires apelou para o Tribunal Internacional de Justiça, com sede na cidade holandesa de Haia, para denunciar a suposta violação desse tratado. Enquanto tem andamento esse processo, o tribunal decidiu no último dia 13 não atender à demanda cautelar da Argentina de suspender as duas construções.

“Sem dúvida alguma, esse conflito poderia ter sido evitado se o Mercosul tivesse uma regulamentação que contemplasse as ações diante da instalação de indústrias altamente contaminantes, e, sobretudo, se garantisse o acesso à informação sobre o impacto destes projetos”, afirmou Ricco. Mas este não é o único projeto que despertou polêmica por seus eventuais impactos ambientais internacionais.

Também a exploração mineira da jazida de Pascua-Lama, na cordilheira dos Andes, foi denunciada por ameaçar as geleiras dos dois lados da fronteira entre Argentina e Chile. Para Ricco, o desenvolvimento econômico não pode comprometer as possibilidades das futuras gerações em atender suas necessidades. “Esta é a visão que o Mercosul deveria ter, a do desenvolvimento sustentável, porque isso permitiria prevenir danos que podem ser irreverisíveis”, alertou.
(Por Marcela Valente, Envolverde, 27/07/2006)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=20270

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