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2006-07-27
O termo “sociedade de consumo” existe há décadas e o conceito de “consumismo” também não é coisa nova. O velho Marx (o alemão Karl, não o norte-americano Groucho) à sua época afirmava que o capitalismo substituíra o valor intrínseco dos bens e serviços pelo valor de mercado: era o fetiche da mercadoria. Hoje, o conceito de consumismo é associado à compulsão pela posse e à identificação pessoal com certos bens e serviços.

Consumimos pão e água, circo e arte. Consumimos brinquedos chineses e carros alemães. Nas corporações, consumimos livros de auto-ajuda e idéias de segunda mão. Consumimos armas e lágrimas. Consumimos bem e consumimos mal. Desperdiçamos (muito) e reciclamos (pouco). Separados por linhas étnicas e religiosas, unimo-nos pelo consumo. Oramos todos pela mesma cartilha: consumimos, portanto existimos.

Consumir pode ser um passo para a construção da cidadania. Em um trabalho recente, o Instituto Fernand Braudel revela histórias de vida de moradores da inóspita periferia da Grande São Paulo. No centro das narrativas, a ampliação da capacidade de consumo e o acesso a bens e serviços. Consumir pode também significar suicídio coletivo, na medida em que o consumo cresce mais do que os recursos disponíveis.

Em matéria publicada na edição de maio, a revista Adiante informa que os padrões de consumo estão mudando: os orçamentos domésticos são cada vez mais orientados para veículos particulares, passagens aéreas, alimentos industrializados e aparelhos eletrônicos. Segundo dados do World Wildlife Fund (WWF), a capacidade do planeta para repor os recursos naturais e absorver o lixo e a poluição foi superada na década de 80. Curiosidade dramática: se toda a população da Terra adotasse os padrões de consumo dos norte-americanos, seriam necessários cinco planetas para nos sustentar.

Uma coletânea recente – The Ethical Consumer (Londres, Editora Sage) –, coordenada por Rob Harrisson, Terry Newholm e Deirdre Shaw, procura iluminar as várias faces do consumo e do consumismo. A pedra fundamental é o conceito de “consumidor ético”. Reza a teoria econômica que, quando fazemos uma compra, procuramos adquirir o melhor produto possível, considerando nossa restrição orçamentária. Entretanto, esse comportamento pode ser modificado por diversos motivos.

Por exemplo: podemos deixar de consumir uma bebida porque lemos nos jornais que os produtores estão envolvidos em práticas fraudulentas; ou podemos optar por uma determinada marca de móvel, porque ela exibe um selo verde. Em ambas as situações, o consumidor continuará a considerar custo e qualidade, porém somará outras preocupações à sua decisão de compra.

Hoje, a relação entre o consumo e as suas conseqüências está muito mais visível e mais presente. Na medida em que os riscos aos quais estamos expostos são cada vez mais originados por nós mesmos, somos levados a considerar as conseqüências de nossos atos.

Os autores observam que o comportamento ético no consumo pode se manifestar em diferentes formas: no boicote a produtos, como no caso de madeira explorada ilegalmente; na prática da compra positiva, como no exemplo de alimentos orgânicos; na rejeição de produtos que ameaçam a sustentabilidade, como carros; e no uso de tabelas comparativas, como no caso de eletrodomésticos e serviços financeiros.

No capítulo três, Tim Lang e Yannis Gabriel argumentam que a origem do consumidor ético está nas cooperativas inglesas de compras do último quartil do século XIX. À época, tais cooperativas agregaram associados e reagiram aos preços excessivos e à má qualidade de produtos, especialmente os alimentos. O marco moderno ocorreu em 1965, com o lançamento do livro Unsafe at Any Speed, o manifesto do norte-americano Ralph Nader contra a indústria automobilística e o seu descaso com a segurança dos veículos.

Lang e Gabriel denominam a onda atual de consumismo alternativo, um amálgama que mistura componentes diversos, como preocupações ecológicas e éticas, solidariedade com países em desenvolvimento e noções de comércio justo. Embora pouco coerente, o movimento tem levado muitas empresas a mudar diretrizes e práticas de negócios. Ignorá-lo é temerário.

O que nos reserva o futuro? Por hora, consumo e consumismo crescem com vigor. Os ativistas da causa estão a avançar na batalha publicitária, porém a guerra pelos corações e mentes dos consumidores está longe de ser vencida. Transformar consumismo em cidadania não é tarefa trivial. No entanto, o preço por não fazê-lo, para a biosfera e para a sociedade, é alto.
(Por Thomaz Wood Jr., Revista Carta Capital, 26/07/2006)
http://www.cartacapital.com.br/index.php?funcao=exibirMateria&id_materia=5072

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