O deputado estadual do Rio de Janeiro, Carlos Minc, cobra aplicação da legislação que obriga substituição do amianto por material menos tóxico. Vítimas fatais entre trabalhadores que tiveram contato com o mineral são mais de 150.
As empresas Eternit e Teadit (antiga Asberit) estão sendo pressionadas para que deixem de usar o minério amianto (ou asbesto) como matéria-prima dos seus produtos e indenizem seus empregados que adoeceram devido ao contato com a substância.
Na última sexta-feira (21/07), o deputado Carlos Minc (PT-RJ), presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, reivindicou junto a órgãos públicos que a lei que dispõe sobre a substituição progressiva do uso do amianto e a que obriga as empresas a indenizarem os funcionários doentes sejam cumpridas. Há cerca de dez dias, duas mulheres morreram de asbestose – doença causada pelo amianto - no Rio de Janeiro e um outro trabalhador morreu em Minas Gerais.
Um dossiê sobre o uso do amianto e atestados de óbitos das últimas vítimas de asbestose, doença que ataca as vias pulmonares, foi entregue ao Ministério Público do Rio pelo deputado Minc. De acordo com ele, o objetivo é fazer com que as leis 3.579/01 e 4.341/04 já existentes sejam fiscalizadas. “O prazo para substituir o amianto nas empresas se esgotou no ano passado. Mas elas não cumprem a determinação”.
O amianto é uma fibra mineral natural sedosa que é usada nas indústrias de construção civil, tintas, auto-peças e têxtil por sua alta resistência e baixo custo. De acordo com a Eternit, 95% do seu uso no Brasil é destinado à fabricação do fibrocimento para confecção de telhas e caixas d água. Por ano, 250 mil toneladas são retiradas de minas e a previsão é de que haja matéria prima por mais 60 anos.
Quando inalado, o amianto se deposita nos alvéolos pulmonares; suas fibras, em alta concentração, causam o endurecimento dos alvéolos, o que impede a oxigenação sangüínea e a capacidade respiratória. Além de asbestose, que não tem cura, o amianto pode causar câncer de pulmão e mesotelioma. No Brasil, cerca de 25 mil trabalhadores estão expostos diretamente aos riscos desse minério, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Desses, estima-se que de até 3 mil adoeçam.
Apesar de não haver números oficiais sobre os óbitos de asbestose, a Fiocruz calcula que, por ano, 150 pessoas morrem de doenças derivadas do contato com o amianto, mas não há estimativas oficiais. No entanto, este número pode se ampliar. Fernanda Giannasi, auditora-fiscal do Ministério do Trabalho, afirma que hoje uma das grandes dificuldades para se traçar um panorama da situação da doença é a falta de dados e informações reunidos e sistematizados.
O presidente da Eternit argumenta que as doenças causadas pelo amianto são decorrentes do seu uso indiscriminado entre as décadas de 40 e 60. “Reconhecemos que o amianto provocou alguns casos de doenças no Brasil. Naquela época ainda importávamos amianto anfibólico, uma variedade bastante agressiva do minério, e não se usava os equipamentos que se tem hoje. Não se tinha legislação e nem consciência por parte das empresas e dos trabalhadores dos riscos que corriam. Nós não temos nenhum caso identificado de problemas de pessoas que foram admitidas após 1980”.
Contudo, Giannasi contrapõe: “O boom da produção que emprega o amianto foi entre as décadas de 70 e 80. O pico de adoecimento das pessoas contaminadas começa agora. A morte causada pela asbestose é lenta. Até então, havia uma invisibilidade dos doentes e das mortes do amianto, mas os casos estão pipocando em todo país. Só agora é que vamos começar a ter a dimensão da gravidade de quem trabalhou com o amianto naquele período. Na Europa, o pico foi na década de 80, mas ainda entre 2020 e 2040, há estimativas de que haja 9 mil mortes”.
Proibição
Não apenas o Rio de Janeiro tem uma legislação restritiva em relação ao uso do amianto. Rio Grande do Sul e a cidade de Recife (PE) proíbem o uso da fibra. Contudo as empresas da cadeia do amianto se defendem e lutam para derrubar essas leis se apoiando na legislação federal que estabelece apenas o uso controlado da fibra. No mundo todo, especialmente na Europa, existem mais de 40 países que baniram o uso da substância.
“Existem algumas iniciativas de alguns estados de proibir o amianto, mas esta matéria é da competência da União. Isso está na Constituição e muitas dessas leis foram já consideradas inconstitucionais. A legislação que existe hoje no Brasil é uma legislação que atende perfeitamente o uso seguro e responsável quando seguida”, afirma o presidente da Eternit, Élio Martins.
Até 2003, Goiás, Mato Grosso do Sul e São Paulo também proibiam o uso, mas o Supremo Tribunal Federal liberou a utilização. “O STF não julgou o mérito dessas leis como problema de saúde pública. Ele levou apenas em consideração a questão econômica. Em Goiás, o que levou a essa decisão foi o fato de que a indústria do amianto representa 40% da receita local”, afirma Fernanda Giannasi.
Martins explica que o amianto ainda é usado na indústria devido ao seu custo-benefício. “Pelo seu desempenho e pelo seu custo, ele é o melhor produto enquanto matéria-prima do fibrocimento. É um produto que consideramos essencial para a população de baixa renda. As fibras alternativas não têm custo compatível”, afirma.
"As empresas não fazem a substituição porque o amianto é 8% mais barato, e não param para pensar que o amianto mata. Elas não pensam no custo social da utilização
desse material", avalia Minc.
Uma outra justificativa que a cadeia produtiva do amianto utiliza para não substituí-lo é o fato de não haver estudos comprovados e consenso de que as fibras alternativas sejam totalmente seguras para a saúde humana.
“Nenhum material é 100% seguro. O amianto é comprovadamente cancerígeno, tem que ser banido”, reafirma Giannasi. Para ela, seria uma grande conquista se um produto altamente prejudicial à saúde não fosse mais usado e fosse substituído por outros, ainda que estudos sobre eles sejam necessários. Ela indica a celulose como sendo uma das opções mais cogitadas hoje, além do polipropileno que a Brasilit, outra empresa do ramo, passou a usar ao invés do amianto.
Questionado se trocaria o amianto por uma matéria-prima hipotética que se apresentasse 100% segura, mas com custo elevado, o presidente da Eternit diz que teria que avaliar a opção, “pois o mercado é muito concorrido”.
Números diversos
A Eternit afirma que tem 130 processos contra ela em andamento na Justiça de ex-trabalhadores com doenças pulmonares. No entanto, Giannasi explica que a situação é mais complexa. Só em Osasco (SP), local onde se situava uma das fábricas da Eternit, houve 500 ações judiciais contra a empresa. Contudo, a maioria acabou aceitando acordos ou mesmo tiveram causas perdidas na Justiça.
“Grande parte dos ex-trabalhadores tinham placas pleurais. A Justiça atribuiu perda a esses casos por considerar que é uma doença benigna e, portanto, não há danos. Mas é uma doença séria”, afirma. Segundo Giannasi, há outros processos contra a Eternit em Goiás, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Bahia. A esses 130 casos, Martins diz que 90% se referem a casos de placa pleural que são “cicatrizes no pulmão”, simplifica.
A Eternit ainda indeniza, por meio de acordos, mais 250 ex-trabalhadores. “Aqueles, que entenderam que esse acordo não foi suficiente, foram à justiça contra a companhia”, afirma Martins. “Muitas vezes, os ex-trabalhadores aceitam porque a Justiça dá indenizações baixas. Daí preferem pegar o plano de saúde a isso ou do que correr o risco de perder toda a causa como vem acontecendo”, explica Giannasi.
O presidente da Eternit explica que esses planos de saúde são assistências a ex-trabalhadores e que cobrem também doenças que não tem a ver com problemas pulmonares.
Luta política
Giannasi lembra que a luta pelo banimento do amianto no país teve suas maiores conquistas entre 2001 e 2003, período em que projetos de lei a favor da causa foram aprovados em cidades e estados brasileiros. Mas ao longo dos anos, o processo foi retrocedendo; exemplos que ilustram a situação são as invalidações das leis restiritvas em São Paulo, Mato Grosso do Sul e Goiás.
Desde 2004, não houve nenhum avanço por parte do governo federal. “Não andou nada. Depois da posse do governo Lula, houve uma mudança de direcionamento e de discurso”.
A auditora conta que, durante as suas investigações pelo Ministério do Trabalho sobre a indústria de amianto, ela foi realocada das suas funções para que não prosseguisse com as investigações. Em dezembro de 2003, Giannasi estava em Alagoas prestes a fechar uma mina de amianto clandestina, quando foi suspensa sem muitas explicações. “Estou fiscalizando padarias agora. O amianto não é prioridade”, lamenta. Ela dize que todo o seu tempo foi consumido por essas demandas impostas e pouco resta para se dedicar à luta contra o amianto e a sua indústria.
No Congresso, Giannasi lembra que a última vez que foram recebidos para discutir a pauta foi em dezembro de 2005, pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti. “O João Paulo [Cunha] – ex-presidente da Câmara, anterior a Severino - não nos recebeu”.
Atualmente, a falta de espaço para pressão do banimento, levou a sociedade civil e as organizações contra o uso do amianto a agirem em outro direcionamento. “Não houve vontade política neste governo [para aprovar o banimento do amianto]. Sobrou para nós a questão ambiental”, afirma Giannasi. Segundo a auditora, agora as ações da sociedade civil vão se focar no consumidor: “já que a o órgão que zela pela integridade física do trabalhador está falhando, a linguagem agora vai ser de conscientização do consumidor. É o mais difícil, mas eu não vejo outro caminho”.
Enquanto isso, a cadeia produtiva do amianto se adianta. De acordo com o presidente da Eternit, a cadeia produtiva procurou instituições médicas e universidades para que produzissem uma pesquisa capaz de indicar se os consumidores finais dos produtos de amianto são contaminados de alguma forma. Não existe nenhum estudo sobre isso. A Eternit estima que 25 milhões de domicílios usam produtos de fibrocimento. A previsão é de que os estudos se iniciem em breve e os resultados sejam divulgados no final do ano que vem.
(Por Natália Suzuki,
Carta Maior, 27/07/2006)