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2006-07-26
Se o Pantanal de hoje já impressiona como a maior área de planície alagável do planeta, imagine uma região equivalente, só que com tamanho multiplicado por 20, ocupando cerca de um terço da América do Sul. Adicione à mistura uma das faunas mais diversificadas e bizarras que o continente já teve e será possível ter uma idéia de como era o lado oeste da Amazônia há uns 9 milhões de anos.

Esse ambiente estranho, onde jacarés se tornaram parecidos com baleias e primas das capivaras pesavam tanto quanto um búfalo, está sendo redesenhado pelo trabalho do paleontólogo Mario Alberto Cozzuol, da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio Grande do Sul. Nos próximos meses, ele e seus colegas devem publicar no "Journal of South American Earth Sciences" a mais abrangente reconstituição desse ecossistema. O trabalho de Cozzuol foi divulgado pela revista "Pesquisa Fapesp" (revistapesquisa.fapesp.br), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Andes adolescentes
O paleontólogo explica que o superpantanal nasceu quando a cordilheira dos Andes tinha quase terminado sua formação (faltava um último grande surto de elevação). No oeste da atual Amazônia brasileira, uma série de elevações do terreno, conhecidas como arcos estruturais, cercavam a área do superpantanal, entre elas o chamado arco do Purus.

Tal como acontece hoje, essa área recebia quantidades colossais de água e sedimentos vindos dos Andes. Mas, ao contrário do cenário atual, formou-se uma espécie de panela funda, cercada por elevações de todos os lados. "Na área onde hoje está a foz do rio Purus, isso impedia que as águas corressem para o leste", explicou Cozzuol à Folha. Isso quer dizer que simplesmente não havia o Amazonas que conhecemos, já que o rio não desaguava no Atlântico.

Para onde, então, escapava tanta água? Segundo o paleontólogo, os rios se espalhavam em incontáveis meandros, lagos e afluentes temporários, estendendo-se para o norte (onde hoje haveria a bacia do Orinoco, na Venezuela) e para o sul (formando rios precursores da atual bacia do Prata).

"Com tantos sedimentos entrando nessa bacia, os rios não conseguiam se encaixar, mudando de lugar o tempo todo. E isso também impedia que a floresta se fixasse", diz ele.

No entanto, as águas e suas margens proporcionavam fartura de alimento. Que o diga o Mourasuchus amazonensis, crocodilo de até 8 m que desenvolveu dentes finos, os quais lembram os órgãos filtradores das baleias. Além disso, parece ter possuído um papo, como os pelicanos. A implicação dessa anatomia esquisita é que, em vez de caçar, como seus primos de hoje, ele se limitava a nadar com a bocarra entreaberta, capturando plâncton (vida aquática microscópica), pequenos peixes e crustáceos.

"Só um meio aquático muito rico em nutrientes permitiria esse estilo de vida", diz Cozzuol. Roedores enormes, do tamanho de um boi, comiam o pasto do superpantanal, acompanhados de estranhos mamíferos herbívoros, os notoungulados, superficialmente parecidos com hipopótamos e rinocerontes. E havia muitos botos, primos do atual boto-rosa.

Tanta diversidade de vida sofreu um baque quando novas mudanças dos Andes e a liberação da corrente do Purus acabou formando a atual bacia do Amazonas e permitiu que a mata fechada se espalhasse.
(Por Reinaldo José Lopes, Folha de S. Paulo, 26/07/2006)
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2607200601.htm

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