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2006-07-26
A indústria brasileira de soja começa a ceder à pressão internacional, principalmente de clientes europeus, pela utilização de soja cultivada de forma responsável. Quer dizer, grão produzido sem desmatar áreas de florestas e sem utilizar mão-de-obra análoga à escravidão. O que era exigência de nichos de mercado caminha para virar tendência, mas muitas empresas ainda engatinham no quesito responsabilidade socioambiental.

Não à toa, segunda-feira (24/7) a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) lançaram documento em que se comprometem a "implantar um programa de governança, que objetiva não comercializar a soja da safra que será plantada a partir de outubro de 2006, oriunda de áreas que forem desflorestadas dentro do Bioma Amazônico" desde segunda-feira. Além disso, afirmam que as empresas do setor incorporaram a seus contratos de compra de soja cláusula de rompimento, caso se constate trabalho análogo ao escravo.

A iniciativa surge no mesmo dia em que redes de varejo europeu, fabricantes de alimentos e cadeias de fast food, informaram que não vão negociar com grandes tradings que atuam no Brasil a menos que provem que não estão fornecendo soja de áreas cultivadas ilegalmente. Pelo comunicado de Abiove e Anec, a iniciativa terá a duração de dois anos e tem como meta "conciliar a preservação do meio ambiente com o desenvolvimento econômico, através da utilização responsável e sustentável dos recursos naturais brasileiros".

Segundo o presidente da Abiove, Carlo Lovatelli, durante esses dois anos "os incautos, produtores sem informação adequada terão de se enquadrar" à exigência. "É uma demanda internacional. O mercado manda e ele mudou", diz. Para ele, se as empresas não se adequarem "às novas imposições do mercado", poderão perder participação.

Sérgio Castanho Teixeira Mendes, diretor-geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), mostrou-se confiante em relação à implantação do programa em virtude do ainda baixo índice de plantio de soja na área do Bioma Amazônico. "O percentual é pequeno e não pode aumentar. Pelo contrário, tem de diminuir".

Segundo a entidade, a área de soja no bioma, que tem 418,888 milhões de hectares, soma 1,15 milhão de hectares - 0,3%. Dessa área de plantio, 88% está no Estado de Mato Grosso, conforme Mendes. "Quase metade do bioma é formado por terras devolutas, e os grandes produtores de soja, que prevalecem no Mato Grosso, são profissionais e não se arriscam a plantar. E isso facilitará a implantação do programa de governança", afirma.

O setor também chama a atenção para a confusão que se faz entre os conceitos de Bioma Amazônico e Amazônia Legal. Esta última é maior do que o bioma Amazônico (tem 5.217.423 km2), e responde por 61% do território brasileiro, compreendendo Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, além de parte do Mato Grosso, Tocantins e Maranhão. Foi criada na década de 60 como uma figura jurídica para fins de planejamento econômico da região amazônica.

Para o Greenpeace, que faz campanha contra o plantio de soja em áreas de florestas, a iniciativa "mostra que o comércio internacional da soja foi abalado pela publicidade negativa da crise ambiental da maior floresta tropical do planeta".

No período de dois anos, que está sendo chamado de "moratória", o setor se compromete a trabalhar com os órgãos governamentais brasileiros, entidades de produtores e sociedade civil para fazer um mapeamento econômico-ecológico do Bioma Amazônico. O setor também quer desenvolver estratégias para "sensibilizar" os produtores a cumprirem o Código Florestal Brasileiro.

Lovatelli, da Abiove, acredita que as empresas conseguirão evitar adquirir soja de áreas que não se adequem à nova exigência porque "o nível de informação sobre a região em que atuam é grande".

Apesar de as associações que representam as indústrias de soja estarem se mobilizando agora, isoladamente algumas empresas já vinham tomando medidas para reduzir a pressão internacional. O Grupo André Maggi, por exemplo, adotou em janeiro de 2004 uma política de crédito ao produtor fornecedor de soja condicionada à questão ambiental. Pedro Jacyr Bonjiolo, presidente do grupo, explica que agricultores que plantam soja em áreas ilegais não obtêm financiamento da empresa para produzir em tais áreas. "O objetivo é preservar o mercado e o produtor", afirma. Outro requisito é não empregar trabalho análogo à escravidão na propriedade.

Alvo de constantes críticas por sua atuação no Mato Grosso, onde também planta soja, o grupo André Maggi passou a fazer tais exigências de seus produtores também para atender a pré-requisitos do IFC - International Finance Corporation - braço do Banco Mundial para obtenção de crédito. "Quem não se enquadra, não tem financiamento", afirma Bonjiolo.

Também há dois anos, a Bunge definiu que produtores que ferirem a legislação ambiental e trabalhista poderão ter seu contrato de venda e financiamento de soja rescindido, informa Adalgiso Telles, diretor de comunicação da Bunge Brasil. A Cargill tem projeto-piloto em Santarém (PA), junto com a The Nature Consevancy, para orientação de produtores sobre o código florestal e para recuperação de áreas degradadas, segundo a assessoria de comunicação. A empresa não adquire soja de propriedades onde haja trabalho escravo.

Entre produtores, o cultivo sustentável de soja começa a ganhar adeptos. Ademir Rostirolla, de Campos de Julho (MT), decidiu aderir ao plantio de soja de forma sustentável por acreditar que essa é uma tendência mundial e que poderá agregar valor ao produto. Sua produção tem o selo GrunPass, da certificadora alemã TÜV Rheinland Brasil. Antonio Carlos Caio da Silva, presidente da TÜV, explica que o selo é uma garantia ao comprador de que a soja foi produzida de forma ambiental e socialmente responsável.

Europa anuncia boicote a grão da Amazônia
Alguns dos principais varejistas e representantes da indústria alimentícia da Europa anunciaram ontem que vão boicotar a soja cultivada ilegalmente na Amazônia.

Segundo o jornal "The Guardian", empresas como Tesco, McDonald´s, Sainsbury, Asda, Morrisons e Unilever deixarão de negociar com as tradings que atuam no Brasil caso elas não comprovem a legalidade da origem do grão. O acordo foi costurado pela ONG Greenpeace, que acusa o desmatamento da floresta amazônica para plantação em larga escala da soja. O grupo afirma que a devastação está sendo financiada pelas múltis americanas Cargill, ADM e Bunge, que sempre negaram a acusação.

O Greenpeace informou que as acusações são baseadas em informações do governo, imagens de satélite e monitoramento aéreo. A ONG afirma ter passado três anos rastreando o movimento da soja desde a Amazônia até às empresas de ração para frangos na Europa - a maior parte da soja é usada para produzir óleo e ração animal. Esse frango é consumido por redes de fast-food como Mc Donald"s e KFC. Após a publicação no "The Guardian", as empresas decidiram agir contra as tradings com receio da opinião pública.

Em um comunicado divulgado nesta segunda, a vice-presidente da divisão européia do McDonald"s, Karen van Bergen, disse que sua companhia segue uma política de longa data de não utilizar carne proveniente de áreas que foram desmatadas na Amazônia, "por isso, é importante que adotemos a mesma política em relação à soja".

Pela lei brasileira, proprietários de terras em áreas consideradas de conservação ambiental têm de preservar 80% da terra e só podem desmatar 20%. Mas o Greenpeace afirma que a maior parte das fazendas que cultivam soja na Amazônia não obedece a esse critério.

De acordo com o grupo ambiental, mais de 25 mil quilômetros quadrados da floresta já foram devastados, em grande parte para o cultivo do grão. A entidade afirma também ter se deparado com inúmeros casos de trabalho escravo em áreas de plantio de soja, em especial no Estado do Pará. (Por Alda do Amaral Rocha e Fernando Lopes)

Fórum quer criar cartilha para enquadrar o produto
O crescente debate em torno do impacto socioambiental da soja levou um grupo de empresas e instituições sem fins lucrativos a se organizar para a criação de uma carta de princípios para o plantio da chamada "soja responsável" no país. O Fórum Global sobre Soja Responsável (RTRS, em inglês) tem como meta elaborar critérios específicos para a soja, como já ocorre em outros setores, para garantir a preservação de áreas verdes e o cumprimento de leis trabalhistas.

Criado no início de 2005, o grupo conta atualmente com dez membros - banco ABN AMRO Real, Grupo André Maggi, Unilever, WWF, a rede varejista Coop Switzerland, a associação civil Guyra Paraguay , AAPRESID (associação argentina de produtores rurais), Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) e a ONG holandesa Solidariedad.

"É o mesmo espírito dos Princípios do Equador [exigências socioambientais para receber financiamento] , mas num estágio mais primitivo", explica Christopher Wells, superintendente de risco socioambiental do ABN AMRO Real.

Segundo ele, a cartilha com os preceitos a serem seguidos por produtores e compradores deverá ficar pronta só em dois anos. Não sairá antes devido à "politização da questão" no Brasil, que atraiu a militância das ONGs e muitas vezes atinge interesses particulares.

A primeira reunião do grupo ocorreu em Foz do Iguaçu, em março do ano passado. A idéia era fazer um "raio X" do crescimento da soja e suas implicações. Desde então, duas outras reuniões foram feitas - em Buenos Aires e São Paulo - para dividir experiências de várias regiões e países produtores. Cerca de 50 grupos e agricultores participaram do evento. A partir desses relatos, o RTRS começará a esboçar, na reunião do mês que vem, em Assunção, o documento.

"Não existe ainda o dever de casa para o setor agrícola, como existem para as áreas industrial e financeira", diz Wells. "Um dos princípios, por exemplo, será exigir o cumprimento das regras da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Pode parecer banal, mas na hora de o Maggi comprar a soja, se descobrir que seu fornecedor cobra aluguel de um empregado, o que é proibido por lei, ele pode se negar a fechar negócio".

Embora o grupo seja internacional, o foco de atenção tem sido o Brasil. "Os EUA estão no limite de área para soja. Argentina tem mais um pouco, mas o Brasil tem muita terra - a Amazônia e o cerrado", diz Wells. "E é aí que os problemas ambientais estão em evidência".
(Por Bettina Barros, Valor Econômico, 25/07/2006)

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