Preocupação com a preservação faz com que ilhas colombiana e chinesa sejam declaradas Patrimônios da Humanidade
2006-07-25
A ilha colombiana de Malpelo e o Monte Siguniang de Wolong, na China,
são as atuais menina-dos-olhos de biólogos e
ambientalistas que lutam para manter intactas as poucas reservas
ecológicas que ainda restam no planeta. Segundo o mapa
elaborado pela ONG americana Conservation International, uma das mais
conceituadas do mundo, a humanidade já perdeu
cerca de 70% de sua vegetação original. E também gira em torno desse
porcentual a extinção de diversas espécies. Diante
desse dramático quadro, os especialistas correm contra o tempo para
reverter a situação, numa espécie de vale-tudo contra a
devastação e a morte de animais. No campo burocrático, o governo da
Colômbia está criando regras cada vez mais rígidas
para quem pretende pôr os pés em Malpelo.
No campo do desespero, os
cientistas chineses recorreram até a vídeos com
imagens de animais copulando para estimular os pandas do Monte
Siguniang a se reproduzirem. A luta desses dois países foi
recompensada: a ilha de Malpelo e o Monte Siguniang foram coroados, na
semana passada, como Patrimônio da Humanidade
pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (Unesco).
Localizada no oceano Pacíficio a cerca de 500 quilômetros do litoral colombiano, Malpelo vem recebendo há décadas uma
série de cuidados especiais dignos de um santuário ecológico. Em uma área de 3,5 milhões de metros quadrados (o
equivalente a 23 estádios do Maracanã), vive uma rica diversidade de fauna e flora e sua imponente forma rochosa, que emerge
a quatro mil metros do fundo do mar, e é rodeada por mais de dez ilhotas. Tudo isso faz com que Malpelo se assemelhe a
paraísos idealizados em contos infantis. Mas quem desejar conhecer o motivo definitivo que levou a Unesco a eleger esse
lugar como Patrimônio da Humanidade terá de preparar o fôlego, prender a respiração e se imbuir de coragem: a
aproximadamente 200 metros de profundidade, na mais plena escuridão do oceano Pacífico, lá reina o tubarão-areia,
cientificamente conhecido como Odontaspis ferox.
“Pode-se contar nos dedos de uma única mão os locais em que ainda se
pode ver essa espécie”, relata a Unesco. Pesando 90 quilos e, obviamente, com dentes muito bem afiados, esse raro gigante
alimenta-se de pequenos peixes, moluscos, enguias, caranguejos, raias, lulas, camarões e outros crustáceos. A existência
na região desse diversificado cardápio atraiu muitos tubarões e tornou Malpelo um reconhecido parque marinho, capaz de
abrigar populações de mais de 200 turbarões-martelo, mil cações-galhudo e algumas centenas de tubarões-baleia. Para
conservar tudo isso, pesquisas científicas, turismo e até mesmo educação ambiental in loco só são permitidos com
acompanhamento de monitores especializados.
Do outro lado do mundo, o excesso de cuidados não é diferente. Pesquisadores chineses provaram que, na luta contra a
extinção de uma espécie, toda a excentricidade vale a pena. Está-se falando de um animal muito preguiçoso, tão preguiçoso
que demora a se mexer até para fazer sexo: o panda gigante que vive na região do Monte Siguniang. Os biólogos do Centro de
Pesquisa de Wolong, na província chinesa de Sichuan, beiraram à exaustão para conseguir que tais pandas tocassem os
seus genes para frente. Foram usados satélites para monitorá-los e observou-se que menos de 10% dos machos criados em
cativeiro sentiam estímulos para copular.
Esses foram os primeiros passos. Depois disso, foi a vez da mais curiosa das
experiências, a exibição de um vídeo educativo sexual para a panda-fêmea Hua Mei, criada em cativeiro. O cineminha deu tão
certo que ela copulou e ficou prenhe. Finalmente, os cientistas investiram na inseminação artificial e superaram o desinteresse
sexual da espécie – o sêmen utilizado foi o do panda gigante Chuang Chuang, emprestado da Tailândia. Através desse
método nasceram 21 espécies em cativeiro, um recorde que deixou a China aliviada: retirou os seus desengonçados e alegres
ursos da lista mundial de animais em extinção e colocou o país, através da região do Monte Siguniang, no rol de Patrimônio
da Humanidade.
“A partir de agora o panda estará protegido pelas leis chinesas e internacionais. Cuidaremos melhor deles
para que possam viver aqui para sempre”, diz o vice-governador de Sichuan, Wang Huaizheng. Assim, tanto a Colômbia
quanto a China vivem hoje o orgulho de servirem de exemplo para um mundo que sofre com o descaso ambiental. “Esse
reconhecimento da Unesco reforça a auto-estima desses países e desperta o amor pela conservação da natureza. Deveríamos
lembrar todos os dias: nós só cuidamos daquilo que amamos”, diz Haroldo Castro, diretor da Conservation International.
(IstoÉ, 26/07/2006)
http://www.terra.com.br/istoe/