Guru dos principais centros de pesquisa agropecuária ao redor do mundo
e especialista na análise do impacto da inovação agrícola na economia
de países em desenvolvimento, o professor americano Robert Evenson
afirmou em entrevista ao Valor que os avanços da genética e da
biotecnologia estão cada vez mais restritos às multinacionais privadas
e que as instituições públicas perderam a capacidade de liderar o
desenvolvimento de tecnologias voltadas a ganhos de produtividade.
"A biotecnologia é uma revolução das multinacionais privadas", disse,
no intervalo de sua palestra no workshop internacional sobre
agricultura tropical realizado pela Embrapa e pelo Banco Mundial. E
comparou: juntas, Syngenta, Bayer, Basf, Monsanto, Du Pont e Dow
AgroSciences investiram US$ 3 bilhões ao ano em biotecnologia desde
2001. "Enquanto isso, o setor público gastou US$ 1 bilhão nessas
pesquisas".
Diretor do Programa Internacional de Economia na prestigiada
Universidade Yale, Evenson defende que as sementes híbridas "crioulas"
devem permanecer um "bem público", e que entre os principais desafios
da biotecnologia estão a parceria público-privada, a repartição dos
ganhos com a manipulação genética e a recusa da União Européia em
aceitar transgênicos.
Evenson avalia que a Monsanto desfruta de um "monopólio na soja
transgênica", mas que as empresas européias ocuparão seu espaço neste
mercado "num curto prazo" e com novas cultivares de algodão, milho,
entre outras. Para ele, o presidente Lula "não tem muitas alternativas"
no setor se não decidir destravar as autorizações para as pesquisas
com transgênicos. Ele revelou que a taxa de retorno das pesquisas
agrícolas no Brasil chegam a 44,5% no total investido. Mas,
considerando a pouco influência do setor no país, pergunta: "Se os
resultados são tão bons, porque não acreditam nesse potencial e
ampliam o financiamento às pesquisas? Elas se pagam em dois ou três
anos, no máximo".
"Vendida" como solução para a agricultura mundial pelas empresas do
ramo, Evenson afirmou que a biotecnologia tem sido ainda mais
restritiva que a "Revolução Verde", iniciada na década de 1950 para
aumentar a oferta de alimentos no mundo e que ajudou a alavancar as
vendas de sementes híbridas, adubos, agrotóxicos e maquinários. "E
deixará cada vez mais para trás os países que não investirem de forma
em pesquisa agrícola".
Produtor rural por nove anos em sua terra natal no Estado de Minnesota,
onde também foi professor de Economia Agrícola, Evenson afirmou que
as múltis "subestimaram" a necessidade de transmitir os benefícios dos
transgênicos ao consumidor. "Só pensaram em mostrar os impactos de
redução dos custos de produção aos agricultores. Eu mesmo não senti os
efeitos dessa tecnologia". Daí, concluiu, surgiu a resistência aos
transgênicos na Europa. Além disso, Evenson estima que as empresas de
biotecnologia têm ficado com 30% a 50% da redução de custos propiciada
pelos transgênicos. "E isso pode reduzir o entusiasmo dos produtores
no longo prazo".
Ex-professor de vários economistas brasileiros na Universidade de
Chicago nos anos 1960, Evenson afirmou que as economias emergentes,
como Brasil, Índia e China, têm chances de superar os desafios para
tirar proveito da biotecnologia. "O Brasil não está muito longe da
fronteira do conhecimento tecnológico agrícola, mas os pequenos países,
sobretudo da África Subsaariana, não têm dinheiro para financiar essa
nova tecnologia", sentenciou. "Se não eles não aproveitaram antes,
quando a tecnologia da Revolução Verde era aberta e acessível, agora
não vão dar conta do recado. É cada vez mais difícil ser competitivo,
e reduzir o preço dos alimentos ao consumidor interno, sem
tecnologia".
Ele diz que desde a década de 1960 a receita líquida per capita diária
caiu de US$ 2 para US$ 1 na África Subsaariana. E que o tamanho médio
das propriedades rurais passou de 1,2 para 0,8 hectares. "Lá, se
produz 1 tonelada de milho por hectare. Nos EUA, a média chega a 9,5
toneladas". No Brasil, são 4 toneladas.
Em seu diagnóstico sobre o retorno dos investimentos em pesquisa
agropecuária, Robert Evenson diz que o processo de inovação
tecnológica na agricultura está diretamente ligado ao avanço dos
indicadores econômicos e sociais. "O PIB dos países que não
conseguiram alcançar a Revolução Verde diminuiu, a produtividade
decaiu e a mortalidade infantil cresceu". Segundo ele, os produtores
dos países que não conseguirem produzir a custo baixo por falta de
tecnologia também têm sido prejudicados pela queda das cotações
internacionais dos grãos.
(Por Mauro Zanatta,
Valor Econômico, 24/07/2006)