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2006-07-24
Televisores finíssimos e de alta resolução, cosméticos superpoderosos, madeira auto-limpante, camisetas com painéis luminosos, pontas supersensíveis para microscópios. Todas essas aplicações estão sendo estudadas no Brasil pelos pesquisadores em nanotecnologia. Físicos, químicos, farmacêuticos, biólogos trabalham dentro do laboratório das universidades moléculas muito pequenas a fim de conseguir novos materiais que gerem produtos mais eficientes. Dinheiro, muito dinheiro envolvido.

Durante o Encontro Aberto “Nanotecnologia - O que já aconteceu”, realizado na tarde de sexta (21/07) durante a 58a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Florianópolis, muito se falou sobre esse avanço tecnológico extraordinário. Só nos dez minutos finais do encontro – de quatro horas – os pesquisadores se lembraram de dois coadjuvantes essenciais de todo esse processo: o meio ambiente e o ser humano.

O professor Marcos Pimenta, do departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), abriu o jogo. “Tudo o que a gente trabalha de alguma maneira é tóxico e de alguma maneira polui o meio ambiente. É uma questão séria, que a sociedade precisa saber. Não é só vantagem."

A pesquisa de Pimenta é com nanotubos de carbono. Os rolinhos microscópicos da UFMG têm muitas aplicações. Podem servir para desde pequeníssimos canhões de luz dentro de uma televisão a identificadores luminescentes de macrófagos num ambiente microscópico. Acontece que, segundo o professor, pesquisas mostram que os tubinhos podem causar fibrose no pulmão, se inalados. A fibrose pulmonar é uma doença progressiva, que deixa cicatrizes no pulmão, dificulta a respiração e não tem cura. O Ministro das Comunicações de FHC, Sérgio Motta, morreu disso. Ainda assim, o professor prefere ser sincero. “Nessa questão, todo mundo tem que abrir o jogo e falar claramente.”

Em entrevista ao AmbienteJÁ, Pimenta foi mais cauteloso. “A situação não é tão dramática. Essas partículas se agregam a estruturas maiores, é difícil ficarem isoladas.”

Um alívio.

“A não ser que elas tenham passado por um tratamento químico para ficarem isoladas, daí é preciso tratá-las quimicamente outra vez para que possam se agrupar”.

Preocupação.

A professora Sílvia Guterres, da faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) acalma os participantes da sessão. “Não dá pra generalizar. Cada caso é um caso. Depende, depende, depende. Por exemplo, pesquisávamos um produto em que uma nanopartícula aplicada na pele foi detectada na corrente sanguínea. Isso foi reestruturado e não foi mais usada partícula daquele tamanho.”

Guterres é a coordenadora de um grupo de pesquisas de nanobiotecnologia em cosméticos. Ela conta que o Brasil é um grande mercado, e sempre se busca aperfeiçoar esses produtos. Grandes empresas multinacionais, como a francesa L Ancome, já usam nanotecnologia, e os itens já estão em circulação no Brasil há mais de dez anos. Com esse argumento, Guterres garante a segurança de seus produtos de beleza.

“Há produtos que já estão no mercado há mais de 15 anos, sem nenhum registro de problema”, diz a professora ao AmbienteJÁ. “Isso é uma margem de segurança boa”. Mas e as reações não esperadas, a longo prazo? Guterres: “É possível, uma coisa é estudar de forma aguda agora, e outra é o uso prolongado para a população em vários anos”. Ainda assim, a professora acredita que vale a pena. “Se há receio, ainda há perspectivas vantajosas superiores, se for botar na balança.” Guterres conta que, por exemplo, os novos cosméticos são “altamente biodegradáveis”. Ainda não há nenhum produto cosmético nanotecnologicamente produzido por empresas brasileiras no mercado.

O professor de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Fernando Galembeck diz que nem em sonho um produto que não tem uma margem de segurança “razoável” chega ao mercado. “A indústria aprendeu que agressão ao ambiente e riscos toxicológicos são fontes enormes de prejuízos. A indústria não quer prejuízo. Risco significa, no fim da linha, processo e indenização”, diz o professor. Ele lembra a trajetória do amianto e da energia nuclear, que levaram empresas à falência.

Não há o que temer, segundo Galembeck. “A mãe do medo é a ignorância. Quem estiver informado vai compreender, quem não estiver, não vai”. E compara: “O carro é bom ou ruim? Alguém já morreu por causa de carro?”

O pesquisador diz que nem cogitaria continuar pesquisando se houvesse qualquer indício de risco em suas experiências. O que ele concebeu foi um nanocomposto de polímero com argila que tem as mais diversas aplicações associado com outros materiais. Ao ser usado com saco plástico por exemplo, a sacolinha fica aderente e é possível escrever nela ou fazer impressão a jato de tinta. A invenção já rendeu tanto dinheiro que vai sustentar o curso de graduação em Química da Unicamp por 20 anos.

Esses nanocompostos, diz o professor, podem até resolver um grave problema ambiental: dá para fazer pneu reciclável. Isso porque a invenção pode ter as mesmas propriedades mecânicas de um pneu de borracha vulcanizada, que não é reciclável, com a vantagem de serem totalmente reaproveitáveis.

Segundo Galembeck, tudo foi testado para saber se poderia ser tóxico ou agressivo ao meio ambiente. Num dos testes, colocou-se em água o produto e vários peixes, das qualidades mais sensíveis. Tudo correu bem. Até em casa o professor faz testes. Com os resíduos de seus experimentos, aduba cerca de 50 árvores frutíferas de sua propriedade. Ele garante que funciona, sem risco nenhum para as plantinhas.

Mesmo certo de que a indústria não apostará em produtos nanotecnológicos prejudiciais, o professor se diz preocupado com a falta de preocupação dos colegas. “Vejo muita gente trabalhando sem ter informações claras sobre os riscos.”

Medo é desinformação
Segundo o mediador do encontro e coordenador científico do Instituto de Química da Unicamp, Oswaldo Alves, o medo das pessoas em relação a produtos nanotecnológicos é desinformação. Ele se diz totalmente certo da segurança dos produtos.

“Desde que o produto seja licenciado, não há nenhum problema. Eu uso filtro solar com fatores elevados que eu sei que tem nanopartículas. Minha esposa usa cremes que têm nanopartículas.”

Contra a idéia da informação está a professora Guterres, que sugere até que o nome nanotecnologia seja trocado, já que assusta tanto os consumidores. O professor Galhembeck conta que empresas de cosméticos no Japão tiraram da embalagem o termo quando se deram conta do medo do mercado.
(Por Felipe Santana, especial para o AmbienteJÁ, 24/07/2006)

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