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2006-07-24
Embora a lei ambiental seja clara, indenizar e remanejar pessoas que vivem dentro de unidades de conservação são operações complicadas. O Parque Nacional do Jaú (AM), o segundo maior do país, demorou 25 anos para encontrar uma possível solução: a criação de uma reserva extrativista em uma área próxima que já era aproveitada para as atividades de subsistência dos moradores do parque. Os ribeirinhos negociaram anos com o Ibama e já estavam convencidos de que, mais cedo ou mais tarde, teriam de sair quando fossem devidamente indenizados. Mas os esforços para resolver a situação fundiária do parque começaram a desmoronar depois que políticos interferiram com conselhos do tipo: “Se vocês lutarem, nem do parque vão ter que sair”. O caso virou de ponta-cabeça.

A história é cheia de nuances. Quando o parque foi criado, em 1980, comunidades ribeirinhas já viviam nas margens do rio Unini, que marca o limite norte da unidade de conservação. Ainda hoje, a maioria mora na margem direita do rio, que pertence ao parque, mas retira seu sustento na margem esquerda, onde cultivam mandioca, banana e realizam atividades de extrativismo de cipós, castanha-da-Amazônia, copaíba e pesca. Daí veio a idéia de decretar, na margem esquerda, uma reserva extrativista (resex).

Essa categoria de unidade de conservação admite moradia de populações tradicionais e permite atividades de subsistência de baixo impacto. Depois de quatro anos de negociações, o governo federal criou, no mês passado, a Resex do Rio Unini com nada menos que 800 mil hectares. Esperava-se que assim o Jaú pudesse começar a se tornar um parque nacional como manda a lei: destinado apenas à pesquisa científica, educação ambiental, recreação e turismo ecológico.

Mas não. O próprio Ministério do Meio Ambiente (MMA) reconhece que a resex não nasceu com o objetivo de transferir as famílias que moram no parque do Jaú. O argumento é que as áreas da resex são inundáveis, com pouca terra firme, o que inviabiliza o estabelecimento das comunidades nas margens. É claro que, em 800 mil hectares, é improvável que não haja terras próprias para as famílias. Na verdade, há. Mas segundo José Dionísio da Silva, secretário da Associação dos Moradores do Rio Unini (Amoru), só é possível chegar a essas áreas mais distantes por canoas, que conseguem passar pelos igapós em travessias que duram mais de uma hora.

Proposta em estudo
Diante disso, Virgilio Viana, secretário de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas resolveu interceder a favor dos moradores. Confirmou a sugestão do prefeito da cidade de Barcelos, de deputados e de advogados consultados pela associação de moradores e propôs que a área onde as famílias estão seja anexada à resex recém criada. Dionísio espera até mais: que uma faixa de 10 quilômetros a partir da margem direita do rio Unini, o lado do Jaú, deixe de ser parque. Viana levou a idéia ao MMA, que prontamente começou a estudá-la, enquanto o Ibama no Jaú ficou a ver navios. Segundo um servidor, eles sequer foram convidados para participar da reunião que resultou nessa proposta de redução do parque.

O secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, João Paulo Capobianco, informa que nos próximos dias será montada uma comissão composta por técnicos do ministério, do Ibama, do órgão estadual de meio ambiente do Amazonas e de organizações da sociedade civil para analisar a questão. “Não existe posição tomada, nem definida. Vamos verificar se é possível fazer um ajuste e em que condições, porque circulam informações de que as características físicas da resex não permitem o remanejamento das famílias”, explica Capobianco. Mas o secretário enfatiza. “O objetivo não é reduzir a área do parque, mas estudar de que maneira a situção dos moradores da margem direita pode ser resolvida”.

O parecer da comissão deve sair entre 60 e 90 dias. E, caso a conclusão penda para a redução do parque, Capobianco já adiantou que o Jaú pode ser compensado com a anexação de trechos muito preservados limítrofes à parte sul da unidade. A intenção é englobar tributários do rio Carabinani. Segundo o secretário, a proposta final dessa comissão será apreciada pela ministra e, no caso da desafetação do parque, precisará ainda passar pelo Congresso Nacional.

Os dois lados
O Parque Nacional do Jaú é uma das unidades de conservação mais bem consolidadas da Amazônia. Com cerca de 2,2 milhões de hectares, tem dois flutuantes, uma base em terra firme próxima ao encontro do rio Jaú com o Negro e um centro de visitantes a 200 quilômetros de Manaus. Mas até o primeiro concurso do Ibama de 2002, apenas dois vigilantes terceirizados e o chefe do Ibama na unidade cuidavam do parque. Agora, são cinco analistas ambientais, mais seis vigias. Melhorou, mas ainda é pouco para o tamanho e a importância que tem para conservação dos ecossistemas e espécies ameaçadas, como a jacareatinga, a tartaruga da Amazônia, tracará, jacaré-açu, gavião real, uacari-preto, ariranha, gato-maracajá e onça pintada.

Conforme explica a analista ambiental Mariana Leitão, chefe substituta do parque, apesar da existirem moradias espalhadas por toda extensão do rio Unini, as áreas ocupadas estão em bom estado de conservação. Na área desde 2002, ela conta que existem duas comunidades na área da resex, seis dentro do parque e mais uma na reserva estadual de desenvolvimento sustentável, vizinha ao Jaú. Todas na beira do Unini. Somadas, aproximadamente mil pessoas dependem diretamente dos recursos do rio.

Na opinião de Arnaldo Carneiro, ecólogo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), essa é uma briga que as populações merecem levar se não puderem se mudar para um lugar melhor. Para ele, não se trata de ser a favor da redução da unidade de conservação, mas do investimento em um trabalho de mobilização social de longo prazo que culmine na saída, aos poucos, das populações de dentro do parque – como o que tem sido conduzido pela Fundação Vitória Amazônica (FVA) há 16 anos.

O pesquisador explica que um estudo do Inpa no final da década de 70 fundamentou a iniciativa do governo federal de proteger toda bacia do rio Jaú em uma única unidade de conservação, devido à importância ecológica da área, com especial atenção à diversidade de pássaros. Os critérios para demarcação foram balizados pelos contornos naturais da região, que até extrapolam os limites na bacia, segundo explica Carneiro. Por esse motivo, mesmo com essa possibilidade de perda da margem direita do rio Unini, não haveria impacto significativo na conservação do parque. “Ao respeitar os contornos naturais, a famílias que viviam ali foram englobadas. Esse é um problema comum às unidades de conservação, que nós temos que aprender a resolver”, diz Carneiro.

Nessa discussão, embora não veja grandes perdas ao conceder também a margem direita do rio aos ribeirinhos, Carneiro teme o risco da abertura de um precedente para diminuir outras unidades de conservação de uso restrito. “Pode ser perigoso, mas é um precedente que já foi aberto”, conta. O ecólogo lembra que recentemente a Estação Ecológica da Terra do Meio, no Pará, perdeu um pedaço de sua área justamente pelo mesmo motivo, quando foi criada a Reserva Extrativista Iriri, também no mês passado. Mariana, do Ibama, concorda. E receia que a redução do parque permita a sua retalhação. “Existem comunidades no coração do parque, no rio Jaú. Já pensou se eles quiserem transformar suas áreas em reservas extrativistas também?”, questiona Mariana.

Ação na Justiça
Enquanto essa situação não se define, o Ibama é obrigado a assegurar o direito da terra às comunidades. O relacionamento com os ribeirinhos é amistoso. Atualmente os moradores compõem a maior parte do conselho consultivo do parque, em fase de consolidação. Não era assim no passado. Circula na região a história de ex-moradores que sairam e não foram indenizados. Hoje, eles moram no município de Novo Airão e solicitaram ao Ministério Público Federal em 2004 a abertura de uma ação civil pública contra o Ibama, acusando o instituto de tê-los expulsado sem indenização.

As condições em que esses ex-moradores deixaram o parque ainda não estão claras e o caso não foi julgado. Mas por causa dessa ação, todo mês a Justiça exige do Ibama relatórios para provar que o instituto está trabalhando pela regularização fundiária. “Precisamos de dinheiro, mas já fomos sinalizados com uma ajuda do Programa de Areas Protegidas da Amazônia (Arpa)”, informa a chefe substituta do parque.

A Fundação Vitória Amazônica, que foi contratada para realizar o plano de manejo da unidade, nega que tenha participado dessa ação contra o Ibama. “Fomos apenas consultados pelo Ministério Público porque temos um levantamento das comunidades”, defende Ana Cristina Ramos de Oliveira, secretária executiva adjunta da FVA.

Com a resex criada, a associação de moradores iria se concentrar para unificar as comunidades do Unini e discutir como fariam para sair do parque. “Mas como vimos que há possibilidade de ficar, vamos nos fortalecer por essa proposta, para melhorar a nossa qualidade de vida”, explica Dionísio, representante dos moradores do Jaú.
(Por Andreia Fanzeres, O Eco, 22/07/2006)

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