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2006-07-21
Em copo ou garrafinha, se o rótulo acusar “água mineral”, aquele líquido vem de baixo da terra. Se a empresa for de um dos sete estados brasileiros onde está localizado o Aqüífero Guarani, é quase “tiro certo” que aquela água a se beber já esteve depositada no lençol freático.

Como geralmente o maior contato do sujeito com o aqüífero é esse – através de garrafinhas ou copinhos – é difícil imaginar quão importante é esse reservatório de água que fica escondido embaixo do solo. Como pouca gente conhece e quase ninguém o viu, é ainda mais difícil preservar.

O principal fator da degradação é a falta de informação, principalmente quanto à perfuração de poços, segundo afirmou o professor da Universidade de São Paulo (USP) Ricardo Hirata, em conferência realizada na tarde de quarta-feira(19/07), durante a 58a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada em Florianópolis.

Em São Paulo, já é moda ter no condomínio um poço tubular profundo. Segundo levantamento preliminar feito pela USP, já são mais de mil só no Estado, principalmente em condomínios de classe média e alta. Esses poços atravessam a rocha basáltica que protege a água subterrânea e tiram a água direto do aqüífero. O problema é que, segundo o professor Hirata, 70% desses poços são clandestinos. E, para sair da clandestinidade, nem precisa suar a camisa.

Segundo ele, o que falta é informação. Para a legalização e outorga de um poço, no Estado de São Paulo, é necessário apenas o cadastramento junto ao governo e o pagamento de uma pequena taxa mensal.

Esse simples cadastramento, de acordo com o professor Hirata, ajuda a salvar o aqüífero, já que através dele são combatidos dois temas críticos: a superexploração das águas e a contaminação. Isso porque, depois de cadastrados, a cada poço é estabelecida uma quantidade de água a ser retirada, e a perfuração é averiguada, para garantir que não haja contaminação. De quebra, o usuário ainda tem a água testada pelo órgão competente.

“Se o poço é clandestino, a responsabilidade sobre a qualidade da água é da pessoa que abre o poço”, disse ao AmbienteJÁ o professor Hirata. “Eu pergunto ao sujeito: você vai dar essa água ao seu filho?” A água do Aqüífero Guarani em geral é de excelente composição química, admite, mas já foram registradas áreas com excessivas quantidades de flúor. Enquanto o limite para a água potável é de 1mg de flúor por litro, já foram detectados pontos com até 14mg. Além disso a perfuração mal assistida de poços clandestinos pode ocasionar a contaminação por agrotóxicos ou fertilizantes presentes no solo.

Quanto à superexploração, há o risco de a retirada ser maior do que a capacidade do aqüífero, e também de ser feita antes da recarga. “Ainda não se sabe o real potencial hidráulico do aqüífero, mas através do cadastramento pode-se estipular uma quantidade de água a ser retirada de forma que seja aproveitável por todos”, diz o professor.

“É necessário que haja um incentivo ao cadastramento, informando a população sobre os riscos de se ter um poço clandestino”, diz. Com uma fiscalização maior, também aumenta o medo de o poço ser interditado e o investimento perdido. Para se abrir um poço profundo, no Estado de São Paulo, paga-se entre R$ 60 mil e R$100 mil.

Os mitos

É compreensível que o Aqüífero Guarani não seja um assunto de domínio da população porque até para os pesquisadores ele ainda guarda mistérios. Não se sabe, por exemplo, a potência hidráulica total do reservatório, e nem como funciona o fluxo das águas. Por isso o Projeto de Desenvolvimento e Proteção Ambiental do Aqüífero Guarani, coordenado pelo professor Hirata, tem como objetivo melhorar o conhecimento da estrutura do reservatório.

Como conseqüência, o projeto pretende estabelecer um protocolo e regras de comum gestão das águas entre os quatro países que ficam em cima do aqüífero. A maior área de ocorrência dessa reserva de água é no Brasil, que tem 71% do lençol freático, enquanto a Argentina tem 19%, o Paraguai 6% e o Uruguai, 4%.

Hirata adverte ainda para o que ele chama de “complicações conjunturais”. Uma delas é o ufanismo: “Ao contrário do que muitos pensam, o Aqüífero Guarani não pode salvar a humanidade”, explica. “Ele é um grande reservatório de água, mas não pode abastecer o mundo por muitos anos”.

Hirata salienta também que uma teoria conspiratória, de que o aqüífero seria tomado pelo capital financeiro em uma nova guerra, é imaginação popular. “A água não tem valor agregado como tem o petróleo”, explica. “É mais fácil e barato uma grande potência dessalinizar as águas do oceano do que transportá-la de um país para outro. As complicações políticas geradas por uma guerra não seriam viáveis pelo valor que a água tem hoje.”

Segundo o especialista em direito internacional da água e professor da UFSC Christian Caubet, “os Estados Unidos estão atrás de recursos naturais, e um dia será a água”. O professor avalia, porém, que não será necessária uma guerra, mas que o “entreguismo” dos seus recursos naturais pelos latino-americanos facilitará uma possível tomada da água brasileira.
(Por Felipe Santana, especial para o Ambiente Já, 21/07/2006)

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