“Será o Nuclear Alternativa?” foi o temaque serviu ao lançamento de debates que o PSD pretende organizar, com o objectivo de abordar “assuntos de relevo”, como afirmou o presidente da Comissão Concelhia do partido, Rui Costa. O encontro decorreu no Auditório do Museu da Chapelaria, na passada segunda-feira, 17 de Julho. Para estas iniciativas, o partido quer convidar “figuras que dignifiquem o debate”. Por esta razão, para falar sobre energia nuclear, assunto que está na “ordem do dia”, foi convidado Mira Amaral, ex-ministro da indústria do Governo de Cavaco Silva, homem com “opi-nião fundamentada sobre o tema”.
Mira Amaral, “hoje afastado da vida partidária”, começou por afirmar que o debate sobre centrais nucleares se deve centrar na “validade” que estas terão no “contexto das políticas energéticas” do país. Confessando-se “moderadamente pró-nuclear”, Mira Amaral alertou que “não há soluções simples” e que o nuclear não vem “resolver o problema de curto e médio prazo”.
No choque petrolífero
Falando sobre a “possível ressurreição do nuclear”, Mira Amaral traçou o retrato actual, referindo-se a um novo “choque petrolífero”, causado pela Índia e China. Devido ao seu crescimento econômico, estes dois países têm crescentes necessidades energéticas, conseqüentemente aumentando a procura de petróleo, que não é acompanhado por um aumento da oferta. Todo este fenômeno leva a um inevitável aumento do preço do petróleo.
Mira Amaral salientou, no entanto, que este é “diferente dos choques feitos pelos árabes”, em que estes se limitavam a “restringir a oferta”, pois enquanto estes que se sabiam ser “temporários”, o novo choque petrolífero “veio para ficar”, embora o mundo ocidental esteja hoje “menos dependente do petróleo”.O choque provocado pela Índia e a China não têm, no entanto, os “efeitos nefastos” que criaram os choques provocados pelos árabes, uma vez que, devido à concorrência dos baixos preços do bens produzidos nos países asiáticos, os produtores ocidentais não podem traduzir o aumento do petróleo no produto final.
Embora a Europa tenha diversificado o consumo do gás natural, Mira Amaral alertou que este facto também traz problemas, pois, geograficamente, os países produtores de petróleo são também os que têm reservas de gás natural, levando à mesma situação da dependência. Além disso, o preço do gás natural está indexado ao do petróleo. Por estas razões, o ex-mi-nistro defende que “não é com o gás natural que resolveremos o problema”.
Mira Amaral considera que hoje somos “vítimas dos fundamentalistas árabes(petróleo), dos ambientalistas (protocolo de Quioto), dos defensores de Foz Côa,das eólicas”, estando “entalados no sistema energético”, pelo que rejeita “mais tabus” sobre a energia nuclear. Hoje “já quase não usamos petróleo para gerar energia eléctrica”, mas nos transportes ainda é o principal combustível.
Grande parte da eletricidade é produzida em centrais a gás natural, logo, “aelectricidade sofre com o aumento dopetróleo”.Ao nível dos transportes, Mira Amaral re-conhece que “ainda vamos precisar depetróleo alguns anos”, até surgirem osautomóveis eléctricos.
Portugal já sofre os riscos das centrais nucleares
Atualmente, Portugal já “tem os riscos e custos ambientais das centrais nucleares espanholas”, portanto, Mira Amaral defende que se deve discutir se “tem interesse” para o país a construção destas em território nacional, alertando que “o país não tem dimensão para ter várias centrais nucleares”, apenas duas no máximo. Portugal não tem ainda “escala” para ter o “aparelho de segurança”, inerente à existência de centrais nucleares e que é bastante dispendioso, exclusivamente português.
Neste sentido, o ex-ministro,defende que, no caso de construção decentrais em Portugal, se deve apostar num aparelho de segurança ibérico. Afirmando que as centrais eólicas nãovão resolver o problema do consumo, MiraAmaral defendeu a implementação demedidas de gestão da procura para a pou-pança de energia, reconhecendo que es-tas obrigam a uma mudança de mentali-dades e hábitos. Mas mesmo que estassejam implementadas, serão necessári-as novas centrais, pelo que considera que“temos de discutir e não ter tabus sobreo nuclear”.
Paralelamente, defende a implemen-tação de políticas de conservação e utili-zação racional de energia nos sectoresresidencial e transportes. Até a melhorianas condições de vida pode levar ao au-mento do consumo de energia, por exem-plo, a generalização dos aparelhos de arcondicionado leva a que hoje existam “pi-cos de aumento de consumo de energiano Verão”. Algumas destas medidas pas-sam, por exemplo, pela formulação de re-gras para a construção de edifícios, a apos-ta nos transportes ferroviários e marítimos,a promoção de transportes públicos dequalidade, entre outras.
Razões econômicas alteraram-se
Quando esteve no Governo, Mira Amaralcalculou o custo económico das centraisnucleares, tendo chegado à conclusão queestas são mais caras. No entanto,garantiu, “na altura não havia condiçõespolíticas para lançar um projecto” nessaárea, mesmo que estas centrais fossemmais baratas que as alternativas.Mas hoje, defendeu, “há lugar para mu-dança de política” e as “pessoas perce-beram que alguma coisa mudou” e quese deve “fugir aos combustíveis fósseis”.
“As razões económicas do meu tempoalteraram-se”, afiançou.“Não há solução perfeita, todas têm in-convenientes”, disse.No final da dissertação de Mira Amaral,teve lugar um pequeno debate, com ospresentes a colocarem questões relacio-nadas com a gestão dos resíduos nascentrais nucleares, a razão para haver umelevado número de centrais em diversospaíses da Europa e dos chamados paí-ses de Leste, entre outras.
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Jornal Regional, 19/07/2006)