Famílias que sobrevivem de extrativismo ilegal tentam provar que trabalham de modo sustentável em Maquiné (RS)
2006-07-20
No nordeste do Rio Grande do Sul, cerca de 2 mil famílias extraem ilegalmente a samambaia preta (Rumohra adiantiformis), espécie ameaçada da Mata Atlântica. A atividade é proibida pelo Código Florestal Estadual (criado em 1992 através da Lei 9.519) e pelo Decreto Federal n° 750/93. No entanto, muitas comunidades rurais da região que dependem do extrativismo para sobreviver estão tentando provar que utilizam os recursos florestais de modo sustentável, para que a atividade seja regulamentada.
O Projeto Samambaia Preta, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), analisa e monitora o caso na cidade de Maquiné desde o ano 2000. O município tem aproximadamente 8 mil habitantes, e a extração das samambaias resulta em um significativo retorno econômico.
O objetivo do projeto é dar subsídios técnico-científicos para que a atividade extrativista possa ser regulamentada, pois, segundo o Decreto Federal n° 750, o corte de espécies vegetais nativas na Mata Atlântica pode ser regularizado se embasado em estudos que visem a garantir a manutenção da espécie. É necessária também uma prévia autorização do órgão estadual competente para que ocorra a regularização.
A bióloga e doutora que coordena o Samambaia Preta, Gabriela Coelho de Souza, afirma que os dados da avaliação do extrativismo na região revelam que os moradores estão executado o extrativismo de acordo com os principais preceitos ecológicos de sustentabilidade. "Da maneira como é executada, a atividade já deveria estar regulamentada", defende.
Para aprimorar o uso de maneira eficaz e não predatória, foi elaborado, por meio do projeto da UFRGS, um manual de licenciamento e manejo das samambaias, que já está sendo utilizado pelos extrativistas da região de Maquiné.
A Samambaia Preta é comercializada internacionalmente. Dois países que a cultivam sob forma de monocultura são a Costa Rica e os Estados Unidos (Flórida), enquanto a África do Sul produz por extração, assim como o Brasil. Aqui, a atividade é feita desde a década de 70, principalmente na região da Encosta Serra Geral. Depois de extraídas, as samambaias rumam do Rio Grande do Sul para o maior mercado consumidor do produto, a região da Grande São Paulo.
O Projeto Samambaia Preta também pesquisa essa cadeia produtiva, e os resultados do estudo revelam predomínio de relações comercial informais, com um grande número de intermediários e ausência de representação e organização dos extrativistas. "Por causa da ilegalidade e da clandestinidade, os agricultores ganham muito pouco. Com a regularização, eles passarão a vender por um preço mais justo", afirma a doutora.
Em debate realizado ontem (19/07) na 58ª Reunião da SBPC, em Florianópolis, Paulo Yoshio Kageyama, membro da Diretoria de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e especialista em diversidade genética e manejo de espécies da Mata Atlântica, reforça o pedido pela regularização. "Os dados do projeto comprovam que o manejo das plantas é adequado e sustentável. É impressionante notar que o conhecimento tradicional muitas vezes equivale ao conhecimento científico."
A doutora Gabriela Coelho argumenta que o papel da academia não é só conservar a biodiversidade, mas também a sociodiversidade. "Queremos auxiliar no processo de regulamentação para que, dentro de uma perspectiva neoextrativista, seja garantida a continuidade da atividade desses agricultores."
(Por Heitor Cardozo, especial para o AmbienteJÁ, 20/07/2006)