Ao saber o quanto lucraria com a floresta de eucaliptos, José Luiz Caldeira Lucas, de Cerrito, não titubeou em se tornar
parceiro da Votorantim Celulose e Papel (VCP). Aos 58 anos, foi o primeiro a assinar contrato com o grupo brasileiro, que
planeja construir uma fábrica no sul do Estado.
O Pampa gaúcho abrigará três indústrias de celulose. A pioneira, a Aracruz, já opera em Guaíba, com florestas na costa doce
da Lagoa dos Patos e na Região Carbonífera, e tem planos de se expandir ao longo do Rio Jacuí, até São Gabriel.
As outras duas estão em implantação. A sueco-finlandesa Stora Enso fixou-se na área do Alegrete. A VCP escolheu a faixa
entre Pelotas e Bagé, onde o agropecuarista José Lucas já plantou 62 mil pés de eucalipto.
Ao caminhar no que chama de lavoura, Lucas percebe que as árvores já estão do seu tamanho. Ao final de sete anos, poderá
fazer a colheita e embolsar R$ 240 mil. Ele aderiu ao eucalipto por estar desesperançado com a agricultura.
- Não quero envelhecer pobre, tendo por saldo um amontoado de ferro-velho ao redor da casa - diz Lucas, dono de 171
hectares.
Junto a outros produtores, Lucas participou de um curso da VCP sobre cuidados ambientais. Durante três dias, aprendeu que
não deve plantar em locais de preservação ou próximo a fontes de água. Gostou de ouvir que quem desobedecer poderá ser
desligado da parceria.
Empresas prometem cuidados ambientais
A VCP pretende dispor de 100 mil hectares de matas de eucaliptos. O diretor florestal, José Maria de Arruda Mendes Filho,
ressalta que já foram comprados 87 mil hectares, em 15 municípios gaúchos. Também haverá as parcerias com produtores
rurais, como José Lucas.
O gigante do papel planeja uma indústria em local a definir, um investimento de US$ 1,3 bilhão. Já construiu um viveiro, com
27 hectares de estufas e instalações, em Capão do Leão. O empreendimento transforma a vida de Luciele Otto Turow, 21
anos. Ela trabalha na multiplicação de mudas, que chegará a 30 milhões por ano.
- Ajudava os pais na lavoura de fumo. Agora, tenho um salário fixo - conta a agricultora que virou operária.
A VCP promete zelar o ambiente. O engenheiro florestal Fausto Camargo diz que os eucaliptos crescerão em áreas já
degradadas (usadas pela agricultura) e distantes das zonas de pouca chuva. As florestas não serão compactas, mas em
mosaico. A empresa se compromete a semear árvores nativas, a respeitar os cursos de água e a monitorar animais
ameaçados de extinção.
Com as mesmas promessas de proteção à natureza, a Stora Enso está na fase da compra de terras, concentrando-se em oito
municípios da Fronteira Oeste. Em Alegrete, o agropecuarista Sirlei Silveira de Miranda, 61 anos, foi um dos primeiros a
negociar com a empresa sueco-finlandesa.
Miranda ficou satisfeito. Vendeu 1.140 hectares de campos ralos, que não se prestam à agricultura, e comprou uma área 300
hectares maior e dotada de melhores pastagens. Com a crise na agropecuária, vendo o drama de vizinhos que precisam se
desfazer das propriedades para escapar da falência, diz que não hesitou em fechar a transação.
- Não teria para quem vender, se não fosse a Stora Enso - conta.
O diretor florestal da Stora Enso na Divisão América Latina, João Borges, diz que o plano é ter 100 mil hectares plantados. A
empresa quer construir uma fábrica na região, que produza 1 milhão de toneladas de celulose por ano. O investimento será de
US$ 1,2 bilhão.
O cultivo da cautela
É com o toc, toc, toc, toc, toc, toc, toc de um pássaro socó no vidro que Ricardo Pereira Duarte e Nilza Izabel Mazetti
Dornelles despertam na cabanha Touro Passo, em Uruguaiana.
- Lá pelas sete o animalzinho pára na varanda, vai pra frente, pra trás, e o outro pássaro continua ali, refletido na frente. Ele
chega perto do vidro e, brabo, começa a bicar a sua imagem. É o nosso despertador - conta o pecuarista de 62 anos.
Detalhes assim da vida no campo inspiram Ricardo a continuar torcendo o nariz para a expansão de eucaliptos. Ele teme que
aves nativas como o socó desapareçam em meio às florestas exóticas.
- Pode observar: onde tem eucalipto, só dá caturrita e pica-pau - diz.
Para conservar o ambiente com retorno econômico, o casal propôs uma parceria com a Pontifícia Universidade Católica
(PUCRS), em Uruguaiana. A idéia é pesquisar quantas e quais espécies da flora existem nos 700 hectares que compõem a
cabanha. Um projeto gestado em meio a um passeio romântico.
- Um determinado dia, almoçamos e saímos caminhando pelo campo, próximo à propriedade. Olhamos para o chão e
percebemos quantidade de plantinhas desconhecidas e de florzinhas coloridas, que sequer sabíamos o nome. Impressionavam
pela beleza - recorda Nilza.
O passeio despertou uma curiosidade: quantas espécies haveria no pasto que alimenta touros e vacas na Touro Passo?
Procuraram letrados no assunto, consultaram bibliografias, mas permaneceram sem respostas. Então, propuseram a parceria
com o mundo acadêmico. O nome é pomposo: Pesquisa Científica dos Vegetais Herbáceos do Bioma Pampa.
- Vamos apurar quais plantas têm importância medicinal. No futuro, produziremos uma grande horta de fitoterápicos, que nos
possibilitará uma alternativa econômica - sonha Nilza.
O receio do casal é compartilhado com o professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) Ludwig Buckup. O pesquisador entende que a implantação de florestas em escala industrial no Pampa oferece
riscos aos rios e ao solo. Acredita que faltam no Estado estudos sobre a perda de diversidade biológica, o empobrecimento
dos nutrientes do solo e o consumo excessivo de água causados pelos eucaliptos.
- Como não há estudos, corre-se o risco de plantar onde as reservas hídricas são escassas. Vai ser um adensamento de
árvores fortemente agressivas ao ambiente. Este é o drama - alerta Buckup, doutor em ciências naturais pela Universidade de
Tübingen, na Alemanha.
Ele lembra que o eucalipto já foi utilizado para secar banhados, em São Paulo, no início do século passado, quando foi
projetado o Jardim América.
A corrida do Uruguai
Apesar do embate com a Argentina - na chamada Guerra das Papeleiras -, o Uruguai deverá fabricar pasta de celulose no
próximo ano. Enquanto os argentinos alegam riscos ambientais, os uruguaios comemoram investimentos de US$ 1,8 bilhão -
o maior da história do país.
Duas indústrias de celulose estão em construção em Fray Bentos, na fronteira com a Argentina: a Botnia (Finlândia) e a Ence
(Espanha). Mais adiantada, a planta finlandesa começará a operar em 2007. Em maio, ZH visitou a fábrica da Botnia, onde
enxames de operários erguiam as instalações.
A Botnia produzirá 1 milhão de toneladas de pasta de eucalipto por ano. Por que um grupo atravessou o planeta para investir
US$ 1,1 bilhão no Uruguai? A resposta do presidente, Erkki Varis, está em revistas promocionais da empresa:
- A Finlândia já tem 17 plantas de celulose e outras 80 de papel e cartão. Esgotou sua capacidade.
O Uruguai foi escolhido pela fartura de madeira e pela posição geográfica. De Fray Bentos, dispondo de porto próprio, a Botnia
escoará a pasta de eucalipto pelo rio em comboios de barcaças. A mercadoria será levada até Nova Palmira, onde embarcará
em navios de alto-mar para Europa, Ásia e América do Norte.
Quando chegou ao Uruguai, em fins de 2003, a Botnia encontrou as florestas crescidas. Cinco anos antes, uma lei autorizara
o plantio massivo de eucaliptos.
Multidões de desempregados acorrem a Fray Bentos. A expectativa é de que a Botnia oferecerá 4,5 mil vagas até o final do
ano. O pedreiro Roberto Echeverriaga, 39 anos, dois filhos, saiu de Rivera e pegando carona chegou ao canteiro da Botnia
quando já havia 8,3 mil inscritos.
- Soube que vão pagar R$ 35 por dia, mais o almoço - diz Echeverriaga, que trouxe uma mochila de roupas e a indefectível
garrafa térmica para tomar mate.
A Botnia contratou especialistas brasileiros. Marcos Hecke, de São Paulo, foi pela empresa Locar, que maneja guindastes
capazes de erguer até 440 toneladas.
- Aqui não tem assalto, não tem poluição, não tem lixo no chão - elogia Hecke.
(Por Carlos Etchichury e Nilson Mariano,
Zero Hora, 19/07/2006)