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2006-07-18
Restaurar a natureza pode ser uma questão tão polêmica quanto destruí-la. A devastação e e a poluição levantam questões sobre a validade do ganho econômico que geram. Já a pergunta que reside no problema da recuperação é “quem vai pagar a conta?”.

No Brasil, esta dúvida se torna evidente quando se fala em restauração de Áreas de Preservação Permanente (APPs). Não há ainda um levantamento sobre quantos milhões de hectares de matas de galeria, áreas de nascentes, veredas, vegetação de encostas de morros, mangues, entre outros ecossistemas, foram destruídos ilegalmente no país. Sabe-se que foram muitos milhões. Em São Paulo, por exemplo, 50% das matas ciliares foram suprimidas, ou cerca de 1 milhão hectares. Sabe-se também que revegetar estas áreas não será fácil e tampouco barato.

Em um esforço para extrair diretrizes de uma política nacional de restauração de APPs, o o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) reuniu em Brasília, entre os dias 12 e 14 de julho, 600 pessoas em um seminário. Estavam ali as ONGs, a academia, o governo federal, estados e munícipios.

O problema primordial são as sementes. Diversos especialistas relataram que existe um déficit em quantidade e qualidade de mudas de espécies nativas no Brasil. Os viveiros cresceram nos últimos anos e a produção não é pequena, mas a oferta está aquém da demanda. No vale do rio São Francisco, por exemplo, são produzidos 4 milhões de mudas por ano para o Programa de Revitalização, enquanto o total necessário é de 12 milhões de mudas.

Na opinião do diretor de Departamento de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, Paulo Kageyama, o que gera a falta de mudas é o aumento da demanda, o que em si demonstraria uma tendência positiva. “Essa produção, anos atrás, era uma utopia”, diz ele. Mas a questão é um pouco mais profunda, pois não basta ter muitas mudas de uma mesma espécie sem ter a diversidade genética entre elas. Para garantir esta variabilidade será preciso aumentar a coleta de sementes de espécies nativas, algo como mapear indíviduos que sirvam de fornecedores de sementes para a recuperação de áreas degradadas.

O governo já tem uma proposta para obter as sementes: iniciar um programa de coleta dentro de unidades de conservação de uso restrito, como parques nacionais, reservas biológicas e estações ecológicas. A idéia foi apresentada no seminário em Brasília e foi bem acolhida pelos participantes. De acordo com o diretor de Ecossistemas do Ibama, Valmir Ortega, a intenção é estabelecer um programa de pesquisa que dê subsídios para uma produção comercial de mudas de qualidade. O programa começaria já neste ano com parcerias com as redes de sementes já existentes, como a Rede do Cerrado, que já pesquisa e estoca variedades nativas.

Ricardo Rodrigues, professor de Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo ( Esalq/USP) e considerado precursor na restauração de áreas degradadas, afirma que o uso das unidades de conservação é essencial. O que está faltando são exatamente as matrizes para a expansão da produção de mudas. Ele conta que hoje os viveiros não conseguem certificados de sustentabilidade ambiental porque não podem comprovar a origem das sementes, que em alguns casos foram extraídas ilegalmente de unidades de conservação.

Alto custo

A garantia de mudas para serem plantadas em áreas devastadas pode ser o primeiro passo para atenuar os altos custos envolvidos na restauração de APPs. Pesquisadores, estimam que é necessário aplicar mil dólares para cada hectare degradado.

Vinte anos atrás, esse valor era bem mais alto, 4 mil dólares, mas ele ainda é elevado. Principalmente se considerado o fato de que são os pequenos proprietários rurais que terão de recuperar a maior parte das APPs.

Segundo estudo da Universidade Nacional de Brasília com a Embrapa, pequenas propriedades do Cerrado degradam, em média, 56% de suas APPs. Nas grandes terras, essa proporção cai para 21%.

Este quadro fomentou um debate sobre a necessidade de incentivos econômicos para remunerar os proprietários que preservam suas APPs. O termo mais falado é o pagamento por serviços ambientais, ou seja uma “retribuição financeira à vegetação” que garante qualidade à água, a sobrevivência das nascentes ou o equílibrio do clima.

A lista de serviços ambientais é extensa, estudos internacionais já classificaram 19 modalidades. A elaboração de uma política pública no sentido de pagar o proprietário que preserva começa a caminhar agora, já que existe um grupo de trabalho do Ministério do Meio Ambiente encarregado de redigir um projeto de lei sobre a remuneraçao das vantagens ecológicas dos ecossistemas conservados.

Atualmente, o que está mais próximo de ser um instrumento econômico para a preservação de APPs é o ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) Ecológico. Principal fonte de renda dos Estados, este tributo é distribuído conforme a taxa de áreas preservadas em cada município. O problema, opina Luís Anselmo Tourinho, da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), é que os prefeitos não são obrigados a reinvestir o dinheiro nas APPs. A cidade ganha por preservar, mas geralmente os recursos são consumidos pelas áreas da saúde e educação. Tourinho defende mudanças nas legislações estaduais de ICMS ecológico para garantir o investimento em zonas degradadas e a remuneração das regiões preservadas.

A The Nature Conservancy (TNC), ONG americana que trabalha com restauração de APPs em propriedades rurais na Amazônia e no Cerrado, propõe que o trabalho de recuperação seja financiado por recursos advindos da cobrança pelo uso da água. Para isso, argumenta o coordenador de Florestas da ONG, Gilberto Tiepolo, é necessário que os comitês de bacia ampliem o seu leque de opções nos planejamentos.

Na maioria dos comitês estabelecidos, a principal demanda de dinheiro é para obras de saneamento. No entanto, poderiam ser redirecionados às APPs. “Queremos mostrar que recuperar as APPs diminuiria o gasto com tratamento de água”, pontua Tiepolo. Ainda entre as opções apresentadas pela TNC, encontram-se o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, o instrumento criado pelo Protocolo de Kyoto que permite o comércio de créditos de poluição. A organização calcula que com os preços atuais da bolsa de emissões da União Européia seria possível financiar até 10% do custo de recuperação de áreas degradadas.

A discussão sobre quem vai pagar a conta da recuperação das APPs esquenta quando se coloca na mesa um modelo que permita o uso econômico das espécies plantadas. Em função do alto custo da recuperação das APPs, e também da pouca disponibilidade de mudas, alguns especialistas defenderam no seminário que exista um modelo de transição que permita a introdução de leguminosas, gramíneas e frutíferas para garantir algum ganho aos produtores rurais que estão devolvendo as áreas em que antes produziam.

A principal defensora deste projeto foi a acadêmica Maria José Zakia, que hoje coordena o programa ambiental da Votorantim Celulose e Papel. Desde que se recupere as funções ecológicas, diz ela, não há problema em utilizar espécies comerciais.

A idéia gerou algum rumor no seminário, mas não tanto quanto a do representante do Intituto Estadual de Florestas (IEF) de Minas Gerais, Ricardo Galeno. Ele argumentou em prol do uso de espécies exóticas em APPs, inclusive o famigerado eucalipto. Na zona rural do centro-oeste mineiro, a demanda por carvão tem sido extremamente alta para alimentar os fornos das siderúrgicas. Segundo Galeno, será difícil convencer o proprietário a abrir mão de obter renda com que hoje já é chamado de “ouro negro”.

Monitoramento e Fiscalização

Talvez a forma e as fontes mais consistentes de recurso para a recuperação de APPs seja a aplicação das leis e a cobrança de compensação daqueles que a descumpriram. A definição sobre o que são APPs e a obrigatoriedade de sua conservação estão no Código Florestal de 1965, e na própria Constituição, no Artigo 187.

O poder de fiscalização dos órgãos ambientais aumentou com os satélites e, em terra, pode-se contar com um aliado poderoso, o Ministério Público. No seminário, os promotores dos estados mostraram que estão pegando no pé de quem desmata APPs.

Um bom exemplo é a Promotoria de Justiça do Rio São Francisco, que de 2002 até 2005 realizou 480 fiscalizações. Até o momento, 203 Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) foram firmados, principalmente com rancheiros nas margens do Velho Chico e nas bordas de reservatórios. Com 4 milhões de reais obtidos com compensação, a promotoria comprou uma área de 1.100 hectares de um trecho de mata atlântica remanescente em Minas Gerais.

Outra boa nova neste sentido é que no momento de pagarem suas multas, as empresas estão se aliando a universidades, ajudando assim o incremento do conhecimento técnico para a recuperação de APPs. Em São Paulo, a Esalq trabalha com usinas de açúcar e alcóol que assinaram TACs com o Ministério Público em um projeto que vai garantir o plantio de 10,5 mil hectares de matas ciliares nos próximos dez anos. Além disso, 42 mil hectares de APPs preservados permanecerão intocados.

A iniciativa de colocar a recuperação na pauta do Conama, surgiu após a aprovação da polêmica Resolução 369, votada em fevereiro deste ano e que permite o desmatamento de APPs em empreendimentos de utilidade pública ou com fins sociais. Os painéis do seminário quase ignoraram os problemas que culminaram na 369, essencialmente problemas urbanos e de ocupação irregular.

Não houve qualquer apresentação sobre APPs em área urbana e apenas no último dia um grupo de trabalho se reuniu por duas horas para propor sugestões de restauração nas cidades. Aliás, dentre todos os grupos, esse foi o que mais gerou discussões acaloradas. Os municípios querem mais flexiblização nas leis, o setor ambiental se recusa a conceder.

No próprio texto da Resolução 369, no artigo 17, propõe-se que o Ministério do Meio Ambiente crie um Grupo de Trabalho para apresentar no prazo de um ano soluções para a restauração das áreas degradadas. A criação foi anunciada logo após o fim do seminário. Começando com as sementes e passando por questões urbanas, econômicas e sociais, o GT certamente terá muitas perguntas a responder.
(Por Gustavo Faleiros, O Eco, 17/07/2006)

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