A onda global de investimentos na produção de biocombustíveis a partir
de matérias-primas vegetais já começou a modificar significativamente
o perfil das exportações brasileiras de óleo de soja. Impulsionados
pela demanda para a fabricação de biodiesel, os embarques do produto
refinado somaram 263 mil toneladas no primeiro semestre deste ano, 24%
mais que em igual período de 2005, conforme dados da Secretaria de
Comércio Exterior (Secex). Em receita, o crescimento na mesma
comparação chegou a 29%, para US$ 132 milhões.
Boa notícia para as indústrias processadoras do grão instaladas no
país, que desde as mudanças tributárias promovidas pela Lei Kandir,
de 1996, reclamam da perda de competitividade do Brasil nesse mercado
em relação a concorrentes como Argentina e Estados Unidos, cujo
principal reflexo ainda é a contínua retração da exportação de óleo
bruto.
Segundo a Secex, de janeiro a junho o volume de óleo bruto exportado
pelo país recuou 31%, para 701 mil toneladas, e a receita proveniente
dessas vendas caiu 34%, para US$ 319 milhões.
De fevereiro passado a janeiro próximo, a Associação Brasileira das
Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) projeta as exportações totais de
óleo de soja do país em 2,2 milhões de toneladas, 15% menos que nos
doze meses anteriores, mas fontes das empresas acreditam que os
embarques do produto refinado manterão o ritmo atual.
Segundo dados divulgados na semana passada pelo Departamento de
Agricultura dos EUA (USDA), o Brasil deverá exportar, no total, 2,1
milhões de toneladas de óleo de soja na safra 2005/06, ante 2,41
milhões em 2004/05. O órgão prevê a interrupção da tendência de
retração em 2006/07, quando os embarques voltariam a somar 2,1 milhões
de toneladas. E, para analistas, graças ao refinado.
Para um executivo de uma das principais exportadoras de óleo de soja
que operam no mercado brasileiro, a procura pelo produto refinado
aumentou sobretudo na Europa, mas a demanda também está aquecida nos
EUA, embora aquele país ainda não tenha uma legislação específica para
esse tipo de combustível.
"Hoje, os americanos estão mais interessados na adoção do etanol como
alternativa à gasolina, mas a tendência é que o país crie leis e passe
a consumir biodiesel a partir de 2008", afirma Daniel D"Ávila, analista
da Fimat Futures em Nova York.
A Europa já recorre ao biodiesel desde 2005. Naquele mercado, a
principal matéria-prima adotada é a canola, uma vez que a produtividade
das lavouras de soja é baixa principalmente por conta do clima. Mas,
como a oferta de canola também é insuficiente, já há na Europa uma
legislação que permite a mistura de até 20% de óleo de soja no diesel.
Para César Borges de Souza, vice-presidente da Caramuru Alimentos,
essa nova demanda de fato cria um mercado passível de ser explorado
com bons resultados. "É uma oportunidade para exportar o produto
industrializado e obter melhores margens de rentabilidade", afirma
Borges.
Conforme Renato Sayeg, analista da Tetras Corretora, no mercado
internacional os preços do óleo de soja também já começam a sofrer
mais as influências do petróleo, desvinculando-se das tradicionais
variações mais relacionadas aos preços do grão e do farelo. "É um
movimento sutil, mas que tende a se tornar mais marcante ao longo do
tempo. Em junho, por exemplo, grão, óleo e farelo subiram na bolsa de
Chicago, mas o farelo ficou para trás", diz.
No mês passado, os contratos futuros de segunda posição de entrega do
óleo alcançaram, em média, 25,15 centavos de dólar por libra-peso em
Chicago, em alta de 17,38% em relação à média de dezembro de 2005.
Para o grão, a mesma comparação resulta em queda de 0,60%; no caso do
farelo, em baixa de 5,78%, sempre de acordo com cálculos realizados
pelo Valor Data.
Na comparação entre as médias de junho de 2006 e junho do ano passado,
o óleo aparece com valorização de 4,24%, enquanto grão e farelo
apresentam retração - 14,46% e 18,42%, respectivamente.
Nesse contexto, outra mudança em curso observada pelos especialistas é
a diferenciação entre os prêmios pagos pelo óleo bruto e os oferecidos
pelo produto refinado nos portos brasileiros. Até o último dia 7, o
óleo bruto que saía pelo porto de Paranaguá (PR) tinha um desconto
(prêmio negativo) de 350 pontos em relação ao valor da commodity na
bolsa de Chicago. O prêmio para o refinado, por sua vez, estava
positivo em 48 pontos.
(Por Cibelle Bouças e Fernando Lopes,
Valor Econômico, 17/07/2006)