Rios da Amazônia lançam 350 milhões de toneladas de gás carbônico por ano na atmosfera
2006-07-18
Faz parte de um processo natural, mas os cientistas não imaginavam que os rios fossem capazes de emitir quantidades tão grandes de CO2 na atmosfera da Amazônia Central. Segundo estudos do Experimento de Grande Escala da Biosfera-atmosfera na Amazônia (LBA), cada rio amazônico libera cerca de uma tonelada/hectare de CO2 por ano, produto da decomposição de matéria orgânica presente na água. Juntos, somam cerca de 350 milhões de toneladas de gás carbônico liberados na atmosfera.
O estudo foi divulgado ontem (17/7) na mesa redonda “Estudo Multi e interdisciplinar das interações biosfera-atmosfera na Amazônia”, durante a 58ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que ocorre entre 16 e 21 de julho no campus da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O LBA tem 15 torres de observação espalhadas pela Amazônia para medir o fluxo de CO2 liberado pela floresta. Segundo Carlos Nobre, coordenador-geral do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e pesquisador do LBA, a quantidade de CO2 liberada pelos rios não representa risco para o aquecimento do planeta, pois a própria floresta consome esses gases.
De acordo com o pesquisador, a principal ameaça à Amazônia continua sendo o desmatamento – responsável por 75% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil. . “A Amazônia é um dos pontos críticos do sistema terrestre. Pequenas perturbações podem causar um colapso de biodiversidade e alterações no ciclo da água. A taxa de desaparecimento da floresta é muito alta, devido à atividade pecuária, agricultura intensiva, extração madeireira e pelas queimadas", diz Nobre.
Em 2005 foram desmatados 640 mil Km2, principalmente na região do arco do desmatamento, que compreende os estados do leste e do sul da floresta - Rondônia, Pará, Mato Grosso,
Tocantins e Piauí, além da região onde está sendo construída a BR 163. De acordo com o INPE, o índice de desmatamento deve se manter estável em relação ao ano passado.
Carlos Nobre também critica o avanço de culturas destinadas à produção de biodiesel, como a soja e a mamona. “O Brasil exporta biodiesel para diminuir a emissão dos outros e desmata para plantar soja e mamona para produzir biodiesel. E esse passivo é preenchido depois por projetos de recuperação estrangeiros. É uma equação estranha", diz. Para ele, a política de expansão do biodiesel pode ser nociva para o ecossistema local. "Para o Brasil abastecer o mundo com biodiesel, só invadindo a Amazônia”, diz.
Floresta tropical pode virar savana
Segundo dados do LBA – criado em 1998 – o desmatamento reduz em até 12% a precipitação na floresta e pode desencadear um processo de savanização na parte leste da Amazônia, substituindo a vegetação tropical por um “cerrado pobre”. “A transformação será rápida demais para que se desenvolva um cerrado rico como existe hoje”, afirma Nobre.
A diferença entre floresta e savana está na quantidade de chuvas. Enquanto a floresta só sobrevive com evaporação mínima de 3,5 mm/dia, a savana precisa de apenas 1 mm/dia. Com o aquecimento do solo, a diminuição de chuvas é definitiva. A tese contraria a hipótese de que a floresta pode se recompor sozinha caso as lavouras sejam abandonadas mais tarde. “Se virar savana, a floresta não voltará ao normal antes de milhões de anos”, alerta o pesquisador.
O processo de savanização também pode ser desencadeado pelo aquecimento do planeta. De acordo com modelos estudados no LBA, caso a emissão de gases do efeito estufa mantenha-se nos níveis atuais, até o fim do século a temperatura global aumentará de 3ºC a 5ºC, o calor aumentará a evaporação, diminuindo a quantidade de água no solo, o que explica o fenômeno. “Nesse caso, cerca de 50% das espécies da floresta desapareceriam”, diz o pesquisador.
De acordo com Pedro Dias, do Instituto de Anstronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG/USP), que também esteve presente na mesa redonda, outra variável fundamental no aumento dos gases de efeito estufa são as queimadas. “A concentração de aerossóis [partículas em suspensão], provocadas pelas queimadas, diminui a incidência de chuvas”, diz. Segundo ele, o perigo dos resíduos de queimadas não são apenas locais. Queimadas no Mato Grosso podem provocar chuvas no sul do país, por exemplo, porque os aerossóis produzidos na Amazônia são transportados por longas distâncias. "Será um problema para o Direito Ambiental, porque queimada é poluição transfronteiriça", diz.
(Por Francis França, 18/07/2006)