O território que forjou o gaúcho tem uma nova paisagem. Manadas de bois continuam
ruminando nas planícies, mas ganharam a companhia de vinhedos, laranjais, quilométricas
florestas de eucaliptos, indústrias de celulose, lavouras, usina de álcool. O Pampa se
transforma: diversificou as atividades, multiplicou as etnias, alterou costumes.
O Pampa é tão amplo que se espalha por três países - abrange o território do Uruguai,
compõe parte da Argentina, preenche a metade meridional do Rio Grande do Sul. Zero Hora
junta os três pedaços geográficos para revelar as mudanças em curso. Na nação dos gaúchos
e dos gauchos, o idioma varia entre o português e o castelhano, mas há uma identidade.
Ela foi esquadrinhada por duas equipes de ZH durante 20 dias. Ao percorrer 10.129
quilômetros, os repórteres constataram inovações até mesmo em práticas ancestrais, como o
pastoreio.
Para não serem engolidas, fazendas modernizaram a gestão, incorporaram novidades como o
GPS (Global Positioning System) para monitorar pastagens via satélite. A lógica das
fusões empresariais do mundo globalizado inspira condomínios familiares. O objetivo é o
mesmo: produzir mais, melhor e com menos custo. Um dos exemplos, o El Tejar, na
Argentina, consorcia lavouras e rebanhos em 160 mil hectares.
Novidades se consolidam. Descobriu-se que o clima do Pampa - a combinação sol intenso e
pouca chuva - enriquece o sabor de uvas finas para vinhos de exportação. Hoje, parreirais
ondulam simétricos no topo das coxilhas. Pomares de frutas com sumo adocicado também se
expandem. A área de Rosário do Sul desponta como pólo nacional de laranjas e bergamotas
de mesa, aquelas desprovidas de sementes.
Netos de colonos alemães e italianos se estabelecem
Chegam indústrias de celulose com suas compactas plantações de eucaliptos. As árvores
verticalizam a paisagem no Estado, na Argentina e, sobretudo, no Uruguai, onde haverá
três fábricas. No lado rio-grandense, serão duas: a brasileira Votorantim e a
sueco-finlandesa Stora Enso.
As empresas prometem tirar rincões do atraso, garantem impostos e centenas de empregos,
juram que não haverá danos ao ambiente. Mas há reações. No Uruguai, a construção da
planta de celulose Botnia (finlandesa) e Ence (espanhola) às margens do Rio Uruguai
deflagrou um conflito diplomático com a Argentina. A "guerra das papeleiras" azeda a
vizinhança desde agosto.
A transfiguração econômica atrai novos protagonistas. Netos de colonos alemães e
italianos deixaram os minifúndios da região central do Estado, numa migração que se
acentuou nos últimos 50 anos, para se tornar grandes proprietários na fronteira. Etnias
de outros continentes também se fixaram no Pampa. Em Jaguarão, um descendente de árabes é
o patrão de CTG.
A pátria mítica dos caudilhos que abalavam governos, da barbárie das degolas, das guerras
a cavalo que demarcavam as linhas de fronteira e da bravura dos duelos com adagas não
existe mais. Domadores, tropeiros, esquiladores, carreteiros desafiam o tempo. Resistem
nas periferias. A bombacha ainda é o traje preferencial, mas não exclusivo.
(Por Carlos Etchichury, Nilson Mariano e Emerson Souza,
Zero Hora, 16/07/2006)