Uma disputa de interesses sobre pequeníssimas áreas encravadas no litoral sul
de Santa Catarina foram motivo de uma reunião convocada às pressas em Brasília
na quarta-feira (12/07) com a presidência do Ibama. Felizmente, para o bem das
baleias francas, governo estadual e empresários não conseguiram o que queriam:
derrubar uma Instrução Normativa recém publicada pelo órgão federal que tão
somente ordena o uso do espaço marinho na Área de Proteção Ambiental (APA) da
Baleia Franca. Mas, eles avisam, a batalha ainda não chegou ao fim.
O rebuliço foi armado porque a instrução normativa 102/06 proíbe que barcos a
motor usados no turismo de observação de baleias trafeguem por seis pontos
entre os municípios de Garopaba e Imbituba – áreas que, somadas, equivalem a
0,3% da APA, que se estende por cerca de 140 quilômetros entre Florianópolis e
o Farol de Santa Marta. A proibição só vale durante a temporada de avistagem
dos cetáceos, que vai de julho a novembro.
Em ano de eleição e devido a um hipotético prejuízo causado pelas restrições
aos barcos – que se aproximam das baleias para delírio dos turistas – o
empresariado mobilizou políticos de Santa Catarina, entre os quais o senador
Leonel Pavan, candidato a vice-governador e o deputado Edinho Bez, presentes à
reunião. A líder do governo no Senado, Ideli Salvatti, também mandou
representante.
Na reunião, Eduardo Peixoto, presidente do Instituto Baleia Franca (IBF),
entidade que vive do turismo de observação de baleias, apresentou um relatório
apontando supostas falhas na elaboração da instrução normativa. Segundo ele, a
discussão da delimitação de áreas teria que contar com a participação da
União, do governo estadual e dos municípios envolvidos. O argumento não
conseguiu revogar a legislação, mas postergou o debate e foi determinante para
os próximos passos. Um deles será a regulamentação das áreas em que o turismo
embarcado poderá ser explorado livremente. E o outro um ajuste na instrução
normativa, que será assunto da próxima reunião do conselho gestor da APA, no
dia 22 de julho.
Necessidade da conservação
O crescimento desordenado do turismo de avistagem preocupou os pesquisadores
do Projeto Baleia Franca (PBF), que há 24 anos atua no estudo e na conservação
dos cetáceos na região. O local é tido por eles como um “santuário” dessas
baleias na costa brasileira. Ali, a espécie busca refúgio após o verão, e mães
e filhotes permanecem áreas de baixa profundidade, muito próximas do litoral.
Por isso mesmo é perfeitamente possível apreciar os dóceis visitantes a partir
de postos de observação em terra. Aliás, não é demais lembrar: o turismo em
mar aberto não foi proibido em 99,7% da área da APA.
Mas isso não convenceu os representantes do IBF presentes à reunião, que
espalharam em tom de alerta máximo que “70% do turismo na região de Garopaba e
Imbituba estaria prejudicado na temporada das baleias”. Mal sabem eles que
muito mais revoltados com todo esse barulho estão os pesquisadores e
ambientalistas que trabalham na APA e no Projeto Baleia Franca.
José Truda Pallazzo Junior, co-fundador da entidade, não se conforma com a
polêmica e diz que o IBF representa interesses puramente comerciais de
proprietários de embarcações marítimas. “A crítica vem de um único operador de
turismo argentino, que é dono de uma Ong que tenta clonar as nossas atividades
com dois objetivos claros: não se submeter a nenhuma restrição e
desestabilizar a diretoria da APA”, afirma. Referindo-se ao presidente do IBF,
Truda desabafa. “Ele está aproveitando que o governo de Santa Catarina é
cúmplice de qualquer bandalheira que se faça contra as unidades de conservação
e, escorado na ignorância das pequenas prefeituras, tem conseguido apoiadores
ao movimento”.
Áreas de refúgio
Truda explica que a instrução normativa foi baseada em um estudo que sugeriu
proteção integral dos cetáceos durante a temporada em três praias de Garopaba
e outras três em Imbituba. “São as áreas em que as baleias têm o menor espaço
de manobras, com alguns obstáculos físicos e topografia muito boa em terra
para que se faça a avistagem da costa”, justifica. Segundo ele, são áreas
intercaladas com locais abertos que permitem o acompanhamento científico e o
próprio turismo, seguindo padrões internacionais. “O que nós não podemos
aceitar é que a pressão dos operadores comerciais defina como vai ser feita a
proteção das baleias numa unidade de conservação”, esclarece Truda.
Posicionamento semelhante tem a chefe da APA da Baleia Franca, Maria Elizabeth
da Rocha. Ela afirmou que um grupo de trabalho multidisciplinar estudou por
dois anos a questão, seguindo as recomendações Comissão Internacional da
Baleia (CIB), realizada na África do Sul, em 2004. “O turismo de observação em
embarcações não é a atividade mais importante dentro da APA da Baleia Franca”,
diz. “Questiono o retorno sócio-econômico, pois é um turismo de elite e que
incomoda as baleias. Além disso, o Ibama só está fazendo cumprir os acordos
internacionais que o Brasil assina como país pró-conservação”.
Maria Elizabeth afirma que a intenção não é proibir o turismo na APA, como vem
sendo divulgado, e que a ação do IBF tem colocado a população contra o Ibama.
“Nosso trabalho é sério, reconhecido e busca preservar uma espécie ameaçada.
Não temos a menor intenção de prejudicar atividade econômica. Quando é para
realizar empreendimento imobiliário e destruir dunas ou o meio ambiente,
ninguém se lembra de consulta pública”, desabafou, bastante emocionada.
A chefe da APA também explicou que com a proibição será possível realizar
estudos de comportamento das baleias e seus filhotes, sem a interação com os
barcos. “As baleias não se alimentam aqui, contam apenas com sua proteção de
gordura. Cada vez que um barco com turistas histéricos aparece, ela tem se
movimentar, gastando o que é seu alimento”, acrescenta.
O triste dessa história é o fato de que os apenas 0,3% destinados
exclusivamente às baleias francas possam ter gerado tanto barulho. Por “nada”.
Se para os empresários essa área vale muito, deviam colocar a mão na
consciência e perceber que, para uma espécie ameaçada de extinção, vale muito
mais.
(Por Fabrício Escandiuzzi,
O Eco, 12/07/2006)